Em novembro, a Direção-Geral da Saúde procedeu a uma atualização da Norma 011/2015, recomendando a vacina polissacárida contra a infeção pelo Streptococcus pneumoniae de 23 serotipos para todos os adultos com idade igual ou superior a 65 anos, mesmo sem doença crónica associada. Rui Costa, especialista em Medicina Geral e Familiar e ex-coordenador do Grupo de Estudos de Doenças Respiratórias da APMGF (GRESP), alerta que muitos profissionais de saúde desconhecem esta atualização, bem como a alteração, em setembro, do regime excecional de comparticipação, que passou de 37 para 69%: “frequentemente, a forma como a nova informação é divulgada em Portugal ainda é insuficiente. Isso pode gerar iniquidade e assimetria na aplicabilidade quer das normas, quer deste benefício adicional”.

HealthNews (HN) – A Doença Invasiva Pneumocócica (DIP) continua a ser um problema para a saúde dos portugueses?

Rui Costa (RC) – A infeção pelo Streptococcus pneumoniae é uma causa importante de mortalidade e de morbilidade. A nível mundial, segundo a Organização Mundial da Saúde, é responsável por aproximadamente 1,6 milhões de mortes, constituindo globalmente a principal causa de morte prevenível através da vacinação. Em Portugal, é também motivo frequente de pneumonia, que representa uma causa de morte relevante na população portuguesa.

HN – A DGS publicou no início de novembro uma atualização à sua norma de vacinação no adulto com risco acrescido para DIP. Quais as principais alterações?

RC – A Norma 011/2015, atualizada no início do mês de novembro, tem quatro novos aspetos. Em primeiro lugar, a recomendação da vacina polissacárida contra a infeção pelo Streptococcus pneumoniae de 23 serotipos (23-valente) para todos os adultos com idade igual ou superior a 65 anos. Em segundo lugar, a gratuitidade da vacina 23-valente para os grupos de risco selecionados e para os quais já era gratuita a vacina conjugada 13-valente.

Outro aspeto diz respeito ao alargamento da gratuitidade de ambas as vacinas (23-valente e 13-valente) para as pessoas com critérios de insuficiência respiratória crónica. Por último, a vacinação gratuita com ambas as vacinas aos candidatos a transplante no momento da inclusão na lista de espera ativa para a sua realização.

Destas quatro principais atualizações incorporadas na nova norma, destaca-se especialmente a primeira, ou seja, o facto de todos os adultos com idade igual ou superior a 65 anos, mesmo sem doença crónica associada, deverem fazer a vacina polissacárida 23-valente.

HN – O esquema de vacinação adotado em Portugal difere dos demais países desenvolvidos ou segue as mesmas linhas orientadoras?

RC – Poderá haver algum diferimento na atualização, mas, basicamente, é um plano que está validado do ponto de vista científico e consolidado internacionalmente. Aliás, esta recomendação da Direção-Geral da Saúde relativas à vacina polissacárida 23-valente para todas as pessoas com idade igual ou superior a 65 anos, mesmo sem doença crónica, já tinha sido adotada nos Estados Unidos pelos Centers for Disease Control and Prevention (CDC) em 2019. Portanto, poderá existir algum diferimento na aplicação da melhor evidência científica, mas, de uma forma geral, há um alinhamento de Portugal com os países desenvolvidos.

HN – Qual a vantagem de um esquema sequencial nos adultos com condições crónicas ou imunocomprometidos?

RC – A vantagem é que cria um maior nível de imunogenecidade, ou seja, dá mais garantias de maior produção de anticorpos e de maior proteção para esta população, que poderá ter dificuldade em adquirir um grau de imunização elevado. Com a vacinação sequencial – em primeiro lugar, a vacina conjugada 13-valente, que proporciona uma resposta imunológica dependente dos linfócitos T e, depois de um intervalo mínimo de 8 semanas, realizar a vacina polissacárida 23-valente – os doentes imunocomprometidos ou com doença crónica, que têm um risco acrescido de Doença Invasiva Pneumocócica e uma menor resposta imunológica do organismo, reforçam a cobertura vacinal e ampliam a cobertura em termos de serotipos. Consequentemente, há garantias de uma maior proteção.

Existem mais de 90 estirpes do Streptococcus pneumoniae. As que estão contidas nas vacinas são aquelas que, até à data, têm causado mais Doença Invasiva Pneumocócica e, portanto, mais têm vitimado a população mundial.

HN – Há muitas patologias para as quais a vacinação está recomendada. Isto implica que sejam também várias as especialidades que acompanham estes doentes. Acredita que a maioria dos profissionais de saúde estarão ao corrente destas recomendações e as seguem?

RC – Sinceramente, penso que não existe um conhecimento global destas atualizações por parte dos profissionais de saúde. Provavelmente, entre as várias especialidades, aquelas que poderão estar mais sensibilizadas para este benefício será a Pneumologia, seguida da Imunoalergologia e da Medicina Geral e Familiar.

Os doentes diabéticos, com doença cardíaca, renal ou hepática crónica ou portadores de doença oncológica, também beneficiam muito com a vacinação. Contudo, penso que os médicos das respetivas especialidades ainda não estão devidamente familiarizados com o aconselhamento e prescrição da vacinação e também não terão tido conhecimento desta atualização da norma da DGS.

HN – Foi publicado em portaria, no Diário da República em 21 de setembro, o regime excecional de comparticipação, para as vacinas pneumocócicas para pessoas com idade igual ou superior a 65, que aumenta de 37% para 69%. Considera que esta informação foi comunicada devidamente aos profissionais de saúde e utentes?

RC – Essa é uma ajuda importantíssima, mas estou convicto de que a maior parte dos médicos ainda não teve conhecimento da existência dessa portaria e de que, quando prescrevem estas duas vacinas à população com mais de 65 anos, têm de mencionar na receita a Portaria 200/2021 para que as pessoas possam usufruir deste benefício adicional em termos de redução de preço.

Frequentemente, a forma como a nova informação é divulgada em Portugal ainda é insuficiente. Isso pode gerar iniquidade e assimetria na aplicabilidade quer das normas, quer deste benefício adicional, uma vez que ainda há muitos médicos que não têm conhecimento destas duas situações.

HN – Considera que o alargamento da gratuitidade para as ambas as vacinas (Pn13 e Pn23), para pessoas com critérios de insuficiência respiratória crónica, é suficiente?

RC – É um passo importante, mas penso que deve fazer-se mais, nomeadamente no universo de pessoas imunocomprometidas. Por exemplo, pessoas que vivem com a infeção pelo vírus de imunodeficiência humana (VIH), doentes que têm imunossupressão iatrogénica por realizarem tratamentos com fármacos biológicos, corticoterapia sistémica, quimioterapia ou radioterapia, também beneficiariam com esta gratuitidade.

Idealmente, deveria alargar-se a gratuitidade a todas as pessoas acima dos 18 anos que estão identificadas com risco acrescido de DIP na Norma da DGS, tais como portadores de doença cardíaca crónica, diabéticos, outras doenças respiratórias crónicas, doença renal ou hepática crónica e síndrome de Down. Mas, pelo menos, para os doentes imunodeprimidos, a gratuitidade deveria ser o passo seguinte, garantindo que possam fazer a vacinação porque muito dela irão precisar e beneficiar.

Entrevista de Adelaide Oliveira