Um grupo de investigadores, do qual fazem parte dois cientistas da Fundação Champalimaud - Noam Shemesh (Investigador Principal) e Andrada Ianus (Investigadora Pós-doutorada) do laboratório de Imagem por Ressonância Magnética (IRM) Pré-clínica, encontrou uma nova estratégia, que pode ser usada em doentes com metástases cerebrais, para detetar a radioresistência.

A equipa, descobriu que um simples exame de sangue pode ajudar a detetar doentes com resistência à radioterapia no cérebro e identificaram um medicamento que pode revertê-la. Um estudo clínico multicêntrico, que tem na sua base a rede Espanhola RENACER, está atualmente em curso com o objetivo de validar o potencial preditivo deste biomarcador. Os resultados foram agora publicados na revista científica Nature Medicine.

“Estamos muito entusiasmados, por termos praticamente conseguido, um resultado triplo: estamos a começar a compreender os mecanismos moleculares subjacentes à resistência à radioterapia; podemos estratificar os doentes para possibilitar terapias personalizadas; e encontrámos uma substância que reverte a radiorresistência”, disse Manuel Valiente, líder deste estudo, em comunicado.

Sobre o contributo do grupo da Fundação Champalimaud, Noam Shemesh, líder do grupo de IRM Pré-clínica, refere que “foi o de verificar se a introdução do agente radiossensibilizante não era capaz de alterar a microestrutura do cérebro. Para o fazer, recorremos a scanners pré-clínicos de IRM de campo magnético ultra-alto capazes de mapear a microestrutura de todo o cérebro e descobrimos que, de facto, pelo menos dessa perspectiva, a introdução do agente no cérebro é segura.”

Metástases cerebrais de cancro do pulmão, da mama e de pele

Entre 20 a 40 por cento dos tumores sólidos desenvolvem metástases cerebrais, principalmente originárias de cancros primários no pulmão, mama e pele (melanoma). Como muitos medicamentos não conseguem atravessar a barreira hematoencefálica, os tratamentos sistémicos acabam por ser bastante ineficazes. A radioterapia é, portanto, uma das opções de tratamento mais comuns para as metástases cerebrais.

No entanto, os doentes que se submetem a radiação, especificamente a radioterapia holocraniana, não só raramente vêem um impacto significativo na regressão do tumor, como correm riscos elevados associados aos efeitos colaterais da terapia no tecido saudável. Segundo os autores do estudo, a ineficácia da radioterapia nas metástases sugere o “aparecimento da resistência à radiação”.

A resistência à radioterapia em metástases cerebrais não foi até ao momento completamente estudada. O Brain Metastasis Group do centro de investigação CNIO em Espanha, liderado por Manuel Valiente, realizou experiências em modelos animais e modelos de cultura de células de doentes em sistemas tridimensionais, que reproduzem o tecido tumoral. Para além disso, foram ainda analisados dados de grandes grupos de doentes com metástases cerebrais de cancros do pulmão, da mama e melanoma.

Biomarcador de resistência à radioterapia, com base num exame de sangue

O estudo identificou uma via envolvida no desenvolvimento da resistência à radioterapia, especificamente, o aumento dos níveis da proteína S100A9 que está associado à limitada sensibilidade a esse tipo de tratamento.

De acordo com os autores do estudo, “os níveis endógenos de S100A9 estão associados à resposta à radioterapia do cérebro todo para tratamento das metástases cerebrais do carcinoma do pulmão, da mama e do melanoma”.

Para surpresa dos investigadores, a proteína S100A9 pode ser facilmente encontrada no sangue dos doentes. “Não esperávamos que fosse assim tão simples”, disse Valiente, “mas há uma correlação entre os níveis de S100A9 no sangue dos doentes e a sua resistência à radioterapia”.

Tornar as células cancerosas mais sensíveis à radioterapia

Outro resultado promissor alcançado consiste na descoberta que um medicamento já existente, conhecido por inibir o receptor que está associado à S100A9, reverte a radioresistência. Este medicamento, previamente testado em ensaios clínicos para outras doenças (doença de Alzheimer), e que mostrou ser segura para os doentes, tem a capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica e entrar no cérebro.

Com a ajuda da ferramenta Plataforma MET, o grupo descobriu que este medicamento poderia ser usado, em ratinhos e culturas celulares, para transformar metástases radiorresistentes em metástases sensíveis à radioterapia.

No artigo publicado na Nature Medicine, os autores propõem “uma estratégia abrangente que seja usada para identificar os doentes que poderão beneficiar da radioterapia do cérebro todo, bem como para o desenvolvimento de terapias combinadas para ultrapassar a resistência à radiação”.

“As nossas descobertas podem levar a uma nova abordagem à radioterapia para doentes com cancro”, acrescentaram. A presença da proteína S100A9 no sangue permitirá identificar os doentes que podem beneficiar da radioterapia, evitando o declínio neurocognitivo que se segue à radioterapia em doentes com alta radioresistência. Para além disso, os inibidores do receptor S100A9 poderão permitir o uso de doses mais baixas de radiação para matar as células tumorais, minimizando assim os danos colaterais do tecido cerebral normal e aumentando os benefícios para os doentes.”

Os próximos passos, que serão dados em contexto do estudo clínico que está já a ser preparado, permitirão “começar a mapear a resposta à radioterapia de formas mais específicas, e a equipa de investigação da Fundação Champalimaud continuará a estar envolvida ao nível da caracterização cerebral usando scanners de ressonância magnética de campo ultra-alto e metodologias inéditas desenvolvidas in-house” conclui Noam Shemesh.

O trabalho agora publicado foi financiado pelo Ministério da Ciência e Inovação espanhol, pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT, Portugal), Fundació La Marató de TV3, Fundación Ramón Areces, Worldwide Cancer Research, Cancer Research Institute, La Asociación Española contra el Cáncer, European Research Council, Boehringer-Ingelheim Fonds e Fundação “La Caixa”, entre outros.

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