Nestes tempos conturbados em que a saúde enfrenta desafios sem precedentes é essencial reafirmar com clareza o papel da Ordem dos Médicos no sistema democrático e na sociedade portuguesa.
A Ordem é, por natureza e missão, uma instituição reguladora e independente, dedicada à defesa da qualidade da Medicina e à proteção dos doentes. Fundada em 1938, consolidou-se ao longo de mais de oito décadas, como bastião de ética, competência e exigência profissional, pilar fundamental da saúde dos portugueses, com resultados entre os melhores na comparação com os nossos pares europeus e mundiais.
Não é, não deve e não pode ser um sindicato. A sua função não é proteger postos de trabalho ou negociar grelhas salariais. Não obstante, a Ordem não está, nem quer estar indiferente às condições de trabalho dos médicos. Sem boas condições laborais, sem estabilidade, sem remuneração justa e sem respeito pelo tempo e pelo conhecimento médico não é possível prestar cuidados de saúde com a qualidade e a dignidade que os portugueses merecem.
Há quem procure reduzir a intervenção pública da Ordem às disputas laborais, acusando-a de inação por não encabeçar protestos ou de ser até colaboracionista com os governos. Por esquecimento, por escolha ou demagogia, parecem ignorar que a defesa da Medicina se faz também pela exigência na formação, pelo escrutínio técnico das políticas de saúde, pela valorização do conhecimento científico e pela participação ativa no debate público sobre os rumos do sistema de saúde. E que a defesa dos médicos se faz, em primeiro lugar, garantindo o exercício da sua profissão em condições adequadas aos princípios éticos, técnicos e deontológicos que os norteiam.
Importa, por isso, desconstruir a narrativa de que a Ordem está acomodada e comprometida com o poder e a tutela, por mais que essa narrativa seja repetida de forma reiterada por diferentes setores médicos, civis e partidários. A Ordem dos Médicos manteve, e continuará a manter, uma relação institucional firme, próxima e respeitadora com os Ministérios da Saúde, independentemente dos partidos que suportam os governos, bem como com todas as outras forças políticas com responsabilidade legislativa. Essa cooperação, longe de ser submissa, é uma manifestação de responsabilidade institucional. Foi precisamente essa postura dialogante, mas exigente, que abriu espaço para avanços em áreas críticas e permitiu fortalecer a capacidade negocial dos sindicatos, das associações profissionais e das sociedades científicas. Cabe a essas entidades aproveitar o terreno fértil que essa relação ajudou a construir.
Cada instituição tem o seu papel. O Governo governa. O Parlamento legisla e fiscaliza. Os sindicatos representam os trabalhadores. A Ordem regula, avalia, certifica e defende a integridade da Medicina e do ato médico. O equilíbrio do sistema reside no respeito mútuo interinstitucional e na capacidade de articulação. A colaboração institucional é uma força, não uma fraqueza, quando baseada no respeito, na honestidade intelectual, na independência e na integridade.
Essa integridade, que se exige na intervenção pública, tem de começar dentro de portas. O espírito democrático abre espaço para a crítica, mas a crítica deve servir para construir, não para minar. Existem, dentro da profissão, vozes que, pelas suas atitudes e intervenções, colocam em causa os princípios fundadores da instituição. Repetir discursos destrutivos, dissociados da realidade e alheios à responsabilidade institucional apenas enfraquece a profissão, desorienta os cidadãos e fragiliza o sistema de saúde que todos devemos proteger.
A Ordem dos Médicos não deixará de cumprir a sua missão apesar do ruído, da pressão política ou de agendas pessoais. Continuará a ser aquilo que sempre foi: uma voz serena, mas firme, na defesa da Medicina, dos médicos e, sobretudo, dos doentes. Percebendo a importância da nossa identidade coletiva e da necessidade de sermos capazes de olhar em frente confiantes e sem medo. Uma instituição que trabalha pela saúde de todos, para um sistema que seja verdadeiramente equitativo, universal e acessível.
Neste momento decisivo para o futuro da saúde em Portugal, a Ordem dos Médicos tem de estar – e estará – comprometida com a verdade, com a responsabilidade e com o serviço público. Porque defender a Ordem é defender a qualidade da Medicina. E defender a Medicina é defender o país e os portugueses. Esse é o desafio que aceitamos, que não estamos dispostos a adiar, e que iremos vencer.
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