O Relatório Primavera 2018 do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) fala em “proporções epidémicas” no que se refere ao número de partos feitos em Portugal por cesariana nos últimos 20 anos. Revela que a sua prevalência foi de 27,6% nos hospitais públicos e cerca do dobro nos privados. Mais: “a prática obstétrica aumentou em todo o mundo neste período, muito para além das indicações clínicas”, sendo que Portugal não é exceção. Em Espanha, por exemplo, durante 2015 a taxa de partos por cesariana ficou acima da recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que se situaria idealmente entre os 10 e os 15%.

Uma cesariana, como qualquer intervenção cirúrgica, envolve riscos para a mãe e para o bebé, quer físicos quer emocionais, como defende um artigo do El Pais na versão brasileira. A psicóloga Patricia Roncallo, especialista em maternidade, diz que “as reações emocionais das mulheres à cesariana podem incluir uma ampla gama de sentimentos que variam e se transformam com o tempo”. Assim, sublinha, “enquanto algumas mães expressam tranquilidade ou gratidão, outras podem ter uma experiência terrivelmente angustiante e sentir uma grande tristeza ou até apresentar sintomas de transtorno e stresse pós-traumático”.

A especialista fala de casos de mulheres que experimentaram “estranheza em relação ao seu bebé” e lembra que este procedimento pode deixar muitas mães como que alheadas do parto – “algumas não percebem o impacto da operação até engravidarem de novo e virem aproximar-se o dia do parto”.

Uma das principais queixas de mulheres que fizeram cesarianas e procuram a associação El Parto es Nuestro, de apoio às mães, foi a separação dos seus filhos durante várias horas e a falta de informação sobre o estado dos recém-nascidos. Elena Gil, responsável por aquela organização, diz que “estas duas situações tornam a experiência traumática e dificultam o estabelecimento do vínculo mãe-filho, sendo ainda prejudiciais para o início do processo de amamentação”. A associação que lidera já veio denunciar casos de mulheres que foram amarradas ou às quais manietaram ambos os braços, algo que esta especialista considera “uma prática sem justificação, violenta e que impede a mãe de pegar no seu filho”.

Outra questão levantada pelo artigo do El Pais diz respeito à forma como se recorre a este procedimento cirúrgico, podendo ser uma escolha criteriosa ou uma opção imposta.

O que é uma cesariana criteriosa? Elena Gil diz que, em primeiro lugar, “decorre de razões médicas e a mãe está informada das mesmas, assim como sobre as alternativas, se as houver, tendo dado o seu consentimento para a operação”. Gil explica: “Exceto por motivos de força maior, a mulher deve estar consciente, acompanhada pela pessoa que escolheu, e não deve ser separada do filho”.

O início da amamentação deve ser facilitado imediatamente. “Essas premissas fazem com que a mulher viva a intervenção de forma menos traumática, favorecem a criação do vínculo com o bebé e facilitam um processo de aleitamento bem-sucedido”.

Fatores de distúrbio

A cesariana envolve a renúncia a um parto natural, como a mãe poderia ter desejado. Patricia Roncallo enumera algumas razões suscetíveis de fazer aumentar a vulnerabilidade da mulher

  • Ausência do companheiro na hora do parto.
  • Separação precoce do bebé mal ele nasce.
  • Impossibilidade de iniciar de imediato o processo de aleitamento.
  • Recuperação difícil, mais lenta e dolorosa do que em qualquer parto natural, e que pode dificultar os cuidados com o recém-nascido”.