A chave para travar, com maior eficácia e menos efeitos secundários, a progressão de alguns tipos de cancro poderá estar na imunoterapia, apontam os resultados dos mais recentes ensaios clínicos apresentados no congresso anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO). «Em vez de agir diretamente sobre o tumor, impedindo que as suas células se dividam (método de atuação da quimioterapia antineoplásica, radioterapia ou tratamentos direcionados com medicamentos), a imunoterapia atua sobre o hospedeiro doente», explica Maria José Passos, médica oncologista.

A especialista elogia essa ação, «estimulando as suas defesas, de modo a que o seu sistema imunitário esteja preparado para detetar e destruir as células cancerosas (malignas) com maior eficácia». «O ipilimumab foi o primeiro agente que mostrou um aumento significativo da sobrevivência nos doentes com melanoma avançado», recorda.

Mais recentemente, outros tipos de cancro mostraram também taxas de resposta superiores aos tratamentos convencionais, como acontece, por exemplo, no cancro do pulmão, no linfoma de Hodgkin, leucemia linfática crónica, entre outros. Na prática, o cancro responde ao tratamento e regride, algumas vezes de forma duradoura. «Alguns destes novos agentes imunológicos atuam mais rapidamente e são melhor tolerados pelos doentes, sobretudo os  chamados anti-PD-1, como o nivolumab  e o pembrolizumab», diz.

Tornar o cancro uma doença crónica

Por enquanto, neste início de 2016, a maior parte destes fármacos está apenas disponível para cancros agressivos em fase avançada, bastante difíceis de tratar até agora, como o melanoma, o cancro do pulmão e outros cancros metastatizados. Atualmente, continuam a decorrer vários estudos com estas substâncias, isoladamente ou em combinação.

«É de esperar que a combinação de vários tipos de imunoterapia com outros agentes, como a quimioterapia antineoplásica convencional, venha a ser mais eficaz no futuro. Em muitos casos, o tratamento com imunoterapia tem permitido que alguns doentes com cancro avançado tenham uma vida melhor, com menos sofrimento, encarando o cancro como uma doença crónica», avança a especialista.

A imunoterapia contra o menlanoma

De acordo com Maria José Passos, «antes da imunoterapia, um doente diagnosticado com melanoma avançado tinha uma esperança de vida que rondava os seis meses. A quimioterapia convencional e a radioterapia nunca demonstraram aumento de sobrevivência». Os resultados dos estudos com anticorpos monoclonais, que se salientaram no congresso norte-americano, em junho de 2015, trouxeram uma nova esperança no combate a este tipo de cancro de pele.

Vários estudos realizados em melanoma avançado mostraram que a imunoterapia com nivolumab ou pembrolizumab apresentaram melhores resultados do que a quimioterapia, aumentando as taxas de resposta e a sobrevivência média dos doentes. Segundo a cadeia de televisão CNN, no mesmo congresso foi revelado que a terapia combinada de dois anticorpos (nivolumab e ipilimumab) «impediu a progressão do melanoma durante quase um ano em 58 por cento dos casos».

Ainda assim, os efeitos secundários da combinação foram também mais acentuados, o que obrigou 36 por cento dos pacientes a parar este tratamento. O ipilimumab está disponível em Portugal para os casos avançados de melanoma. «Foi o primeiro a ser usado, mas demora mais tempo a começar a atuar e não é tão bem tolerado, como o nivolumab e o pembrolizumab», contou Maria José Passos à Prevenir.

A Comissão Europeia já aprovou estes dois medicamentos e vários hospitais portugueses estão a participar em ensaios clínicos internacionais em que participam mais de 1.500 doentes. Se correrem bem, poderão vir a ser aprovados pelo Sistema Nacional de Saúde num futuro próximo.

Veja na página seguinte: A imunoterapia contra o cancro

A imunoterapia contra o cancro do pulmão

Vários ensaios clínicos apresentados no congresso mundial da ASCO mostraram resultados promissores com aumento das taxas de resposta com imunoterapia com o anticorpo monoclonal nivolumab, comparativamente com a quimioterapia convencional, em casos de cancro do pulmão metastático epidermóide (não de pequenas células). Este tratamento é melhor tolerado do que a quimioterapia.

Outro estudo com pembrolizumab também mostrou resultados positivos na redução do tumor, assim como a associação destes tratamentos com a quimioterapia. Segundo Maria José Passos, o cancro do pulmão «tem uma incidência elevada, muito superior à do melanoma, e também uma taxa de mortalidade elevadíssima. Por isso, o progresso nesta doença com estes tratamentos terá um impacto muito maior.

Em declarações ao jornal Público nos últimos meses de 2015, a oncologista Ana Castro, envolvida nos ensaios clínicos do nivolumab, revelou que se espera «que a aprovação do nivolumab para este tipo de cancro se confirme no início do próximo ano [2016]».

No congresso da ASCO, foram também apresentados outros ensaios clínicos, que mostraram resultados promissores com imunoterapia, mais precisamente com anticorpos monoclonais, noutros tipos de cancro, em fase avançada, difíceis de tratar, como os cancros do fígado (nivolumab), mama triple negative e da cabeça e pescoço (pembrolizumab). No que se refere à leucemia, no Instituto de Medicina Molecular, está em estudo uma técnica que aguarda a possibilidade de iniciar testes em humanos, na qual alimentam os linfócitos T com fatores de crescimento para combater a leucemia.

Prós e contras da imunoterapia

- Vantagens

Por atuarem no sistema imunitário e não no tumor diretamente, causam menos danos nos tecidos saudáveis em torno do tumor. Não provocam queda de cabelo. Os novos anticorpos monoclonais (anti-PD1) têm boas taxas de resposta (aumento da regressão do tumor) e atuam mais rapidamente do que os tratamentos convencionais. Os resultados são animadores e esperam-se respostas duradouras com impacto na sobrevivência.

- Desvantagens

Há o risco de estimularem excessivamente o sistema imunitário, o que pode provocar doenças autoimunes. Podem surgir outros efeitos secundários, nomeadamente gástricos e intestinais, hepáticos e endócrinos (variam de medicamento para medicamento). Por exemplo, num estudo sobre a combinação de nivolumab e ipilimumab, 36 por cento dos pacientes tiveram de parar o tratamento devido a problemas do estômago e dos intestinos. Acresce o facto de serem muito mais caros.

Veja na página seguinte: Os diferentes tipos de imunoterapia

Os diferentes tipos de imunoterapia:

- Terapia com anticorpos monoclonais

É «a grande esperança no campo da imunoterapia», adianta Maria José Passos. Mostra resultados muito positivos no melanoma e no cancro do pulmão e do rim. «Cerca de 20 por cento dos doentes com melanoma avançado tratados com ipilimumab continuam vivos ao fim de dez anos», refere. Os anticorpos monoclonais não atuam todos da mesma forma. A mais comum bloqueia a capacidade do tumor se esconder do sistema imunitário.

Certas proteínas das células cancerígenas são capazes de inibir a proliferação dos linfócitos T (células de defesa do organismo), ligando-se a uma proteína das células do sistema imunitário que tem a função de inibir a sua atuação em algumas situações (como a gravidez). Os medicamentos produzidos em laboratório (linfócitos B  clonados que mimetizam os anticorpos humanos) conseguem impedir o contacto daquelas proteínas com o sistema imunitário, mantendo-o ativo.

Nesta classe, está disponível em Portugal o ipilimumab que é usado no tratamento do melanoma avançado.  Este também está autorizado para ensaios clínicos em casos de cancro avançado da bexiga, próstata e alguns cancros do pulmão. O nivolumab e o pembrolizumab são outros anticorpos monoclonais e são administrados em ensaios clínicos, em casos de melanoma, cancro do pulmão, cabeça e pescoço e bexiga.

- Células criadas em laboratório

O objetivo desta técnica é estimular a resposta antitumoral do organismo. Recolhem-se células do sistema imunitário do doente (um tipo de células T), multiplicam-se em laboratório e voltam a injetar-se no doente. Os resultados foram promissores num ensaio com doentes de cancro gástrico, apresentado no congresso da ASCO.

Antes de serem reintroduzidas, podem ser manipuladas geneticamente para se tornarem mais eficazes. Por exemplo, podem ser expostas a uma substância chamada interleucina-2 (um fator de crescimento do linfócito-T) para criar células mais poderosas.

Uma das formas mais recentes desta técnica passa por usar o vírus da Sida desativado para forçar as células a produzirem recetores especiais que permitem identificar proteínas na superfície dos tumores. Foi usada no tratamento da leucemia linfoblástica aguda resistente a outros tratamentos. Na reta final de 2015, estava previsto que esta solução terapêutica passasse a estar disponível na Alemanha até ao final desse ano.

- Vacinas

O objetivo é estimular o organismo a produzir mais anticorpos que combatam de forma eficaz o tumor. Injeta-se o doente com moléculas que existem na superfície das células tumorais para que o sistema imunitário aprenda a reconhecê-las e combatê-las. Nalguns casos, podem usar-se moléculas de outras doenças que não o cancro, como os extratos de bactérias da tuberculose enfraquecidas (atenuadas) que foram usadas para combater o melanoma e o cancro da bexiga que ainda não invadiu a parede deste órgão.

«As vacinas têm tido menos sucesso e consistência a nível de resultados  no melanoma avançado», explica Maria José Passos. Helena Florindo, da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, investiga outra técnica de tratamento. Uma vacina que usa nanopartículas para levar a assinatura do tumor às células dendríticas (que apresentam o tumor ao sistema imunitário), anulando a atividade imunosupressora do cancro.

Texto:Bárbara Bettencourt com Maria José Passos (médica oncologista do IPO de Lisboa)