Escrevo estas linhas com a consciência de quem trabalha no setor público da saúde, mas também com a sensibilidade de pai de dois filhos apaixonados e praticantes de andebol, que neste verão jogam andebol de praia, modalidade já olímpica. Faço-o como cidadão, como profissional, e como alguém que acredita que o desporto deve ser, de facto, para todos.

E por isso pergunto: que desporto queremos promover em Portugal? Será o que se joga dentro de quatro linhas, entre clubes e atletas? Ou o que se constrói todos os dias, nas televisões, nos exemplos dados aos mais novos e no tempo de antena dedicado ao que é (ou não é) considerado relevante?

O andebol tem-me servido de exemplo porque conheço de perto o que se faz e o que se omite. Portugal foi vice-campeão mundial de sub-21. Temos dois treinadores portugueses na Liga dos Campeões. O FC Porto, apesar do seu valor desportivo, ficou de fora dessa competição porque os seus jogos não têm transmissão televisiva pública. Não é uma suspeita; é um facto, confirmado pelo próprio presidente da Federação Europeia de Andebol, Michael Wiederer, que afirmou ao jornal O JOGO que “enquanto a televisão pública portuguesa não mostrar interesse, será extremamente complicado, para não dizer impossível” termos clubes nacionais na principal competição europeia (O JOGO, 2/7/2024).

Esta ausência de visibilidade é transversal a muitas modalidades: voleibol, atletismo, hóquei em patins, basquetebol, judo, ginástica, entre tantas outras. Quando os nossos atletas não têm espaço nos canais públicos, o que estamos a dizer, de forma implícita, é que o seu esforço vale menos. Que o seu mérito não merece palco. Que o desporto, afinal, é só o que dá audiências imediatas, centralizado e apenas no futebol.

Mas noutros países fazem-se escolhas diferentes. E melhores.

Na Dinamarca, mais de 2,1 milhões de pessoas viram a final do último Mundial de andebol masculino em canal público, com 91,7 % de quota de audiência (SportBusiness, 2023).

Na Alemanha, os Jogos Olímpicos de andebol foram seguidos por mais de 6,5 milhões de espectadores na ARD, com picos de audiência superiores a 7 milhões (Handball-Planet, 2021). Em França, foi criado o canal Sport en France, financiado com fundos públicos e gerido pelo Comité Olímpico, que dá visibilidade às modalidades que raramente passam nos grandes canais.

Na Noruega, a televisão pública (NRK) garante que todas as provas internacionais com atletas noruegueses são transmitidas, sobretudo nos desportos de inverno, em articulação com as federações e com o apoio do Estado.

Estes exemplos não são exceções. São expressões de uma cultura democrática que reconhece o valor educativo, social e simbólico do desporto. Perceberam que dar visibilidade a uma modalidade é investir na saúde pública, na inclusão, no talento e no futuro.

E em Portugal, o que esperamos?

Continuaremos a falar de “desporto para todos” ignorando sistematicamente a maioria das modalidades no serviço público de televisão? Vamos manter esta incoerência estrutural, que corta a possibilidade de sonhar a milhares de crianças e jovens?

O Estado tem de assumir um compromisso claro: garantir, através da RTP ou de parcerias sustentadas, a transmissão regular de modalidades que não sejam futebol. Não se trata de antagonizar o futebol, que deve continuar a ser apoiado mas sim de reconhecer que há um país inteiro de atletas, treinadores, dirigentes, clubes e famílias que não vêem o seu esforço espelhado no ecrã.

Mais tempo de antena é mais legitimidade, mais oportunidades, mais prática desportiva, mais saúde, mais igualdade.

Por isso, deixo aqui um apelo: é urgente uma mudança de política pública para assegurar a presença das modalidades no espaço televisivo nacional, pelo menos as de âmbito internacional. Seja por uma grelha com cota mínima na RTP, seja por um canal multidesportivo financiado com fundos públicos, como em França. Há várias formas possíveis, mas só um caminho aceitável: o da inclusão e do compromisso com o desporto plural.

Não se trata apenas de transmitir jogos.
Trata-se de dar visibilidade ao que somos capazes de fazer juntos como país, como comunidade e como cultura desportiva.