Falamos pouco sobre os determinantes comerciais da saúde. A Organização Mundial de Saúde, define-os como as atividades do setor privado que produzem influência na saúde, seja positiva ou negativa. A ligação com os determinantes políticos é evidente, e a sua fronteira nem sempre clara.

Nada demonstra a sua influência na prática, como os casos do tabaco e do álcool. De forma inacreditável, em Portugal, a produção e o cultivo de tabaco obtiveram financiamento público até 2019. A complacência do governo regional dos Açores com a indústria teve como resposta a degradação da saúde das pessoas. A coberto de ajudar a economia, acabamos a prejudicar não só a vida e a saúde das comunidades, como… a própria economia. Tratar doenças causadas pelo tabaco será sempre mais oneroso para todos nós do que a prevenção.

Mas escrevo várias vezes sobre tabaco. Hoje irei aprofundar o segundo exemplo, o caso do álcool. É um exemplo até mais complexo, pois os argumentos da indústria têm mais peso e a pressão social para mitigar o consumo é quase inexistente. Por esse motivo, Portugal surge com níveis de consumo de álcool, per capita, superior à média europeia. Também somos o país, que segundo a OCDE, apresenta um maior número de pessoas que refere consumir diariamente bebidas alcoólicas.

O impacto faz-se sentir na saúde e na economia. A esperança média de vida poderia ser um ano superior, se o consumo de álcool fosse menor. Sem esquecer o impacto na qualidade de vida, por via das menores morbilidades. Referi “economia” propositadamente. Um dos grandes argumentos para nada ser feito, é precisamente esse, somos um país de elevada produção de bebidas alcoólicas, temos de proteger a indústria. Neste capítulo, a OCDE estima que doenças e lesões provocadas pelo álcool, custem o equivalente a 2,3% de toda a despesa em saúde, isto sem contar com a natural perda de produtividade. Falamos, portanto, de 600 milhões de euros de gastos extra na saúde, que poderiam ser alocados ao tão necessário investimento que o SNS precisa. Mas o impacto não se fica por aqui. A OCDE acrescenta que mantendo o consumo atual de álcool, o PIB em 2050 será 2% menor que o seu potencial, e obrigará o estado a cobrar mais 115€ per capita/ano de impostos, para compensar esta quebra no crescimento. Estamos mesmo a fazer um bom negócio? Seria mais justo e sustentável aumentar impostos diretos sobre o consumo de bebidas alcoólicas.

O maior problema, é que nem sequer reconhecemos que existe um problema. Por exemplo, o programa de saúde e aumento de literacia com o nome “Dinamização de ações de informação, sensibilização e educação junto das pessoas jovens e adultos sobre o consumo moderado de álcool”, é financiado e gerido pelo Instituto das Vinhas e do Vinho! Se para o tabaco, prepara-se novo pacote legislativo para cumprir as melhores práticas de combate ao consumo, no caso do álcool, nem sequer é discutido a necessidade de reduzir o consumo.

Há países que reconheceram o problema e passaram à ação. Na Irlanda, foi recentemente proibido à indústria do álcool financiar a escola pública. Pode parecer uma ajuda desinteressada, mas este financiamento provoca um claro conflito de interesses. Não só a indústria nunca agiria contra os seus interesses financeiros, como a exposição às crianças em ambiente escolar, tem como efeito a normalização do consumo e a redução da perceção do risco. Em Taiwan, uma combinação de investimentos em programas escolares de prevenção do consumo, uma mudança cultural da perceção do consumo, restrição à publicidade e aumento dos impostos sobre bebidas alcoólicas, tiveram como consequência uma diminuição de 80% das mortes provocadas pelo álcool.

É possível moldar os determinantes políticos e comerciais da saúde. Assim haja vontade de priorizar a saúde da população em vez dos interesses de curto prazo das indústrias.