Os portugueses gostam de chocolate. Além de ingerirem, em média, cerca de dois quilos deste alimento por ano, também gostam de oferecer chocolates aos outros, sobretudo aos familiares e amigos. Segundo a Associação dos Industriais de Chocolates e Confeitaria (ACHOC), anualmente gastamos mais de 200 milhões de euros na aquisição deste produto, com as vendas a subir exponencialmente no Natal e na Páscoa.

O cacau que está na sua origem é obtido a partir das sementes de uma árvore de pequeno porte nativa da América Central e da zona norte da América do Sul. O nome científico do Theobroma cacao L. foi-lhe atribuído por Carl Lineu, que viveu entre 1707 e 1778 no segundo volume da obra "Species plantarum", editada em 1753, uma publicação fundadora da nomenclatura botânica contemporânea.

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Carl Lineu utilizou, na altura, parte do nome que outros autores haviam atribuído a esta planta, cacao, aproveitando-o para criar um novo género, Theobroma, que significa alimento divino.

A palavra deriva de duas gregas, theós, que significa deus, à qual se adicionou broma, que significa alimento. Os gregos, hoje, consomem praticamente o dobro do chocolate que os portugueses ingerem, cerca de quatro quilos por ano.

O cacaueiro, a planta do cacau, apresenta um tipo de floração e frutificação pouco comum. As flores e, depois, os subsequentes frutos nascem no tronco principal ou nos ramos que lhe estão próximos. Este tipo de floração cauliflora também ocorre nas olaias. Após a colheita dos frutos, as sementes são submetidas a um processo fermentativo e oxidativo para desenvolverem o aroma característico do cacau.

Segue-se a secagem, que tem como objetivo diminuir o teor de água. As sementes são, depois, processadas industrialmente. Em geral, esse processo decorre, muitas vezes, nos países consumidores. Apesar de serem muitos os países que produzem chocolate localmente, a Suíça e a Bélgica são dois dos países que melhor souberam tirar partido deste ingrediente, criando uma verdadeira indústria global.

Os factos históricos mais marcantes

O cacau chegou à Europa no início do século XVI, trazido pelos conquistadores espanhóis no seguimento da epopeia dos descobrimentos, mas apenas no século XVII é que este alimento entrou nos circuitos europeus e se tornou verdadeiramente popular. Para responder à crescente procura, estabeleceram-se plantações nas colónias francesas das antigas Índias Ocidentais (Caraíbas) e nas colónias espanholas americanas.

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Nas civilizações pré-colombianas, o cacau era consumido sob a forma de uma bebida, à qual se adicionava piripíri e baunilha. Estas especiarias são nativas da mesma região onde se encontravam os cacaueiros silvestres. Além de se utilizarem na preparação de bebidas, as sementes de cacau também se utilizaram como moeda. Contudo, a expressão popular "ter cacau" não terá tido origem nesta prática da Mesoamérica.

Terá, segundo muitos historiadores nacionais, surgido apenas no final do século XIX, quando as fortunas provenientes do cultivo e do comércio de cacau produzido na colónia portuguesa de São Tomé impressionaram a sociedade lisboeta da altura. Ter cacau, mais do que andar com chocolates nos bolsos, era, então, sinónimo de ter fortuna. Uma conotação popular que ainda hoje permanece.

Do cacau à indústria do chocolate e à famosa semana inglesa

Em 1828, o químico holandês Johannes van Houten inventou uma prensa capaz de separar a manteiga de cacau dos sólidos de cacau. Este último produto, o cacau magro, podia agora ser utilizado num conjunto de produtos novos, entre os quais o chocolate em barra. No final do século XIX, a firma Cadbury’s era a principal indústria britânica de chocolate e era, simultaneamente, propriedade de uma família quaker.

Um grupo protestante conhecido pelo seu pacifismo que tinha preocupações sociais vanguardistas. Foi nesta empresa que se iniciou um novo tipo de horário de trabalho semanal, no qual as tardes de sábado e não apenas o domingo, passaram a ser de descanso e lazer, a famosa semana inglesa. Foi também a Cadbury’s que construiu Bournville, uma vila modelo situada no sul de Birmingham, para alojar os trabalhadores fabris.

A direção da Cadbury’s queria, na altura, demonstrar que um ambiente de trabalho agradável era útil não apenas aos trabalhadores, mas também à empresa e à sociedade. A fábrica possuía vestiários aquecidos, uma cantina, jardins, campos de desporto, creches e serviços médicos. Uma pretensão ousada para os tempos daquela altura, que acabaria também por impulsionar outros empresários a seguir o mesmo caminho.

O cacau de São Tomé e a escravatura

No início do século XX, surgiram rumores de que o cacau proveniente de São Tomé, utilizado na fábrica da Cadbury’s, seria produzido com recurso a escravos trazidos de Angola para São Tomé. Em 1905, quatro anos após as primeiras denúncias, a empresa enviou uma expedição a África para averiguar a situação dos trabalhadores nas roças santomenses. O que encontraram por lá foi muito pior do que aquilo que esperavam.

A expedição regressou em 1907 com depoimentos e registos fotográficos que confirmaram os rumores. Ponderou-se alterar a situação da escravatura em São Tomé através de pressão diplomática dirigida às autoridades de Lisboa mas, na capital portuguesa, vivia-se um clima pouco propício à análise destas questões devido às convulsões políticas causadas pelo governo ditatorial de João Franco.

Uma situação política de descontentamento que contribuiria para o regicídio e para a posterior queda da monarquia constitucional da época. Entretanto, a situação das roças santomenses e da sua ligação à Cadbury’s tornou-se notícia internacional e a empresa deixou de adquirir cacau proveniente da colónia portuguesa. Esta decisão foi tomada não apenas por intrínsecas questões morais, mas também por pressão.

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Os consumidores britânicos e europeus tinham gradualmente adquirido uma consciência social, na qual situações como as que se viviam em São Tomé eram inaceitáveis. Embora a escravatura tenha sido oficialmente abolida, a realidade ainda choca. Nalguns países africanos produtores de cacau, ainda persiste a tragédia do trabalho infantil, usado na colheita e secagem das sementes de cacau.

O Protocolo de Harkin–Engel, assinado em 2001, no âmbito da Organização Mundial do Trabalho, é um acordo internacional que tenta responder a esta situação, que foi denunciada num documentário transmitido na BBC, no ano 2000. A verdade é que, apesar de algumas melhorias, nalgumas zonas daquele território, o problema ainda persiste. A Costa do Marfim é o maior produtor mundial de cacau.

As (muitas) propriedades do cacau

A composição química do cacau inclui polifenóis, que podem auxiliar a prevenção de doenças cardiovasculares, a par de vitamina B1, de ácido fólico e de teobromina, um alcaloide diurético, vasodilatador e estimulante cardíaco. O cacau fornece ainda triptofano, um aminoácido proteico a partir do qual se sintetiza serotonina, um neurotransmissor que proporciona uma sensação de bem-estar.

Ao comprar chocolate, devemos optar por aqueles que contêm teores mais elevados de sólidos de cacau, porque é nestes que se encontram as moléculas, os polifenois, os aminoácidos e a teobromina, entre outros, cujo consumo pode ser benéfico para a saúde. No entanto, é provável que a elevada popularidade do chocolate resida na mistura de açúcar e gordura, a qual é, em geral, muito apreciada pelo organismo humano.

De acordo com a legislação europeia e portuguesa, a lista de ingredientes de um determinado produto industrial deve começar por mencionar o mais abundante, seguindo-se, por ordem decrescente, os restantes. Por esta razão, deveremos preferir chocolates cuja lista de ingredientes se inicie com o cacau, com sólidos de cacau ou cacau magro e não com o açúcar.

A manteiga de cacau

A manteiga de cacau derrete à temperatura do corpo humano, a cerca de 36 °C, razão pela qual é utilizada como excipiente em preparações farmacêuticas e, também, na indústria de cosméticos. A única gordura utilizada nos chocolates de superior qualidade é a manteiga de cacau e não outras, como a margarina e/ou as natas. Os diferentes tipos de chocolate contêm percentagens distintas de sólidos de cacau e de manteiga de cacau.

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Contêm ainda outras gorduras e açúcar, conforme estabelecido na Diretiva Comunitária 2000/36/CE, disponível online. Na Europa e no resto do mundo, têm fama os chocolates produzidos na Bélgica e na Suíça.

Foi na cidade suíça de Vevey que, em 1875, Daniel Peter, em colaboração com Henri Nestlé, criou o popular chocolate de leite, ao adicionar leite em pó à massa de cacau. A partir daí, nasceu um império global.

A confeção de chocolate ocorre em quase todos os países europeus, onde pequenas empresas têm criado novas experiências degustativas e sensoriais que perpetuam a longa história do cacau e da sua relação com os humanos. Portugal não é exceção e, ao longo dos tempos, marcas como a Imperial, a Regina, a Arcádia, só para mencionar algumas, também têm sabido conquistar paladares exigentes, como os nossos.

Texto: Luís Mendonça de Carvalho (diretor do Museu Botânico de IP Beja) e Luis Batista Gonçalves (edição digital)