HealthNews- Quais foram as principais mensagens da sua apresentação no IQVIA Client Forum?

Lars Allerup (LA)- A principal mensagem da minha apresentação foi a de que precisamos de trabalhar juntos, sistemas de saúde públicos e indústria das ciências da vida, pagadores e fornecedores, para resolver os desafios futuros da pressão demográfica e da falta de profissionais de saúde, que, realmente, representam a “tempestade perfeita” para os sistemas de saúde em toda a Europa e em muitos outros países.

Precisamos de assegurar que encontramos novas formas de trabalhar em conjunto, inovar em conjunto, encontrar novos modelos de negócio, novos modelos de partilha de riscos e novas soluções para os futuros problemas dos cuidados de saúde.

HN- Como podemos definir os conceitos “inovação público-privada” (“public-private innovation”) e “value-based procurement”?

LA- Em termos de inovação público-privada… se os sistemas de saúde públicos se envolvem em parcerias de inovação com empresas da indústria das ciências da vida, eles criam soluções comuns para desafios e complicações da saúde. Se o público e o privado combinam as suas forças, insights e experiência, e colocam verdadeiramente todos os esforços nisso, encontram novas soluções. O conceito é: vamos fazer o público e o privado trabalharem juntos para resolver os problemas dos cuidados de saúde.

O contrário de value-based procurement seria a convencional compra focada apenas no preço. Em muitos casos, se se pagar por produtos mais caros, isso poderá trazer mais valor do que olhar apenas para o preço. Digamos que temos um produto A que custa 50 euros e um B que custa 70. O primeiro, à partida, parece o mais barato, mas, e se o produto mais caro trouxer mais valor aos doentes, reduzir o tempo de internamento ou diminuir o risco de uma infeção hospitalar, com um valor combinado de 100 euros? Se nos focamos apenas em preços unitários simples, perdemos a oportunidade de fazer melhores investimentos.

A aquisição convencional consideraria o preço unitário. Value-based procurement consideraria um conceito holístico, geral, e também de geração de valor socioeconómico.

HN- Durante a apresentação, também referiu que a inovação deve ser útil à sociedade. Isso, obviamente, será bom para os doentes. Essa é uma preocupação presente em ambos os conceitos (public-private innovation e value-based procurement)?

LA- É, com certeza. Especialmente agora. O que temos visto nos últimos dois anos e meio com a pandemia é, em muitos países, o público e o privado a trabalharem juntos para resolver os novos desafios que todos enfrentámos. Em muitos países, não teria sido possível enfrentar a pandemia sem inovação e parcerias público-privadas. E é assim que a sociedade beneficia da inovação – soluções introduzidas através de esforços conjuntos, criando valor para a sociedade.

Em termos de value-based procurement, também beneficia a sociedade, por exemplo, em sistemas de pagador único que são financiados através do dinheiro dos contribuintes. É a forma sensata de gastar o dinheiro dos contribuintes, fazer algo que gere valor para a sociedade como um todo, e não focar apenas na redução de custos nos sistemas de saúde, muitas vezes muito isolados e divididos por setores. Assim, teríamos uma visão muito mais holística da geração de valor para a sociedade em geral.

HN- De que forma se ligam os desafios mencionados aos modelos apresentados?

LA- Os desafios que os sistemas de saúde estão a enfrentar, e as sociedades em geral, são, tal como mencionei na minha apresentação, a pressão demográfica e a falta de profissionais de saúde no mundo. Essa é a “tempestade perfeita” que temos que navegar. Eu creio que os desafios são tão grandes, que não podemos resolver os problemas atuais e futuros com as soluções de ontem. Precisamos de encontrar novas soluções.

Uma forma de fazer isso é através dos sistemas de saúde públicos, os quais devem começar a adjudicar e a adquirir soluções, não produtos. As compras convencionais (old school procurement) iriam adjudicar e adquirir um produto específico; mas, uma nova maneira de fazer isso seria adjudicar um problema.

Como consultor executivo, o meu papel é frequentemente ser “tradutor”, para fazer a ponte entre os sistemas de saúde e a indústria das ciências da vida e para garantir que eles se entendem quando falamos de valor. Muitas vezes, vejo que falam a mesma “língua”, mas em dialetos diferentes. Consequentemente, com frequência não se entendem na conversa sobre valor.

O que quero dizer com isto é, basicamente, que se continuarmos a fazer o que temos feito durante décadas e a adjudicar produtos com foco somente no preço unitário, estaremos certamente em apuros.

Imagine um problema muito realista que acontece em muitos hospitais: a severa e crescente falta de capacidade cirúrgica, que obriga os hospitais a cancelar procedimentos cirúrgicos e, às vezes, também a fechar enfermarias, muitas vezes devido à falta de enfermeiros anestesistas e de cirurgia. Em vez de adjudicar mais salas de cirurgia que o hospital não conseguiria ocupar (staff), devemos adjudicar o problema, dizendo à indústria das ciências da vida: este é o meu problema; alguém me consegue ajudar a resolvê-lo? Podem ser produtos, podem ser serviços e nova tecnologia, mas é certamente uma abordagem muito mais holística, que combina produtos, serviços, software e hardware, num caminho de atendimento ao paciente muito mais eficiente.

HN- Atualmente, no que é que está a trabalhar na Dinamarca?

AL- Recentemente, houve uma nova publicação das cinco regiões de saúde dinamarquesas e das três maiores associações da indústria. É um trabalho que aborda o value-based procurement como uma parte central da solução para os futuros desafios nos sistemas de saúde. Escalar além do piloto, é nisso que estamos a trabalhar agora. Sabemos como fazer na fase piloto, e os pilotos são exequíveis, mas o que é realmente difícil é escalá-los. Então, o que estamos a tentar fazer agora é escalá-lo para as operações de compras diárias, ao desenvolver um modelo de software que apoiará os departamentos de compras na implementação de value-based procurement.

Entrevista de Rita Antunes