“Desde há muito tempo que não é dada qualquer informação sobre os profissionais de saúde”, disse Miguel Guimarães numa audição conjunta com a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, na comissão eventual para o acompanhamento da aplicação das medidas de resposta à pandemia da doença covid-19 e do processo de recuperação económica e social.

“Só nos últimos dois dias faleceram dois médicos com covid-19, que estavam obviamente a trabalhar. Esta é uma realidade que nos começa a escapar. O número de infetados médicos, as necessidades que estão a acontecer no terreno e o impacto na vida das pessoas”, sublinhou Miguel Guimarães.

Dirigindo-se aos deputados, o bastonário da OM lamentou que “apesar da vontade da Ordem dos Médicos em colaborar” nunca “foi objetivamente ouvida” pela ministra da Saúde, Marta Temido.

“Este é um aspeto que eu gostaria de realçar porque numa situação de emergência médica, de emergência em saúde pública, eu acho que era fundamental que a senhora ministra da Saúde ouvisse as várias ordens profissionais e as pusesse a colaborar na resposta que temos que dar a esta pandemia”, sustentou.

Ainda assim, vincou, “os médicos em circunstância alguma se demitem de exercer o seu papel, apesar de não estarem a ser ouvidos”.

“Eu acho piada quando se ouvem apenas os epidemiologistas e se retira da equação as pessoas que todos os dias fazem um Serviço Nacional de Saúde, que todos os dias dão a sua vida pessoal para salvar outras vidas e sobretudo aquelas que conhecem exatamente o que é que está a acontecer no terreno”, criticou.

Miguel Guimarães alertou para as dificuldades que existem no terreno, salientando que não se pode “continuar a deixar as pessoas morrerem à porta dos hospitais nomeadamente nas ambulâncias”.

“Nós temos de facto que ter uma intervenção mais forte (…) usando os recursos todos que temos neste momento na saúde em Portugal, as infraestruturas e o capital humano, os equipamentos para podermos ter mais estabilidade naquilo que são as nossas unidades de saúde”, defendeu.

O bastonário da OM disse que os profissionais de saúde estão a fazer “um trabalho magnífico”, mas "não conseguem ir mais além porque na realidade faltam pessoas, equipamentos e camas de internamento e de cuidados intensivos".

Salientou ainda “o sofrimento que os médicos estão a ter no campo, no terreno, no campo de batalha”, com profissionais a “fazerem 24 sobre 24 horas por falta de médicos”.

“Há médicos que têm que lidar com situações absolutamente desastrosas em termos daquilo que é a capacidade de resposta que é terem doentes à espera que não conseguem ver, porque não há espaço porque as pessoas têm dificuldades neste momento a nível dos internamentos, dos cuidados intensivos”, insistiu.

Para Miguel Guimarães, a gestão integrada desta situação “é complexa” e há muitos médicos em `burnout´ (exaustão), uma situação que é preciso ter em linha de conta.

Neste momento, adiantou, existe a ideia que se está a "aumentar de forma vertiginosa as camas em cuidados intensivos, mas faltam apoios de médicos e enfermeiros diferenciados na área da medicina intensiva. É a mesma coisa que pôr um professor de português a dar aulas de física ou vice-versa quando já não há capacidade para ter mais professores de português".

Para o bastonário, esta situação pode explicar de "alguma forma" a subida da mortalidade que pode acontecer.

Miguel Guimarães defendeu ainda ser fundamental que quem tem responsabilidades políticas peça aos portugueses para cumprirem as regras da Direção-Geral de Saúde e do confinamento porque "a situação está neste momento descontrolada" e é preciso parar a transmissão da doença.

"O discurso de quem tem responsabilidade na área da Saúde tem que ser um discurso direto um discurso que diga a verdade da situação porque neste momento é absolutamente fundamental que os portugueses percebam que as coisas não estão a correr bem", frisou.

A covid-19 já matou em Portugal 9.686 pessoas dos 595.149 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.