“Há doentes que esperam há meses por consultas e depois veem-nas adiadas. Outros, esperam os exames e estes são adiados. E até as cirurgias, que passados alguns meses eram feitas nos hospitais privados, agora demoram muito mais tempo”, contou à Lusa o presidente da Girassol Solidário — Associação de Apoio aos Doentes Evacuados de Cabo Verde.

Segundo Peter Mendes, estes tempos de espera numa altura de incerteza como a que se vive causa “uma grande ansiedade nestes doentes, que temem sobretudo ficar infetados”.

A Girassol Solidário gere três casas em Lisboa, duas em Marvila e uma na Calçada da Tapada, com capacidade para 18 doentes. Ali ficam até ter alta, embora alguns tratamentos que impliquem respostas que não existem em Cabo Verde se prolonguem.

Trata-se de uma alternativa ao alojamento em pensões sem condições, onde durante anos centenas de cabo-verdianos doentes moraram enquanto faziam os seus tratamentos, e que ainda hoje é uma resposta para outros doentes africanos com quem o Estado português tem acordos na área da saúde, como Angola.

A Girassol Solidário confronta-se atualmente com um aumento exponencial de pedidos de ajuda, nomeadamente alimentar, provocado pelo crescimento do desemprego que atingiu algumas famílias e amigos com que estes doentes contavam e que agora já não podem ajudar.

“Estamos a receber pedidos de doentes que estão em Portugal ao abrigo dos acordos na área da saúde, mas também de outros cabo-verdianos e até portugueses, confrontados com a crise e a falta de comida na mesa”, disse.

E assume a sua preocupação perante os recursos cada vez menores para acudir a cada vez mais pedidos: “Se não houver mais recursos, isto vai ser o caos”.

Os pedidos também não param de chegar ao Centro Padre Alves Correia (CEPAC), fundado em 1992 para o acolhimento e apoio a imigrantes, particularmente os lusófonos.

Em 2020, este centro apoiou 586 beneficiários, dos quais 14,56% vieram através das juntas médicas dos seus países.

A presidente do centro, Ana Mansoa, disse à Lusa que a instituição tenta trabalhar em estreita cooperação com outras para melhorar as condições de vida dos doentes e seus acompanhantes, mas reconhece que o que às vezes se consegue nem sequer é digno.

“Este é um assunto quase tabu. Ninguém quer mexer muito na questão dos acordos, pois a última coisa que se pretende é que o pouco que há desapareça”, adiantou.

Apesar das dificuldades que passam em Portugal e da vulnerabilidade da própria doença, estes doentes não pensam em voltar, pois estão conscientes de que no seu país não obtêm a resposta para o seu problema.

Mas normalmente esse é o seu projeto inicial: regressar após estarem tratados.

“Muitos, para poderem vir para Portugal, vendem as poucas terras que têm e deixam a sua família para se tratarem em Portugal. Os tratamentos demoram, as condições degradam-se e, ainda por cima, estão longe da sua terra e da sua família”, disse.

Ana Mansoa identifica uma grande angústia e preocupação nestes doentes por causa da covid-19, até porque existiram surtos nas pensões onde alguns imigrantes lusófonos residem, as quais também acolhem menores.

E os que vieram por sua conta, sem acesso às residências que o Governo paga, também não estão melhor, pois estão sempre à mercê de um favor e em casas que normalmente já estão sobrelotadas, o que não abona a favor do confinamento.

“Neste período de pandemia, para qualquer um destes dois grupos de pessoas as dificuldades que enfrentavam intensificaram-se, nomeadamente com o cancelamento ou adiamento das consultas que veio prolongar uma estadia que se previa limitada e para o qual não têm rendimento”, disse.

Nos cinco apartamentos alugados através da Embaixada de Cabo Verde e geridos pelo Gabinete de Apoio à Inclusão dos Cabo-verdianos (GAIS-CV) e a Associação Cabo-verdiana de Almada — Cretcheu, os doentes estão cada vez mais afetados psicologicamente pelo medo de serem infetados.

“Devido ao seu problema de saúde, têm muito medo de contrair o vírus”, disse à Lusa o presidente do GAIS-CV, Ildo Fortes.

A agravar estes receios, o “constante adiamento de consultas, exames e cirurgias” faz com que a ansiedade seja ainda maior, pois “ainda não se avista o fim a esta pandemia”.

“Estamos a falar de doentes do foro oncológico, com problemas de coração, situações graves”, adiantou.

Os apartamentos têm material desinfetante e as máscaras têm chegado através da Embaixada de Cabo Verde em Lisboa. Mas a maior dificuldade reside no distanciamento social, que é difícil numa casa onde existem várias pessoas que não pertencem ao mesmo agregado.

Ildo Fortes não tem dúvidas de que se estas pessoas estivessem alojadas em pensões, como aconteceu no passado, uma situação como a pandemia de covid-19 iria provocar o caos.

Este responsável acrescentou que nos últimos tempos também tem aumentado o pedido de ajuda alimentar, pois o valor que recebem do Estado cabo-verdiano (11 euros por dia a doente e seis euros por dia a acompanhante), depois de paga a renda (cerca de 250 euros) dificilmente chega.

O presidente da Associação Guineense de Solidariedade Social (Aguinenso), João Tatis Sá, disse à Lusa que os doentes guineenses que vêm para Portugal contam sobretudo com a família e amigos.

Alguns, disse à Lusa, conseguiram alguns trabalhos, apesar da sua doença, mas agora, com a pandemia, perderam-nos, o que aumentou a sua vulnerabilidade.

Uma situação que se prolonga devido ao adiamento das consultas e exames no SNS, disse.