Os apelos e os alertas do secretário-geral da ONU sobre a pandemia da covid-19 foram feitos numa entrevista ao jornal digital português 7Margens (publicação exclusivamente dedicada a temas da religião e espiritualidade) hoje publicada.

Questionado sobre os esforços desenvolvidos pelos grandes atores internacionais no combate à pandemia, em especial na mais recente cimeira dos líderes do G20 (as 20 maiores economias do mundo), Guterres reconhece que foi dado um passo positivo, mas admite que a comunidade internacional ainda está muito longe de ter aquilo que é preciso.

Defende que o necessário é “em primeiro lugar, uma estratégia concertada e coordenada de supressão da transmissão do vírus” a nível mundial "sob a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS)".

"Continuamos a assistir a estratégias diversas em diferentes países e, por vezes, dentro de um país estratégias completamente diferentes nas suas diversas regiões ou cidades, como no caso dos Estados Unidos”, refere.

E aponta também: “Não há suficiente volume de recursos postos à disposição do Sul global, dos países em desenvolvimento, que têm sistemas de saúde extremamente frágeis (…). Isso continua a faltar-nos. Enfim, há alguns apoios, mas nada à escala do que é necessário”.

É neste sentido que Guterres alerta para as potenciais “consequências trágicas” e dos eventuais “milhões de mortos”, nomeadamente no continente africano, perante uma explosão da doença.

O secretário-geral das Nações Unidas menciona outro risco adicional.

“Quanto mais transmissões se verificam, maior a possibilidade de o vírus vir a ter mutações. No dia em que houver mutações significativas no vírus, as vacinas que, entretanto, se venham a desenvolver podem deixar de ser eficazes. O que quer dizer que, se o Norte não tomar conta do Sul, pode acontecer que o Norte venha a sofrer depois um efeito de retorno que pode comprometer muitos dos esforços que neste momento são feitos para vir, esperemos que em futuro breve, a desenvolver vacinas e tratamentos eficazes”, afirma.

Nesta entrevista ao 7Margens, António Guterres, que faz questão de frisar que “esta não é uma crise financeira, é uma crise humana”, fala também sobre o seu apelo a um cessar-fogo global e da importância, no atual cenário, de um sistema de governação multilateral.

“Não é um desejo ingénuo. Em primeiro lugar, corresponde a uma necessidade absoluta: enquanto durar um conflito é completamente impossível ter uma estratégia para combater a doença”, e “sobretudo em países que são sempre muito frágeis em todos os outros aspetos, onde os serviços de saúde são praticamente inexistentes (…)”, afirma o representante.

E avança que o seu pedido já “teve algum impacto” em várias situações, incluindo na Síria, Iémen, Líbia, Filipinas, Camarões ou na Colômbia.

“Temos, neste momento, um grupo significativo de forças envolvidas em conflitos de diversas naturezas que afirmaram estar disponíveis para um cessar-fogo e algumas delas proclamaram mesmo um cessar-fogo unilateral”, indica Guterres.

Sobre o multilateralismo, o representante frisa que este “não é apenas as Nações Unidas” sustentando que “cada vez mais” precisamos de um multilateralismo em rede.

Mas reconhece: “Isso não quer dizer que seja fácil convencer todos aqueles que procuram aproveitar momentos como este para aumentar o nacionalismo, para aumentar expressões de natureza xenófoba e para, no fundo, pôr em causa os valores da ilustração, do chamado 'Enlightenment' [Iluminismo], de que todos nós, europeus, nos devíamos orgulhar”.

Na qualidade de português, o secretário-geral da ONU e ex-primeiro-ministro de Portugal afirma ainda sentir-se “profundamente orgulhoso” com a recente decisão do Governo português em permitir o acesso a todos os serviços sociais e de saúde de todos os imigrantes que pediram a sua regularização.

“Gostaria de ver esse exemplo multiplicar-se por esse mundo fora”, conclui.

O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou mais de 791 mil pessoas em todo o mundo, das quais morreram mais de 38 mil.

Dos casos de infeção, pelo menos 163 mil são considerados curados.

Depois de surgir na China, em dezembro, o surto espalhou-se por todo o mundo, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma situação de pandemia.