Ao entrar no Le Blue - ou mesmo só a passar pelo restaurante -, situado num prédio art déco, numa das esquinas mais desejadas de Campo de Ourique, não se espera encontrar um espaço dedicado ao Atlântico, porém, os tons de branco e azul não deixam dúvidas.
Quem não conhece bem Campo de Ourique, nem vai desconfiar que neste espaço já funcionou um talho muito conhecido pelos moradores deste bairro.
O ar sofisticado e elegância do Le Blue também passam a ideia que vai atrair mais turistas do que locais, contudo, surpresa: há gente do bairro sentada à mesa.
Com vários restaurantes de sucesso, não seria de estranhar que Kiko Martins partisse de algumas fórmulas bem-sucedidas, porém, decidiu criar algo de raiz, com produtos e técnicas novas.
Os mais entendidos poderão encontrar algumas semelhanças com as técnicas empregues na cozinha tecnoemocional (que esteve em voga há décadas graças a nomes como Ferran Adrià), porém, não é disso que se trata.
Esta é a cozinha do chef Kiko Martins, que tem um lado lúdico e outro inovador. Não é um restaurante para o dia-a-dia, mas para aqueles dias que se querem viver experiências gastronómicas, despertar os sentidos e descobrir sabores novos, únicos e exclusivos, com amigos, a dois, em família ou até sozinhos – porque não? Às vezes, precisamos de nos mimar e boas sugestões e decoração aliadas a um serviço cuidado só nos farão sentir especiais.
E este pode não ficar o restaurante do dia a dia, que nos salva quando não queremos ou não conseguimos cozinhar, mas será um espaço para voltar, pois a ementa oferece várias e tentadoras propostas – e algumas até parecem ter uma pitada de humor como a Sanduíche de Barriga de Atum (13,7€) nas Entradas. Em vez de pão, esta sanduíche leva suspiro, ovo de codorniz e alface Iceberg e, no fundo, foi uma forma do chef fazer as pazes com as infames sandes de praia que atormentaram a sua infância. Pais, tomem isto como inspiração para quando forem preparar o lanche para a praia dos vossos filhos.
Mas a carta de Kiko, dedicada apenas a peixe e a marisco, não se resume apenas a um exercício de transformar memórias pouco apetitosas em saborosas.
Há cocktails de autor para se preparar para a aventura e que não destoam do resto. Entre as várias propostas, pode optar por um Bianconi (que é um Negroni branco com tequila) ou o Fluffy Mary, que é uma versão do clássico Bloody Mary com espuma de ostras.
Tal como a sanduíche de barriga de atum, as restantes entradas propostas pelo chef nasceram para serem divertidas, inesperadas e devoradas em duas ou três dentadas — a começar logo pelo pequeno amuse-bouche, oferta do Le Bleu, de cavala marinada sobre uma base gelada que se come à mão.
Depois ainda existem as ostras da Ria Formosa que chegam à mesa envoltas em creme e espuma de ostras com chalota e que picam no fim devido aos jalapenho e o nigiri de lírio que vem montado num marshmallow cuja base é um caldo de dashi.
Para além destes aperitivos, há ainda bacalhau à Brás, pastel de nata de enguia e gama do Algarve sobre um dado de tapioca (cozinhada numa bisque de marisco) e cuja espinha é comestível – é de tinta de choco (quem diria?).
Entre as várias opções para prato principal, pode ser difícil escolher. Assim, pode começar pelo "favorito" do chef Kiko Martins, o tagliolini al limone com gamba violeta. O Wellington é outra boa sugestão e é servida à moda antiga: chega-nos num carrinho e é fatiada junto à mesa.
Como o Le Blue dedica-se ao que vem do mar, a carne neste prato foi substituída por pregado, camarão Black Tiger e espinafres, envoltos na típica massa estaladiça. Vem com coração de alface grelhada, castanha do Pará, framboesas e é finalizada com uma glace de enguia.
Outras opções igualmente surpreendentes são o polvo e enguia no carvão (claro que o carvão é, uma vez mais, um trompe-l’oeil) ou o salmonete com alho francês, entre outras.
E, claro, não podiam faltar doces no final – e algumas sobremesas podem não ser o que aparentam como a mousse de crème fraîche e granizado de romã, que é muito fresca e delicada. Nesta mousse, o segredo está num véu e numa salada de espargos brancos.
O Le Bleu também nos faz viajar por algumas memórias do passado do chef Kiko Martins. Primeiro, viajamos até aos dias de praia da sua infância e, no fim, ao sabor de Mont Blanc, que se inspira na Floresta Negra do chef Heston Blumenthal. Porquê? Porque Kiko passou pelo famoso Fat Duck nos seus anos de formação.
Neste sobremesa, Kiko Martins adiciona ao chocolate e ao toque da ginja portuguesa uma cereja no topo feita de avelã com uma haste feita de tomilho tostado.
E para quem acha que as sobremesas e o café ditam sempre o final de uma refeição, no Le Bleu pode não ser necessariamente assim já que, não raras vezes, o chef Kiko Martins gosta de desafiar-nos a guardar para o final dois dos seus cocktails autorais — sim, adivinharam, estamos a falar do Crême Brûlée e do Pain au Chocolat, só que, ao contrário do que a maioria julgará precipitadamente, e apesarem de serem destilados gota a gota durante 48 horas a partir dos ingredientes que compõem a suas receitas (e do sabor estar lá), não são muito doces e surgem aos nossos olhos bastante clarificados.
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