“Os adolescentes ainda não têm desenvolvido totalmente o cérebro, principalmente o córtex pré-frontal, que é a parte que nos ajuda a medir consequências e controlar impulsos. Muitas vezes dizemos que os pais têm esta obrigação, de ser o córtex pré-frontal dos filhos”, disse à Lusa Cristiane Miranda, co-fundadora do Agarrados à Net.

A especialista falava à Lusa a propósito do estudo hoje divulgado que indica que o uso do telemóvel por parte dos jovens continua elevado, que o contacto ‘online’ aumentou nos últimos anos, o mesmo acontecendo com a utilização da internet para fugir a sentimentos negativos e com os adolescentes que confessam já ter tentado passar menos tempo nas redes sociais, mas não conseguiram.

Tanto Cristiane Miranda como Tito de Morais, que é igualmente fundador do projeto MiudosSegurosNa.Net, consideram que mais importante do que o tempo passado ‘online’ é a qualidade dos conteúdos que os jovens acabam por consumir.

Sublinhando que os pais devem “ajudar os filhos a pensar melhor” e a desenvolver pensamento crítico, a especialista insiste: “isto só acontece com tempo e com presença dos pais”.

Sobre a comunicação ‘online’, ambos assumem que comporta mais riscos, pois na conversa presencial há sinais – como a movimentação corporal, a entoação e a expressão facial – que escapam nas comunicações por mensagens ou na Net (sem uso de vídeo).

“Estes sinais ajudam a perceber as intenções das pessoas. É claro que há um maior risco quando lido com alguém que só conheço ‘online’, mas às tantas posso conhecer presencialmente alguém de forma muito superficial e falar com uma pessoa ‘online’ tantas vezes que acabo por a conhecer melhor. As coisas não são assim tão lineares quanto isso”, afirma, por seu lado, Tito de Morais.

O fundador do projeto "MiudosSegurosNa.Net", que ajuda famílias, escolas e comunidades a promover a utilização responsável e segura das novas tecnologias de informação e comunicação por crianças e jovens, pede mais envolvimento dos pais: “Muitas vezes os pais querem um ‘software’ milagroso que possam instalar para pôr os filhos em segurança”.

“E nós costumamos dizer que o melhor software para proteger os filhos é a massa cinzenta (…). Já vem pré-instalado, é gratuito, compatível com todos os sistemas operativos e quanto mais o usarmos mais eficaz se torna. Este é o melhor ‘software’”, sublinha, insistindo na necessidade de os pais ensinarem os filhos a “serem desconfiados”.

É preciso “ensiná-los a pensarem de uma forma critica, tentarem distanciar-se das situações em que estão envolvidos, dando um passo atrás relativamente a tudo com que se confrontam ‘online’, e serem desconfiados para perceber se a rapariga loira com quem falam é mesmo uma rapariga, se será mesmo loira, se terá a idade que diz ter”, acrescenta.

Lembra que “todos cometemos as nossas asneiras na adolescência que não queríamos que os pais soubessem” e frisa que o importante é “conseguir criar uma relação de confiança com os filhos”.

“É importante que os filhos saibam que, mesmo que tenham cometido a maior das asneiras, podem ir ter com os pais e dizer-lhes, que a preocupação vai ser resolver o problema e não castigá-los pela situação em que se meteram”, diz o responsável, prosseguindo: “nas escolas vimos infelizmente muitos miúdos a dizer que os pais, ou os professores, seriam os últimos a quem iriam pedir ajuda”.

Normalmente – prossegue – “os primeiros a quem eles recorrem é aos pares, o que muitas vezes é problemático, porque em vez de termos um jovem metido num problema, passamos a ter dois ou três”.

O estudo que hoje é divulgado em Lisboa, que envolveu 51 países e analisou os comportamentos e a saúde dos adolescentes (11, 13 e 15 anos) nos seus contextos de vida mostra uma perceção mais negativa (por parte dos jovens) do apoio da família e um decréscimo na qualidade da relação familiar.

Para ajudar a desbloquear a conversa e dar ferramentas aos pais para permitir que os filhos possam ter a confiança suficiente para decidirem contar-lhes os seus problemas, o projeto Agarrados à Net promove formações onde dão ferramentas aos pais para que esta relação de confiança se estabeleça.

São os chamados “sete passos para a parentalidade digital”: “A tecnologia e a internet veio para ficar e não podemos querer que os nossos filhos não estejam lá, muito pelo contrário, porque também têm muitos benefícios”, explicou Cristiane Miranda, sublinhando que as empresas gestoras destas plataformas também se preocupam e desenvolveram formas de eliminar maus conteúdos quando denunciados.

Ambos os responsáveis sublinham a necessidade de os pais se envolverem mais com as tecnologias, para que “possam estar lá para saber ajudar”.

“Num dos ‘workshops’ que promovemos perguntámos aos pais quem tinha conta no Tik Tok (uma das redes sociais que ganhou dimensão nos últimos tempos e é das mais usadas pelos jovens) e ninguém levantou o braço. Mas quando perguntámos se os filhos usavam o Tik Tok todos levantaram”, exemplificou.