Quem trabalha maioritariamente com famílias que têm crianças pequenas ou adolescentes, talvez por defeito acaba por refletir pouco sobre gerações mais velhas.

Por vezes, na clínica encontramos a menção a um avô ou uma avó, mais presente na rotina diária das crianças ou uma partilha associada a uma preocupação com uma possível situação de doença. Na verdade, os mais velhos, aparecem-nos muito pouco na nossa clínica.

Poderemos pensar que a ausência é uma inevitabilidade lógica associada ao público com quem trabalhamos. Pelo contrário podemos, neste tempo de confinamento, pensar o lugar que os mais velhos ocupam nas nossas famílias, na educação das crianças e globalmente na nossa sociedade.

No início da epidemia, vários meios de comunicação social sublinharam o comportamento aparentemente insensato de algumas pessoas mais velhas. Desafiando os avisos pareciam resistir à alteração das rotinas. Algumas pessoas mais velhas, perante as câmaras, partilhavam: já sobrevivi à gripe asiática, já sobrevivi à fome, à guerra, não vai ser agora… se for será!

Ao observar as entrevistas que eram realizadas, bem como a crítica ao comportamento, ficámos desconfortáveis com um subtil paternalismo, que veicula a ideia: "vá para casa, se não for vai ver que morre!" O que os mais novos, parecem esquecer-se, é que não há novidade nenhuma na frase, ameaçadora - vai ver que morre! Quem tem 80 anos, e consulte o site da DGS, sabe que a esperança média de vida, hoje à nascença em Portugal é de 80,8 anos.

Esquecem-se os mais novos, que os mais velhos sabem melhor do que ninguém o valor da vida. Sabem-no com base na experiência de vida vivida e sabem-no pela aceitação progressiva da ideia de morte. É por saberem muito bem o valor da vida, que os mais velhos talvez sejam tão convictos na forma como desejam viver. Sabem que a qualidade de cada momento é única, por isso preferem tantas vezes ter qualidade de vida do que quantidade de vida.

Em sentido contrário parece que somos nós, os mais novos, que do ponto de vista de probabilidades estamos mais longe da morte, que sublinhamos mais o fator quantitativo em prejuízo do fator qualitativo. Talvez por evitamento à ideia de fim, passamos muito tempo com estratégias que visam empurrar a ideia de morte para bem longe no tempo.

Quando se aproxima, por via das gerações mais velhas, somos tentados a confiná-la em lares, residências, hospitais, como se a morte por si só fosse contagiosa. Hoje já raramente se morre em casa. O perigo é que ao isolarmos a ideia e a experiência de morte, tendemos a isolar os mais velhos, os nossos pais os nossos avós.

Teremos que explicar às nossas crianças que nós pais, temos um medo horrível da morte, que temos dificuldade em pensar em assuntos que não compreendemos na totalidade e que por vezes, de forma quase egoísta, escondemos os mais velhos, para não vermos a morte. A pandemia vai-nos obriga a explicar às crianças como é possível termos chegado a um momento na nossa sociedade onde deixarmos morrer, os mais velhos, longe de tudo e de todos.

Como foi possível uma evolução sociológica da família e da conciliação entre trabalho e vida familiar, que dita tanta vezes o isolamento e a institucionalização dos mais velhos, por ausência de tempo e de condições para cuidar?

Isabel Menzies - Lyth no final dos anos 50 estudando instituições com doentes terminais, descreveu a forma como por vezes as instituições organizam o trabalho, privilegiando a diminuição do impacto da experiência emocional negativa nos colaboradores, em detrimento da experiência emocional nos doentes.

Este processo de evitamento da ansiedade decorrente das tarefas de cuidar, foi denominado por sistema social defensivo. Nos casos mais paradigmáticos esta defesa colectiva, tem o potencial de desviar a instituição da sua principal missão, que seria garantir uma experiência de qualidade de fim de vida aos doentes, focando-a na proteção do bem estar dos colaboradores.

A ideias de Menzies - Lyth quando aplicadas a um nível sociológico, poderão nos ajudar a refletir como fomos desenvolvendo mais políticas de apoio à institucionalização, em detrimento de políticas de apoio à família enquanto célula cuidadora. Na prática desenvolvemos um sistema que nos protege em grande medida da ansiedade, que decorre da tarefa de cuidarmos dos mais próximos e de sentirmos a morte.

A honestidade e o reconhecimento do nosso próprio envelhecimento, exige que conversarmos abertamente com as crianças sobre o envelhecimento e o isolamento social dos mais velhos. Senão formos capazes de integrar uma narrativa diferente sobre a morte no processo educativo das crianças, amanhã seremos nós, infelizmente a estarmos isolados. Fica então o desafio de em família conversarmos sobre como hoje na Europa se morre sozinho.

Talvez o melhor que podemos retirar desta crise é a descoberta de um novo lugar para os mais velhos na nossa sociedade. O novo lugar será por certo a melhor homenagem, que poderemos fazer a quem hoje partiu isolado. Fico muito orgulhoso que o PIN - Progresso Infantil, onde exercemos a nossa prática clínica, em terapia familiar e de casal, tenha recentemente alterado o seu nome para PIN - em todas fases da vida.

Esperamos ver no futuro, muito mais crianças, com os avós e com os bisavós e consequentemente muito mais crianças tristes com a sua partida.

Autor: Pedro Vaz Santos - Terapeuta Familiar e de Casal