A primeira terapêutica aprovada surgiu em 2013 mas neste momento já existem fármacos para mais oito mutações no cancro do pulmão. De acordo com Carina Gaspar, pneumologista do IPO de Lisboa, “todos os anos têm surgido novas opções terapêuticas, e novos alvos estão a ser estudados. Por isso, o futuro é promissor”.

HealthNews (HN)– O facto de o cancro do pulmão ser uma doença silenciosa durante muitos anos, dificulta o prognóstico?

Carina Gaspar (CG) – Sim, o cancro do pulmão pode crescer durante meses ou anos sem dar qualquer sintoma. Além disso, os sintomas são muito inespecíficos e difíceis de distinguir de doenças benignas comuns, o que torna a sua deteção atempada difícil, e afeta negativamente o prognóstico. Cerca de 70% dos casos são diagnosticados em estadio metastático, quando a doença já é incurável.

HN – O tabaco continua a ser a principal causa?

CG – O fumo do tabaco continua a ser a causa da maioria dos casos de cancro do pulmão: cerca de 85%. É preciso recordar que, apesar de o consumo de tabaco estar a diminuir nos países ocidentais, fruto das medidas anti-tabaco, a nível mundial a tendência é de aumento, à custa dos países em vias de desenvolvimento. Mas há outras causas além do tabaco, tais como a poluição ambiental, exposições em contexto laboral, e fatores genéticos, sobretudo em idades mais jovens.

HN– Quais os sintomas a que os médicos em geral, e os médicos de família em particular, devem estar atentos?

CG – Alguns dos sintomas mais frequentes são tosse persistente, alteração das características da expetoração (nomeadamente com sangue), falta de ar e dor no peito. Também são sinais de alerta a perda de apetite e emagrecimento sem causa aparente. Pneumonias de repetição também devem suscitar suspeita, e motivar investigação.

HN– Quais as inovações mais significativas em termos do tratamento do cancro do pulmão de não pequenas células (CPNPC) em estadio avançado?

CG _ Esta é uma área em que felizmente têm ocorrido avanços notáveis nas últimas décadas. Primeiro com a descoberta das terapêuticas dirigidas a alterações genéticas no tumor – as terapêutica alvo. Nos doentes cujo tumor tem a mutação para o qual foram desenvolvidas, elas são muito eficazes, permitindo sobrevidas nunca antes vistas nesta doença. Mais recentemente chegou outra importante inovação no tratamento do cancro do pulmão: a imunoterapia. Sozinha, ou em combinação com a quimioterapia, esta tem permitido obter melhorias muito significativas na sobrevida dos doentes, tendo algumas respostas muito duradouras. Um aspeto muito importante destas duas classes terapêuticas, é que no geral são bem toleradas, permitindo uma boa qualidade de vida.

HN– Uma pequena parte dos CPNPC surgem em consequência de alterações genéticas. Como tem evoluído o seu tratamento?

CG – Na verdade, com os avanços que tem havido no diagnóstico, a proporção de doentes que têm alterações genéticas para as quais existem terapêuticas dirigidas já não é assim tão pequena. No subtipo adenocarcinoma, o mais frequente, só cerca de 40% dos casos é que não têm nenhuma alteração genética identificada. A primeira terapêutica dirigida aprovada foi para a mutação EGFR em 2013, mas neste momento existem já aprovados fármacos para mais oito mutações no cancro do pulmão. Todos os anos têm surgido novas opções terapêuticas, e novos alvos estão a ser estudados, por isso o futuro é promissor.

HN– O aparecimento de metástases, nomeadamente cerebrais, é frequente neste tipo de doentes?

CG – Sim, alguns dos doentes com mutações, nomeadamente do EGFR, ALK e ROS, têm uma particular tendência a desenvolver metástases cerebrais. Por exemplo, cerca de metade dos doentes com mutação ALK metastiza no cérebro, o que nos preocupa particularmente, porque isso frequentemente se associa a perda de qualidade de vida. Felizmente os novos fármacos que têm surgido são cada vez mais eficazes no tratamento e prevenção da metastização cerebral.

HN – De que forma as terapêuticas-alvo vieram modificar a esperança de vida e qualidade de vida dos doentes?

CG – As terapêuticas alvo mudaram radicalmente a perspetiva que tínhamos sobre o cancro do pulmão. Para além de serem muito eficazes, permitindo que doentes em estadio metastático ao diagnóstico tenham sobrevidas que chegam nalguns casos a ultrapassar uma década, têm a vantagem de serem, regra geral, fármacos administrados em comprimidos, com baixa toxicidade, permitindo ao doente gerir o cancro do pulmão como se de uma doença crónica se tratasse.

HN– Considera que a Medicina está mais perto de ganhar esta batalha?

CG – Essa é uma questão muito interessante para a qual não tenho uma resposta. Se por um lado me espanto com todo o avanço que a investigação nos tem trazido nos últimos anos, com resultados que tinha dificuldade em imaginar que seriam possíveis quando comecei a trabalhar nesta área (e não foi assim há tanto tempo), por outro sei que o cancro “inteligentemente” encontra forma de resistir a todas as nossas armas terapêuticas. É uma batalha que ainda está para durar, mas todos os dias sinto que ganhamos algo mais para os nossos doentes.

Entrevista de Adelaide Oliveira