Em que contexto surge o interesse da Carolina por este mundo da comida de bebé? O facto de ser mãe terá contribuído para isso...

Cresci a cozinhar com a minha mãe e já há muito tempo que me interessava por nutrição e alimentação saudável. Mas foi com a introdução da alimentação complementar da minha filha que o meu foco passou a ser a comida de bebé. É fascinante como algo que parece tão simples como alimentar um ser humano, pode ser um fator tão grande de stress para os pais. Eu achava que me tinha preparado muito bem, mas quando a minha filha começou a comer senti-me completamente desamparada. E isto é muito comum.

Do seu interesse nasce a página Comida de Bebé. Um site que tem ganho protagonismo nos últimos anos. O que tem concorrido para esse sucesso? O facto de ser uma mãe a falar para outras mães/pais?

Acho que ser mãe é como a cereja no topo do bolo, aquele extra que pode não estar, mas estando faz toda a diferença. Mas acho que o que mais contribuiu para o sucesso do projeto foi o facto de eu fazer algo completamente inovador.

Há três ou quatro anos só se falava de introdução alimentar nos consultórios. Na internet havia muito pouca informação, e o pior, havia muita informação desatualizada e contraditória. Quis criar um espaço seguro, com comunicação simples e de acesso gratuito. Desde o primeiro dia que toda a informação que partilho vem de fontes fidedignas como órgãos de saúde ou estudos científicos. As pessoas conseguem saber de onde vem a informação e, se quiserem, aprofundar o conhecimento. Há muita alegação na internet que é feita sem qualquer base científica. As pessoas precisam habituar-se a questionar a informação que lhes chega. Além disso, eu tinha experiência prévia com investigação científica e no mundo académico. Estava habituada a ler e analisar estudos complexos, e acima de tudo, a pegar informação complexa e transformá-la em algo simples. Não adianta de nada usar fontes fidedignas, se depois ninguém entende o que estou a querer comunicar.

“O que se vê na alimentação nas creches é uma prevalência grande de produtos processados e ultraprocessados” – Carolina Almeida
Inês Lacerda

Hoje, multiplicam-se os planos de alimentação, as tendências alimentares no que respeita à alimentação na primeira infância. Não considera que tanta informação mais do que ajudar os pais os confunde?

Isto é normal e acontece em todas as indústrias. Há três ou quatro anos não havia praticamente nada. Começarem a surgir projetos como o meu mostra a outras pessoas que é possível. Para os pais, acho que excesso de informação tem um efeito adverso, mas se tivermos de escolher entre excesso e escassez, melhor o excesso. Também acho que estamos a vivenciar um boom nesta área de nutrição e alimentação infantil e eventualmente vai haver alguma estabilização. Há muitas contas novas a surgir constantemente, cursos, workshops, mas muitos outros não conseguem desenvolver estratégias de longo prazo e acabam por sair também.

Em seu entender qual é a mensagem mais sensata que se pode deixar no que respeita à alimentação do bebé?

Que a introdução alimentar vai muito além de nutrir o bebé. A nossa geração foi alimentada à parte da família, com sopas e papas líquidas, quantidades exatas e colheradas uma atrás da outra. Alimentar um bebé é muito mais do que garantir que ele come aquela quantidade exata de sopa. Estamos a introduzir o bebé a novos alimentos, novos sabores, texturas. É uma experiência sensorial muito rica. Estamos a desenvolver hábitos alimentares saudáveis e uma relação saudável com os alimentos e as refeições. Isto vai acompanhar esse bebé até à vida adulta. Digo muito isto na minha página, mas a introdução alimentar é uma oportunidade fantástica para toda a família passar a comer melhor. Quanto mais cedo o bebé começar a sentar-se à mesa com a família, e o mesmo que toda a família, maior a probabilidade de isso acontecer.

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Recentemente lançou uma app relacionada com o tema que a ocupa nos últimos anos. O que traz de inovador esta app?

A app do Comida de Bebé é a primeira app de introdução alimentar portuguesa. Mas vai muito além disso. É uma app pensada na alimentação da família com um todo. Para que toda a família possa se alimentar melhor. Por isso, além de haver uma base de dados gratuita e completa de alimentos que o bebé pode e não pode comer com informação sobre como introduzir e oferecer cada alimento, uma ferramenta que faz o registo da introdução desses alimentos e informação sobre introdução alimentar, a app também tem toda a parte de receitas e planeamento das refeições. São mais de 300 receitas fáceis de fazer, todas com adaptação para bebés desde os seis meses, ementas semanais variadas ou a possibilidade de ser você mesma a criar as suas próprias ementas e listas de compras automáticas. Tudo para a família comer melhor num só lugar.

A Carolina encabeça um movimento que pretende melhorar a alimentação dos bebés nos berçários e creches em Portugal. Quer falar-nos desse movimento e do que preconiza?

Tenho um carinho especial por esta parte do projeto porque é um tema tão importante e que pode ter um impacto tão grande a nível de saúde pública. Em Portugal os bebés vão muito cedo para a creche e passam lá muitas horas. Muitos bebés começam a introdução alimentar e fazem pelo menos metade das refeições em ambiente escolar. Isto quer dizer que a escola tem um papel muito relevante no desenvolvimento das preferências alimentares desses bebés. Preferências essas que estão intrinsecamente ligadas a hábitos alimentares saudáveis na infância, risco de obesidade e doenças associadas. Só que o que se vê na alimentação nas creches é uma prevalência grande de produtos processados e ultraprocessados, açúcar adicionado desde os seis meses, pouca variedade de alimentos e texturas às refeições principais.

Para ter uma ideia, um bebé de seis meses em Portugal já consome bolachas maria numa base diária (um alimento ultraprocessado com 14 gramas de açúcar por 100 gramas, gordura saturada e aditivos). Também consome papas infantis com açúcar adicionado - algumas têm mais de 30 gramas de açúcar - pelo menos três vezes por semana. Depois dos 12 meses, adicionamos a essa lista o iogurte de aromas (14 g de açúcar por embalagem individual), fiambre, salsichas, douradinhos, pão em excesso, gelatina e outras sobremesas, cereais de pequeno-almoço açucarados, leite com chocolate e até chocolate de barrar. Podemos até ver espécies de peixe que estão totalmente desaconselhadas pela DGS por conterem níveis elevados de mercúrio, como a tintureira.

Há dois anos, introduzi este tema e acho que muitas pessoas começaram a ganhar consciência que afinal era necessário saber o que oferecem na escola, questionar e proibir. Comecei a estudar sobre o tema em conjunto com uma advogada e decidimos criar uma petição para regulamentar a alimentação nas creches e berçários em Portugal. O que a petição pede é algo muito simples: criar uma lista de alimentos proibidos em ambiente escolar. Claro que parece uma gota num oceano, mas achei que seria um primeiro passo e esse passo poderia ter um impacto gigante. Quanto mais complexa uma petição, mais difícil é entendê-la e executá-la. E se para algumas pessoas isto parece absurdo, já existe uma lei que faz o mesmo para jardins de infância e escolas. O que isto quer dizer? Que uma criança de seis anos não pode comer um pão com Tulicreme na escola, mas o seu irmão de dois anos poderá comer esse lanche na creche.

Agora como podemos exigir que crianças saibam fazer boas escolhas alimentares, gostem de frutas e vegetais, tenham hábitos alimentares saudáveis, se começam desde cedo a comer alimentos ultraprocessados?

comida de bebé

Que razões encontra para que se esteja a fornecer má alimentação aos bebés e crianças na primeira infância nas instituições referidas?

Acho que há um conjunto de fatores. O primeiro é que os níveis de literacia alimentar em Portugal são muito baixos. Estamos a falar de pessoas com níveis baixos de literacia a tomar decisões sobre o que os bebés vão ou não comer. Parece-me muito grave. Mas não é só nas escolas. A literacia alimentar e nutricional é muito baixa também nas casas desses bebés. Se não existir resistência para mudar do lado da escola, ela costuma existir do lado dos pais.

Há também um problema grave de comunicação entre as entidades. Basta ver o caso dos alimentos proibidos em escolas que não são proibidos em creches. Temos a DGS a fazer um trabalho extraordinário de pesquisa nesta área, mas essa informação não chega às creches e escolas. Temos a DGE empenhada em melhorar a alimentação nas escolas, mas como as creches estão sob a alçada da Segurança Social, não entram nas decisões e os ministérios não trabalham em conjunto. É necessário que o governo tenha uma agenda dedicada a este tema, que se crie legislação específica, que se criem medidas que sejam implementadas a nível nacional, ações de formação e que depois haja inspeção subsequente para garantir que as mudanças são implementadas.

Fora do ambiente escolar, precisamos de leis que limitem as promoções de produtos ultraprocessados e precisamos urgentemente melhorar a rotulagem de alimentos. Mais de 30% das crianças em Portugal têm excesso de peso ou obesidade. A alimentação nos primeiros anos de vida é um tema de saúde pública e precisa ser visto como tal.

“O que se vê na alimentação nas creches é uma prevalência grande de produtos processados e ultraprocessados” – Carolina Almeida
Inês Lacerda

Referiu a questão da falta de literacia alimentar e nutricional em casa. Quais são os principais erros que se comentem?

Os níveis de literacia alimentar e nutricional são muito baixos. Há também um excesso de oferta de produtos ditos para bebés e com rótulos que não são fáceis de ler e que fazem alegações duvidosas. Isto faz com que os pais tenham dificuldade em fazer escolhas no supermercado e acabem por confiar (sem questionar) as recomendações dos profissionais de saúde. Acabamos por dar aos nossos filhos o que nos recomendaram no consultório, ou repetimos a mesma alimentação que nos foi dada porque é o que conhecemos.

Quais são as principais dúvidas/ansiedades que os pais lhe apresentam?

A principal dúvida dos pais está ligada ao que o bebé pode ou não comer, não só alimentos em si mas texturas também. Durante muito tempo, alimentamos bebés apenas com sopas e papas de compra. É difícil sair deste registo. Especialmente quando não há apoio da família, dos profissionais de saúde, da escola.

A segunda é o medo do bebé não comer o suficiente. Quando damos um papel ativo ao bebé na sua alimentação, deixamos que ele explore os alimentos, decida o que quer comer e quanto comer de cada alimento - e não estou a fazer de alimentos em pedaços, isto é possível também com purés, papas e até sopas. Isto pode ser assustador. Colocamos a comida no prato e de repente o bebé vai lá com a mão, esfrega a mão na cara, no cabelo, mas o que é realmente ingerido é muito pouco. Ou pelo menos parece, porque não sabemos quanto comeu. É muito mais fácil pesar a quantidade de comida e dar essa quantidade ao bebé. Assim sabemos que ele comeu o que tinha de comer. O problema? O bebé não sabe o que está a comer, não consegue diferenciar os diferentes alimentos, não sabe que os brócolos são verdes e

têm uma textura áspera enquanto uma abóbora é laranja e tem sabor adocicado. Não treinou a mastigação e provavelmente não comeu em família, por isso não viu os pais a comerem esses alimentos, a mastigar. É por isso uma experiência muito menos enriquecedora para o bebé.

Ministra um Curso de Introdução Alimentar. Quais são os temas que preponderam nesse curso?

Criei um curso que gostava de ter tido acesso quando fiz a introdução alimentar da minha filha. Hoje já encontramos muitos workshops ministrados por profissionais de saúde, a maior parte no mesmo formato. Também eu, fiz dois workshops assim. Mas quando estava a fazer a introdução alimentar da minha filha sentia dificuldades no dia a dia. Na hora de planear as refeições, de saber se podia ou não dar certo alimento e como oferecê-lo. Se era normal a minha filha reagir de certa forma ou ter determinado comportamento à mesa. E é precisamente isso que o curso faz. É um curso 100% prático, focado no dia a dia da alimentação em si, e não tanto na teoria que está por trás. Documentei toda a introdução alimentar do meu filho, numa espécie de diário onde relatava o que ele tinha comido em cada dia, como foi a sua reação e fotografei e filmei todas as estas refeições. São seis meses de registos diários, e acho que este formato faz toda a diferença. E claro, a acompanhar este registo há também todas as ementas, receitas e o acesso exclusivo à aplicação.

Como está a correr o percurso do seu livro Comida de Bebé?

O livro está a ser um sucesso. Foi lançado há menos de um ano e já vai na terceira edição. Chegou a estar no top geral de vendas das principais livrarias do país. E atualmente mantém-se no top de vendas em gastronomia. Tenho muita sorte de ter uma editora que confiou em mim e na minha ideia, e aceitou arriscar. Porque na verdade este é um livro de comida de bebé muito pouco convencional. Não há muitas receitas de sopas, purés ou papas. Mas há sim receitas nutritivas para toda a família que podem ser adaptadas ao bebé e eu mostro sempre como fazê-lo.

Atualmente já estou a trabalhar num segundo livro, mas desta vez o meu foco são os mais novos. Através de uma história, introduzimos alimentos, informação e muitas receitas deliciosas para os mini-chefs cozinharem.