HealthNews (HN)- Quais os cancros mais prevalentes a nível nacional?

Daniela Macedo (DM)- Em termos de padrão de incidência o cancro da mama, o cancro da próstata, o cancro do pulmão, o cancro colorretal e os tumores gástricos são os mais comuns a nível nacional.

HN- Como se vivem estas doenças em Portugal? Como é ser um doente oncológico em Portugal?

DM- Em Portugal todos os doentes têm acesso àquilo que de melhor se faz no tratamento da doença. Apesar de apresentarmos algumas vicissitudes, em termos de demora dos circuitos inerentes à realização de exames de diagnóstico, a verdade é que estamos perfeitamente alinhados com o resto do mundo. Em Portugal, seguimos todas as recomendações das autoridades de saúde europeias e americanas.

HN- Atualmente assistimos a uma crise nos cuidados de saúde primários, com falta de médicos de família. Que impacto é que isto tem nos doentes oncológicos?

DM- Infelizmente o nosso sistema de saúde apresenta algumas falhas a nível de acesso aos cuidados de saúde primários. Isto limita desde logo o diagnóstico precoce da doença oncológica… Quando os doentes não têm médico de família estes acabam por atrasar os seus check-ups regulados, subcarregando os serviços de urgência hospitalar. Muitos doentes quando se dirigem aos hospitais é quando já estão em desespero e quando não toleram mais os sintomas. Nestes casos, a doença já está numa fase mais avançada.

HN- Estes constrangimentos criam, portanto, alguma ansiedade nos doentes…

DM- Sim. A dificuldade no acesso aos cuidados de saúde cria ansiedade e medos nos doentes oncológicos. Imaginemos uma pessoa que saiba que a ecografia que fez ao fígado aponta para nódulos suspeitos de serem metástases e que tem de esperar para fazer uma série de exames (endoscopia, colonoscopia, TAC, biopsia) para confirmar o diagnóstico… Tudo isto cria muita ansiedade. Os doentes querem conhecer a sua situação clínica e serem rapidamente tratados.

HN- Há humanização no tratamento da doença oncológica?

DM- Eu acredito que sim. Falo por mim, mas também pelos meus colegas de oncologia… Nós temos sempre algum cuidado na forma como abordamos e comunicamos com os nossos doentes. Vejo essa preocupação até nos próprios internos. Os colegas mais novos tentam ter uma relação próxima com os pacientes.

HN- Precisamente sobre a comunicação médico-doente…Há assuntos que ainda são pouco abordados nas consultas, nomeadamente o impacto da doença na sexualidade. Porquê?

DM- Penso que se trata de uma questão cultural. Não é um assunto que o doente oncológico costume abordar com o médico. Apesar de ter havido uma evolução na relação médico-doente – todo o procedimento de tratamento é muito mais discutido – há temas que mesmo assim continuam a ser um tabu.

Eu própria nas minhas consultas, quando abordo a questão da fertilidade e questiono os meus doentes sobre se pretendem ser pais ou fazer algum tipo de preservação de gametas, verifico que muitas vezes os próprios ainda nem refletiram sobre o tema. Portanto, penso que estas questões não devem partir unicamente do profissional de saúde, mas também do próprio doente.

HN- Mas admite que a sexualidade deveria ser um assunto mais abordado nas consultas…

DM- Sim até porque as próprias terapêuticas têm implicações na fertilidade, na própria ejaculação e no atingir do orgasmo. Portanto, deve ser um assunto falado de forma habitual entre o médico e o doente.

Penso que também faria sentido haver colegas da área da ginecologia e da urologia a colaborar connosco de maneira a melhorar a vida íntima dos doentes.

HN- A ciência diz-nos que 25% da população portuguesa corre o risco de ter cancro até aos 75 anos e 10% desses casos devem ser fatais. Que medidas devem ser adotadas para travar a incidência deste tipo de doenças?

DM- Garantir um estilo de vida e uma alimentação saudável é fundamental. As pessoas devem praticar exercício físico e evitar o sedentarismo, assim como os hábitos tabágicos e alcoólicos. São medidas que podemos melhorar e que representam fatores de risco para alguns tipos de tumores.

Por outro lado, é importante que as pessoas sejam vigilantes da sua saúde e sigam as indicações das autoridades de saúde. Por exemplo, no caso das senhoras estas devem fazer o rastreio do cancro da mama e do colo do útero.

HN- Portugal gasta pouco nos cuidados oncológicos. Considera que há falta de vontade política no que toca à prevenção da doença?

DM- Acho que o problema é mais de fundo… A saúde em Portugal tem alguns défices. Até agora não houve uma atualização do sistema nacional de saúde. Acho que ainda está tudo a funcionar à moda do início. É preciso ter em conta que hoje em dia os doentes têm múltiplas doenças. Isto aumenta a complexidade do tratamento e implica um gasto maior dos recursos de saúde. Se há ou não falta de vontade política? Não sei. Penso que talvez no passado não se tenha aplicado da melhor maneira os recursos e agora estamos a pagar as consequências. Portanto, não considero que seja só falta de vontade política. Penso que houve uma série de fatores que, ao longo dos anos, levaram a que os recursos fossem aplicados noutros setores.

Acredito que os nossos decisores políticos querem continuar a ter um bom sistema de saúde. É muito importante que assim seja porque temos uma população muito envelhecida e não podemos ignorar que o cancro é a segunda causa de morte.

HN- O risco aumenta na população mais idosa. Pode-se dizer que o cancro é uma doença associada ao envelhecimento?

DM- Sim. A idade acaba por ser um dos fatores de risco para o desenvolvimento do cancro.

HN- Que mensagem gostaria de deixar no âmbito do Dia Mundial da Luta Contra o Cancro?

DM- As doenças oncológicas são patologias graves, mas graças à ciência tem havido uma forte evolução em termos de tratamentos. Felizmente em Portugal temos conseguido acompanhar as inovações que são feitas, mas é preciso um maior esforço no diagnóstico precoce. Por outro lado, considero que os serviços de oncologia deveriam trabalhar mais em equipa com outras especialidades para dar um maior apoio aos doentes a nível da sexualidade, nutrição, psicologia e fisioterapia.

Entrevista de Vaishaly Camões