"Toda a narrativa do relatório aponta nesse sentido, não são identificadas qualquer tipo de responsabilidade de quem quer que seja, a não ser de eventuais responsabilidades deontológicas a um sindicato que diz aquilo que vem na lei: o local de trabalho dos médicos é nos seus centros de saúde e nos seus hospitais", disse à Lusa o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM).

Jorge Roque da Cunha falava a propósito das conclusões do inquérito pedido pelo Ministério da Saúde à Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) sobre o surto de covid-19 no lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva (FMIVPS), em Reguengos de Monsaraz, que admitem responsabilidade deontológica dos médicos.

O surto em Reguengos de Monsaraz foi detetado em 18 de junho de 2020 e provocou 18 mortes (16 utentes e uma funcionária do lar e um homem da comunidade).

O secretário-geral do SIM recordou à Lusa que os médicos, apesar de não estarem obrigados, estiveram no local, e sublinhou: "Qualquer entidade responsável por lares tem como obrigação, não legal, mas moral, ter médicos. Não são os médicos do Serviço Nacional de Saúde que têm a obrigação de fazer o acompanhamento dos lares".

"Mesmo assim, os médicos tiveram a coragem, não foram cobardes, e foram até ao lar de Reguengos, mesmo sabendo que poderiam não ter ido", acrescentou.

Jorge Roque da Cunha disse que o sindicato já solicitou que lhe fosse entregue o relatório do inquérito e sublinhou ter registado que este tivesse sido divulgado "no mesmo dia em que finalmente a Segurança Social condenou o lar por vários incumprimentos".

"Nós registamos isso e também registamos que não houve qualquer recusa por parte dos médicos em irem ao lar de Reguengos", insistiu Roque da Cunha.

Apontou ainda a "eventual desonestidade intelectual" de quem elaborou o relatório, afirmando que: "Quando é invocado o artigo 83.º da lei de funções públicas, esse artigo especifica (...) que esta matéria se refere exclusivamente à área da formação e para médicos não sindicalizados".

"Mas, mesmo não sendo obrigados a ir, mesmo podendo recusar essa ideia, os médicos foram e, com isto, o que nós queremos dizer é que a responsabilidade de gestão do lar é do senhor presidente da Câmara. A responsabilidade do lar ter chegado àquela situação é do presidente da instituição", acrescentou.

O responsável lembrou ainda que o SIM tem exigido que essas instituições tenham médicos, referindo que o orçamento do lar em causa permitiria.

Recordou ainda que, apesar de tardiamente, o ministério acabou por reconhecer o que o sindicato tem defendido, criando as brigadas de intervenção rápida para intervir nos lares.

"Os médicos foram ajudar a salvar vidas, não foram os médicos que tiveram qualquer tipo de responsabilidade e, por isso, não aceitamos qualquer lição sugestão de menor deontologia por entidades que não têm qualquer poder em relação a essa matéria", afirmou o responsável, lembrando: "Quem estabelece e avalia o cumprimento do código deontológico é a Ordem dos Médicos".

"Lamentamos que, em vez de enaltecer o trabalho do SIM e da Ordem dos Médicos no sentido da denúncia das horríveis e inqualificáveis situações que lá se viviam, o senhor inspetor-geral se tenha preocupado em fazer com que a senhora ministra tivesse aqui um pretexto para atacar o Sindicato Independente dos Médicos, tal como antes do 25 de Abril ocorria”, disse.

Acrescentando: “É uma atitude que mais uma vez que tenta condicionar a liberdade sindical, que está defendida pela nossa Constituição e também foi uma das razões para que o 25 de Abril ocorresse", afirmou Roque da Cunha, concluindo: "Não nos calarão, continuaremos o caminho de defesa do Serviço Nacional de Saúde e de defesa dos nossos doentes".

Na nota divulgada na segunda-feira, o Ministério da Saúde adiantava que a ministra tinha já solicitado à IGAS "a emissão e envio à entidade competente do relato de factos suscetíveis de responsabilidade deontológica por parte de membros de órgãos da Ordem dos Médicos e sindicatos envolvidos”, sendo a entidade competente a própria Ordem dos Médicos.

No total, no surto em Reguengos de Monsaraz foram infetadas pelo novo coronavírus 162 pessoas. A maior parte dos casos de infeção aconteceram no lar da FMIVPS, envolvendo 80 utentes e 26 profissionais, mas também 56 pessoas da comunidade foram atingidas.