Em 1932, num artigo científico que escrutinou várias épocas gripais (incluindo a da pandemia), assinalava-se que o acréscimo de mortes que havia ocorrido não era justificado apenas pela gripe, mas também pela ocorrência de eventos cardiovasculares.

Sabemos hoje que a inflamação (entendida em sentido lato) pode relacionar várias doenças que, aparentemente, não têm nada a ver umas com as outras. A aterosclerose, mãe de quase todas as doenças cardiovasculares (DCV) que assolam o mundo, é também ela própria uma doença inflamatória. O colesterol das LDL (conhecido por colesterol mau) é o ingrediente fundamental neste processo inflamatório crónico da parede das artérias (que constitui a aterosclerose) podendo, em concerto com outros ‘ingredientes’ como o tabaco, a hipertensão arterial e a diabetes (para só falar nos que se designam fatores de risco major), levar à eclosão de situações graves como o enfarte do miocárdio (EM), a morte súbita ou o acidente vascular cerebral. Também os vírus podem ter um efeito direto na aterosclerose, participando não só no início, progressão e desestabilização das lesões arteriais (placas ateroscleróticas) e um efeito indireto que assenta na inflamação e na ativação do sistema imunitário, condicionando assim uma maior propensão para a eclosão dos eventos clínicos já descritos.

Há, pois, evidência científica credível que relaciona de forma categórica as infeções respiratórias pelo vírus da influenza com várias DCV como EM, insuficiência cardíaca, arritmias cardíacas e miocardites.

Em Portugal, o estudo BARI, que avaliou o impacto da gripe ao longo de 10 estações gripais, permitiu olhar para a relação entre a gripe e o EM. Verificou-se que os EM têm um pico temporalmente relacionado com o aumento da incidência e dos internamentos por gripe. De facto, os internamentos por EM têm um acréscimo de 20% durante a época gripal, e 1 em cada 4 indivíduos é internado com síndrome gripal e EM no mesmo episódio, sendo que estes indivíduos são habitualmente mais idosos, têm mais doenças associadas e exigem mais cuidados continuados.

A melhor forma de prevenirmos estas complicações cardiovasculares é promovendo a vacinação anti-gripal. Há dados que nos permitem afirmar que a vacinação para a influenza reduz o risco de doenças cardiovasculares entre 11% e 55%, reconhecendo-se que, no âmbito da prevenção, o seu benefício é comparável a outras terapêuticas, como o tratamento do colesterol elevado, da hipertensão arterial ou a cessação tabágica.

Por estas razões, a Sociedade Portuguesa de Cardiologia elaborou um documento onde se aconselham os profissionais envolvidos no seguimento e no tratamento de doentes com patologia cardiovascular enquadrável nas normas citadas pela DGS a recomendarem a todos a vacinação para a gripe e para a pneumonia.

Face a todas estas evidências, não é despropositado afirmar que estas vacinas são as primeiras, de que dispomos, para a prevenção das doenças cardiovasculares.

Um artigo do médico Carlos Rabaçal, especialista em Cardiologia.