Quando observamos qualquer ligação de vinho com sobremesas, aplicam-se os mesmos princípios das outras combinações. No entanto, a doçura joga papel muito importante, tornando-se o princípio fundamental da harmonia. Mas, o vinho sugerido terá sempre que satisfazer outras necessidades do perfil da sobremesa, tais como a estrutura, riqueza em gordura ou toques amargos, intensidade aromática e especiarias.

Numerosos ingredientes apresentam-se à disposição e serviço da fantasia e técnica pasteleira, criando uma variedade notável de sobremesas, que nascem de misturas e combinações de vários tipos de açúcares, de mel, diferentes tipos de farinha, manteiga, azeite, leite, natas, coco, ovos, xaropes, marmeladas, frutas, café, chocolate, licores, especiarias, aromas e outros que tais. Perante tamanhos desafios, o vinho tem que puxar muitos dos seus pergaminhos para igualar a riqueza da expressão visual e do sabor. Só de observar, antecipamos o pecado de que mais tarde nos penitenciamos…

Confrontados com este quadro, obviamente pensamos em vinhos que tenham doçura e nessa categoria encontramos alguns dos grandes vinhos do mundo e outros que, não sendo verdadeiramente fantásticos, possuem igualmente bons argumentos.

No Vinho do Porto, as possibilidades de harmonização são quase inesgotáveis: aparecem as versões em branco, desde os Fine White, algo escondidos em favor dos Porto Seco, os Porto Lágrima, verdadeiramente sedutores e versáteis, e mais recentemente os brancos mais idosos e misteriosos, que contribuem para experiências enriquecedoras; os rosés (Pink), com a sua comedida doçura, também encontram raio de ação; e a enorme variedade de “tintos” que, consoante o tipo de estágio, também correspondem bem ao desafio.

Seguem-se os moscatéis. Os de Setúbal são mais densos e luxuriantes, complexos e muitos longevos, numa perfeita simbiose entre acidez e doçura. Os do Alto Douro mostram-se mais leves e sensuais.

Os Vinhos da Madeira, um dos nossos tesouros, cada vez mais a recuperar um prestígio histórico e de classe mundial, apresentam um bailado entre uma acidez vibrante, toque salgado e maresia, fumados, frutos caramelizados, texturas sensacionais e uma profundidade de sabor que muito se poderá explorar.

Existem também alguns vinhos licorosos, bem feitos e que, embora pontuais em termos de apresentação ao mercado, merecem ser equacionados.

Outra solução cada vez mais cativante, até na diversidade da interpretação, são os vinhos de vindima tardia (Late Harvest), feitos de uvas em que se promove a respetiva desidratação, concentrando a sensação de sabor açucarado e perfume, mantendo uma acidez que equilibre essa maior riqueza adocicada. Alguns recorrem mesmo a uma técnica de “transformar” as uvas em passas, deixando secar as uvas para promover a sua desidratação.

Outra combinação menos óbvia poderá passar pelos espumantes. As versões meio doce ou doce podem ser surpreendentes, com o gás carbónico a potenciar soluções muito interessantes, assim como a frescura naturalmente ácida. Para sobremesas muito doces, daquelas com gemas e açúcar, os espumantes devem ser equacionados.

Com Gelados e Sorvetes::

Os vinhos deverão apresentar alguma cremosidade de textura, para suportar a primeira impressão de frio e muitas vezes de acidez vincada no caso dos sorvetes de fruta mais ácida. Não necessitam ser muito encorpados ou complexos, mas sim alegres, fluidos e focados na textura e alguma frescura. Podemos considerar os Late Harvest mais ligeiros, os moscatéis jovens, o Vinho do Porto Lágrima ou Fine e Vinho Madeira mais jovem e de menor presença fumada. Os espumantes ligeiros meio doces são igualmente boa opção.

À base de fruta:

Podem ser doces com frutas frescas, silvestres ou tartes de maçãs ou peras, sofrendo cozedura ou em estado puro. Há ainda as compotas, marmeladas, os doces de fruta, e os frutos secos (tâmaras, ameixas, passas, nozes, avelãs, amêndoas - frescas ou torradas -, os caramelos de fruta, nougat, etc.). Em preparações com frutos frescos e menos processados, deve-se seguir o perfil desses ingredientes com bebidas mais subtis, com a intensidade de sabor nivelada pelo ingrediente que define a base. Nos frutos secos e caramelizados também se poderá manter o perfil estrutural, mudando a parte aromática na mesma direcção dos ingredientes. Aqui os generosos com estágio oxidativo são as melhores opções.

Doces “de colher”:

Por norma têm sabor intenso, textura, gordura e cremosidade. O que dizer do leite creme, baba de camelo, arroz doce, mousses, só para citar alguns exemplos. Convém por isso que o vinho bebido tenha alguma frescura estrutural e, por vezes, um toque amargo também pode ajudar. Os Late Harvest com boa acidez, os Madeira jovens, os perfis mais frescos do Vinho do Porto, o Porto Pink (com bavaroises de fruta é excelente), algum vinho passito e, claro, os espumantes meio doces prometem boas experiências.

Com massas:

Este é um termo meu para designar outra enorme amplitude de preparações com base em farinha, leite, ovos e manteiga, que incluem os bolos, tartes, bolo-rei, broas, filhoses, sonhos, entre outros. A estrutura e suculência da preparação devem ser apercebidas, pelo que o corpo do vinho deverá ser uma preocupação. A generosidade do vinho joga aqui um papel de maior relevo, com os generosos mais ambiciosos e complexos a serem propostas convincentes.

Doçaria Conventual:

Grande parte da doçaria tradicional portuguesa recorre a gemas e claras de ovos, frutos secos, massas e açúcares. Os elegantes Porto Tawny, os Madeira com alguma idade, os moscatéis um pouco mais ricos e alguns licorosos podem combinar bem. Um Late Harvest ou Porto Branco bem fresco e um espumante meio doce serão opções a considerar, sobretudo no caso em que as tentações que nos chegam à mesa tenham leite e ovos.

Manuel Moreira (sommlier)