HealthNews (HN) – No passado dia 14 de novembro, Dia Mundial da Diabetes, a APDP entregou na Assembleia da República cerca de 25 mil assinaturas para que as crianças e jovens com diabetes tipo 1 tenham acesso aos novos dispositivos automáticos de insulina. Qual é o ponto de situação?

José Manuel Boavida (JMB) – A petição foi entregue na Assembleia da República com um número de assinatura que excedeu aquilo que era necessário, tal foi a adesão das pessoas.

Estas são bombas diferentes. Ligam-se aos sensores e, como tal, permitem manter um equilíbrio e um controlo da diabetes muito maior.

É importante dizer que foram feitas por pessoas com diabetes através do movimento “Do It Yourself”. Já existem há cerca de cinco anos, o que significa que a sociedade civil é muito mais rápida do que as multinacionais que, quando têm um negócio, pretendem mantê-lo até à última antes de darem o salto para as novas tecnologias.

A maior parte das casas que estão neste momento a surgir com este tipo de bombas provêm de universidades americanas, e partiram exatamente desse movimento. Estamos esperançados de que, em 2023, surjam várias casas com bombas inteligentes, que a acessibilidade aumente e que a escolha seja feita pelas pessoas com diabetes, de acordo com as suas características.

Em relação à petição, segue agora o caminho normal no Parlamento. A Comissão de Saúde irá chamar os peticionários – pais, APDP e outras instituições públicas – para esclarecerem melhor, juntos dos parlamentares, o que se pretende. Essencialmente, desejamos que a prescrição seja feita por médicos de centros reconhecidos pela Direção-Geral da Saúde como centros prescritores, uma vez que garantem não só a vertente da educação como também o atendimento, 24 sobre 24 horas, de alguma questão ou dúvida que possam surgir.

Depois da audição na Comissão de Saúde seguir-se-á a apresentação da petição em plenário. Eventualmente, no segundo trimestre de 2023.

Entretanto, o ministro da Saúde já nomeou uma comissão para começar a debater a forma como vai ser implementado o programa de colocação de bombas. O atual sistema é extremamente pesado, com concursos anuais que envolvem muitas instituições. Na petição que entregámos na Assembleia da República reforçamos que todo o sistema de prescrição e de distribuição das bombas de insulina terá de ser agilizado, funcional e não burocrático.

Neste momento, o programa piloto já mostrou a qualidade das bombas e o benefício da sua utilização para as pessoas, quer em relação à compensação da diabetes, quer em relação à qualidade de vida. Precisamos agora de passar do programa piloto para um programa normal e introduzir as bombas no circuito do medicamento, com um preço máximo estabelecido pelo Infarmed, para que as pessoas possam escolher, com a sua equipa de saúde, o sistema que vão utilizar.

HN – Referiu que as novas bombas foram desenvolvidas por pessoas com diabetes em universidades americanas. Estamos então perante um movimento da sociedade civil?

JMB – Mais uma vez, foi a sociedade que encontrou as formas de avançar com um sistema que era prometido há anos pela Indústria mas que esta demorou anos a desenvolver.

Quando as pessoas não encontram resposta à suas necessidades, devem tomar o futuro nas suas mãos.

HN – Os dados mostram que em Portugal existem cerca de 30 mil pessoas com diabetes tipo 1. Destas, aproximadamente 5 mil são crianças e jovens?

JMB – Esses são os dados que temos. O Registo Nacional da Diabetes tipo 1, aprovado na Assembleia da República há dois anos, ainda não foi implementado pelo Ministério da Saúde. Continua a ser uma reivindicação da APDP porque precisamos de números reais, e não de estimativas, para podermos planear devidamente a introdução das bombas de insulina.

Na semana passada foi aprovado nos Estados Unidos o primeiro medicamento para prevenir a diabetes tipo 1. Isso significa que a revolução do tratamento da diabetes tipo 1 vai continuar. O passo das bombas de insulina é muito importante porque é a tecnologia que já temos, mas o passo seguinte será o tratamento imunológico da diabetes tipo 1.

Poderemos chegar a um sistema em que as pessoas possam fazer uma injeção trimestral ou mensal e, assim, evitar todo o martírio que é o controlo da glicémia e da administração de insulina. Penso que isso nos aproximará cada vez mais, não digo da cura da diabetes, mas da manutenção num sistema em que as pessoas vivem como se não tivessem diabetes.

HN – Esse é certamente um tema importante do Congresso Mundial da Diabetes. Que outras questões vão ser discutidas?

JMB – Hoje em dia, o grande âmago da questão é evitar a diminuição da esperança de vida dos doentes. A diabetes surge como a doença que mina outras doenças, seja ao nível do cancro, das doenças infeciosas ou das doenças cardiovasculares.

Grande parte da mortalidade na Covid-19 foi pela diabetes e a mortalidade nas doenças cardíacas é, em grande parte, determinada pela diabetes. Cerca de 70% das pessoas com insuficiência cardíaca têm diabetes. Portanto, a diabetes tem que deixar de ser vista isoladamente e passar a integrar os tratamentos das outras doenças. Os oncologistas, cardiologistas e nefrologistas, têm de ter diabetologistas a trabalhar com eles. No fundo, é esta visão global da diabetes, enquanto doença sistémica, doença que ataca todos os órgãos do corpo – desde o cérebro aos pés – que é necessário perceber.

No congresso, esta visão global da diabetes é analisada do ponto de vista médico, científico e também da organização dos cuidados. Na semana passada, o Parlamento Europeu aprovou, por unanimidade, uma resolução que convida os Estados-membros a revisitarem as formas de organização do combate à diabetes, desde a prevenção até à intervenção na pré-diabetes. Hoje, considera-se que a pré-diabetes já é um estado patológico que tem implicações quer ao nível cardíaco, quer cerebral. É preciso começar a intervir em fases mais precoces.

Se juntarmos os 10 a 15% da população que tem diabetes diagnosticada, com os 20% que têm pré-diabetes, estamos a falar em tratar 30% da população. Estes valores representam um desafio para as sociedades e não é por os governos meterem a cabeça na areia que o problema desaparece.

Este é, claramente, um dos problemas principais da Saúde e é isso que vai ser discutido neste congresso.

Entrevista de Miguel Múrias Mauritti