De janeiro de 2020 a maio de 2023, o Mundo viveu um estado de emergência em saúde pública por força da COVID-19. Perante a insuficiência endémica de recursos, a então Ministra da Saúde reconhecia, em julho de 2020, a necessidade de serem estruturalmente reforçados os extremos do espetro assistencial do SNS: a Saúde Pública e a Medicina Intensiva. Mais do que garantir a resposta contextual, importava dotar o País de uma capacidade compreensiva perante futuras (e muito prováveis) ameaças globais.

Até meados do mês de março do corrente ano, foram cumulativamente notificados cerca de 775 milhões de casos de COVID-19 em todo o Mundo, dos quais cerca de 280 milhões na região europeia da OMS. Destaca-se, desde logo, a iniquidade em termos de vigilância em saúde pública: apesar do território da OMS Europa compreender pouco mais de 11% da população mundial, os 53 países que a integram notificaram cerca de 36% dos casos acumulados…

Em jeito de “casa roubada, trancas à porta”, é criada, em setembro de 2021, a Autoridade Europeia de Preparação e Resposta a Emergências em Saúde (HERA). Já a criação, em 2004, do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), tinha sido precipitada pela crise da “gripe das aves” …

Entretanto e no nosso País, o modelo organizacional das unidades locais de saúde (ULS) foi imposto, no início do corrente ano, a todo o território continental – em desconsideração pela geodemografia e diferenciação hospitalar e, secundariamente, pela viabilidade económico-financeira individual.

Quanto aos serviços de saúde pública de âmbito local (unidades de saúde pública dos agrupamentos de centros de saúde), viram-se obrigados a migrar, com as restantes unidades funcionais da rede de cuidados primários, para aquele modelo organizacional hospitalar. Foram forçadas a fazê-lo, apesar de se organizarem numa rede própria de serviços e de terem objetivos e âmbito de intervenção populacionais…

Reconhece-se, não obstante, que a integração das unidades de saúde pública nas ULS se poderá traduzir em ganhos para aqueles serviços – e, consequentemente, para as respetivas populações de atração. Mas, para que tal aconteça, o seu papel tem de ser devidamente valorizado, do ponto de vista orgânico e funcional.

A uma Direção-Geral da Saúde esvaziada dos mais experientes, foi anunciado, por um Conselho de Ministros no seu estertor final de 21 de março, o “coup de grâce” das administrações regionais de saúde (ARS). Além das implicações sistémicas de tal decisão, impõe-se salientar que o nível regional de serviços de saúde pública (departamentos de saúde pública) tem as ARS como organismos de afiliação.

Em síntese: em Portugal, não só não houve “trancas à porta”, por ocasião da pandemia de COVID-19, como as “portas” foram escancaradas, com a desorganização da rede de serviços operativos de saúde pública…

Retirar ensinamentos da pandemia de COVID-19 é, desde logo, reforçar a primeira linha de defesa do SNS; esta corresponde aos serviços operativos de saúde pública, antagonicamente visados pela tutela política no decurso do ciclo governativo que finda.

Para que tal aconteça, a decisão política não se pode pautar pelo preconceito ideológico e opacidade processual, nem tão pouco se eximir à evidência científica. Deverá prevalecer o diálogo na abordagem dos problemas e a fundamentação na tomada de decisão por parte do novo Governo e, em concreto, da indigitada Ministra da Saúde.