“É uma profissão que continua a ser socialmente muito desvalorizada. Estas mulheres estão na base da hierarquia das profissões, apesar de desenvolverem um trabalho em setores críticos para a existência em termos de saúde pública”, observou, em declarações à Lusa, Isabel Dias.

O estudo, coordenado pela FLUP com o apoio do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto (ISUP) e da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), teve como principal objetivo “mapear as dificuldades sentidas pelas trabalhadoras dos serviços de limpeza durante a pandemia da covid-19”.

Na investigação, participaram 436 mulheres da região Norte, a maioria com idades compreendidas entre os 51 e 60 anos, que exerciam a sua atividade nos dois hospitais da cidade do Porto, nas faculdades da Universidade do Porto, em grandes superfícies comerciais, setores da justiça e segurança e empresas que gerem as redes de transportes públicos da Área Metropolitana do Porto (AMP).

Através de questionários presenciais, que decorreram entre 03 de novembro de 2020 e 17 de maio de 2021, os investigadores quiseram compreender os riscos a que estas mulheres estavam expostas durante o exercício da sua profissão e os sucessivos confinamentos.

Os questionários dividiram-se em cinco grupos: condições de saúde, atitudes preventivas, perceção da pandemia, condições de trabalho e dados sociodemográficos.

Segundo a investigadora, os resultados do estudo mostram que “50% destas mulheres sente que a profissão as coloca em risco de contrair covid-19” e que, desde o início da pandemia, 62% das trabalhadoras se sentiram agitadas e facilmente alarmadas.

Das 436 participantes, 22% referiram sofrer ataques de pânico, 61% sentiram-se mais cansadas e 61% apreensivas com a possibilidade de não conseguir cuidados médicos em caso de necessidade.

Relativamente às condições de saúde, 24% referiram ter algum tipo de doença cardiovascular, 8% diabetes e 14% doença crónica do sistema respiratório.

Os dados mostram também que a maioria destas profissionais utilizaram sempre máscara e lavaram as mãos com frequência, ainda que apenas 47% tenha conseguido manter as normas de distanciamento social entre colegas.

“Os clientes onde os serviços de limpeza são prestados asseguram a implementação de medidas que se relacionam sobretudo com o espaço em que a atividade é desenvolvida, já os empregadores focam-se muito na adoção de atitudes de segurança por parte das trabalhadoras e, entre estas, é de destacar a obrigatoriedade de distanciamento físico (87% dos locais), obrigatoriedade da máscara e medição de temperatura das trabalhadoras, mas o transporte das trabalhadoras para o trabalho por parte da empresa não foi aplicado em 99% dos locais”, salientou Isabel Dias, acrescentando que o principal meio de transporte destas mulheres é o transporte público.

Quanto ao retrato da situação profissional, o estudo concluiu que metade destas mulheres trabalha seis ou mais dias por semana e que um terço trabalhou sempre no setor das limpezas, sendo que metade começou a atividade antes de completar 18 anos.

Paralelamente, os dados mostram existir uma “predominância de vínculos precários de trabalho entre estas mulheres” e que 44,5% exercia a atividade a tempo parcial.

“Este batalhão de trabalhadoras que se levanta de madrugada para chegar a estes locais de trabalho permanece invisível. Esta foi a minha preocupação, não só do ponto de vista sociológico de perceber em contexto pandémico, mas os riscos para a saúde e o agravamento das suas condições de trabalho”, afirmou a investigadora.

E acrescentou: “Estas mulheres acumulam um conjunto de fatores de desvantagem que se traduz também em baixa remuneração e salários e precarização das suas condições”.

Isabel Dias disse ainda que o intuito dos investigadores é alargar o projeto, financiado em 30 mil euros pela Fundação Para a Ciência e Tecnologia (FCT) no âmbito do Apoio Especial Gender Research for Covid-19, a nível nacional e a outras atividades profissionais.

A covid-19 provocou pelo menos 4.945.746 mortes em todo o mundo, entre mais de 243,56 milhões infeções pelo novo coronavírus registadas desde o início da pandemia, segundo o mais recente balanço da agência France-Presse.

Em Portugal, desde março de 2020, morreram 18.138 pessoas e foram contabilizados 1.085.451 casos de infeção, segundo dados da Direção-Geral da Saúde.

A doença respiratória é provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, detetado no final de 2019 em Wuhan, cidade do centro da China, e atualmente com variantes identificadas em vários países.