Em alguns doentes esta reação alérgica pode ser muito grave, atingir vários órgãos alvo ao mesmo tempo (pele, mucosas, sistema respiratório, sistema cardiovascular, sistema gastrointestinal) o que constitui um episódio de anafilaxia ou choque anafilático e que se não for tratado rapidamente pode ser fatal.

Todos os episódios de anafilaxia podem potencialmente evoluir para a morte. O tempo médio para ocorrer uma paragem cardíaca ou respiratória pode variar entre 15 a 30 minutos.

O impacto da anafilaxia tem vindo a aumentar na população portuguesa e muitos destes episódios ocorrem em casa, num restaurante, durante um passeio ao ar livre em que somos picados por uma abelha ou uma vespa. É assim essencial que a população em geral reconheça esta entidade clínica e esteja preparada para atuar numa situação de emergência como esta.

A administração imediata de adrenalina intramuscular nos primeiros 5 minutos após o aparecimento dos sintomas é vital para otimizar o tratamento e minimizar a mortalidade, salvando vidas.

A incidência aproximada é de 50-2000 episódios/100.000 pessoas ano, com uma prevalência durante a vida de 0,5 a 2%. A mortalidade varia entre 0,0125 a 0,3 mortes/ 100.000 habitantes.

Como se diagnostica?

Esta doença diagnostica-se clinicamente, isto é, pelos sintomas e sinais que os doentes apresentam, sempre de uma forma súbita: comichão intensa e por vezes insuportável, urticária, inchaço dos olhos e lábios, chiadeira, tosse, dificuldade em respirar, náuseas, vómitos, dor abdominal intensa e desmaio.

Na maioria dos episódios (80-90% dos casos) surgem sintomas na pele e mucosas associados a um ou mais sintomas de outros órgãos. Em 40-60% dos doentes estão presentes sintomas respiratórios superiores ou inferiores e em 1/3 dos casos podem surgir sintomas cardiovasculares, gástricos e neurológicos. O colapso cardiovascular pode ser a única manifestação, pelo que nunca se deve excluir uma anafilaxia pela ausência de manifestações mucocutâneas.

As causas de anafilaxia são múltiplas sendo os alimentos, os medicamentos e os venenos de himenópteros (abelha e vespa) os mais frequentemente implicados.

Estes desencadeantes são tipicamente diferentes consoante o grupo etário, por exemplo nas crianças pequenas e muito associada à diversificação alimentar as proteínas do leite de vaca ou o ovo são a principal causa de anafilaxia; já no adulto surgem os fármacos tipicamente os anti-inflamatórios não esteroides, os antibióticos betalactâmicos (penicilina e derivados) e os anestésicos.  O seu conhecimento facilita a abordagem diagnóstica e a decisão clínica. Sendo importante referir que qualquer pessoa em qualquer momento da sua vida pode ter uma anafilaxia e que esta pode ser a forma de apresentação inicial da doença.

Sendo o início de ação rápido, e a evolução imprevisível, é importante identificar os doentes que estão em risco de desenvolver um episódio fatal. Muitos destes episódios ocorrem fora dos cuidados de saúde, sendo assim crucial que os doentes estejam preparados para uma emergência, sendo portadores de canetas autoinjectoras de adrenalina. Estes dispositivos são prescritos pelos médicos e são atualmente comparticipados em 100% pelo SNS, sendo gratuitos para os doentes.

Grupos de risco

Fazem parte dos grupos de risco os doentes com história prévia de uma reação anafilática, uma vez que estes doentes têm uma elevada probabilidade de um novo episódio, doentes com história de anafilaxia ligeira, uma vez que a gravidade das reações futuras é imprevisível e a coexistência na criança de asma mal controlada e história de reação alérgica sistémica a alimentos, pelo risco aumentado de anafilaxia fatal.

Dos diferentes grupos de risco, e porque sou mãe de um jovem com anafilaxia à ingestão de camarão, destaco os adolescentes. Neste grupo etário a anafilaxia é dramática. Por um lado, a inconsistência na evicção dos desencadeantes, por outro lado a tendência para ignorar/não querer reconhecer os sintomas, a utilização de drogas e álcool que afetam o reconhecimento do quadro clínico e a vergonha de transportarem uma caneta autoinjetora de adrenalina.

Após a ocorrência de um episódio de anafilaxia, o doente deverá ser obrigatoriamente encaminhado para uma consulta de Imunoalergologia, para a confirmação do diagnóstico e orientação clínica e terapêutica. Mesmo em tempos mais complexos como a pandemia COVID é necessário manter as rotinas de saúde, valorizando os sintomas e sobretudo não adiar a consulta médica, evitando consequências nefastas para a saúde.

Um artigo da médica Ana Morete, Imunoalergologista no Hospital CUF Porto, Instituto CUF Porto e Clínica CUF S. João da Madeira.