Vivemos numa fase de inúmeros desafios, com muitos agentes precipitadores e agravantes em casos de doença mental comum, como a ansiedade, a depressão, o burnout, ou até o risco de suicídio. Temos de ponderar com seriedade uma melhor e mais adequada abordagem preventiva à doença mental, investindo em factores protectores e sensibilizando a população para a importância da forma como lidamos com pessoas com este tipo de patologias.

O papel dos meios de comunicação social é fulcral no combate ao estigma e à agudização deste tipo de problemática. Temos visto retratados muitos casos de doença mental e de suicídio em figuras públicas, sem que este tema seja abordado com a sobriedade e a consideração exigidas. Nestes delicados momentos, é lamentável que não se invista em sensibilizar para a importância da saúde mental, recorrendo simplesmente a especulação maliciosa sobre o escândalo de X ou Y terem depressão ou ansiedade, como se isso estivesse ao abrigo de alguma escolha ou mesmo vergonha, ou mesmo dando tempo de antena a pessoas que alegam que o suicídio não é compreensível, já que a vida não é assim tão má ou, que “poderiam apostar mais em enviar currículos”.

Quando o público está atento, é a altura ideal para os média serem uma ferramenta de ouro para abrir uma conversa honesta, urgente e necessária, sobre a relevância de se apostar na saúde mental e de se oferecer tratamento e cuidados a quem está doente. Portugal está muito aquém de tantos outros países, onde inclusivamente existem dias de saúde mental, que os trabalhadores podem usar para cuidar da sua estabilidade mental, mas posturas destas apenas nos distanciam mais ainda de boas práticas.

Este tipo de doenças pode afetar qualquer pessoa, em qualquer idade ou estrato social, mas sabe-se que a sua prevalência aumenta perante certos fatores de risco. A par desta fase pandémica que atravessamos, resultado de medo, severas perdas, dúvidas e incertezas sobre o futuro, fala-se amiúde sobre a próxima grave preocupação, a crise da saúde mental. Contudo, nem sempre se aposta num alerta de intervenção construtiva, sendo ao invés recorrente, ao assistir a um telejornal, ver entrevistas a pessoas claramente vulneráveis, desorientadas, dissociadas, ou mesmo em pleno surto psicótico. Sem qualquer capacidade de lhe ver imputada a responsabilidade pelo seu discurso, observamos pessoas psicologicamente debilitadas a serem escrutinadas publicamente, sendo depois perpetuado este fado na internet. Estas peças jornalísticas, se assim for adequado designar este tipo de exploração, são frequentemente acompanhadas por uma postura de quem entrevista em tom jocoso, de chacota. Além de colocarem pessoas em total e absoluta fase de descompensação a serem expostas e julgadas em praça pública, ainda adotam uma atitude de desrespeito. Salvaguardo que estas situações são frequentes, ultrapassando, por vezes, a análise e o critério de vários profissionais, antes de verem a luz do dia.

O sensacionalismo, a angariação de audiência ou o lucro, razões pauperrimamente explicadas como argumento válido para este tipo de abuso, além de irem contra as normas pelas quais os média devem honrar o seu trabalho, não podem justificar estas situações limite. Consultando o Estatuto do Jornalista, está explicitado que o jornalista deve “abster-se de recolher declarações ou imagens que atinjam a dignidade das pessoas através da exploração da sua vulnerabilidade psicológica, emocional ou física”, o que é claro o suficiente para que não haja lugar a explicação plausível para o tipo de peças que desrespeitam em absoluto estas diretrizes. A relevância de cumprir estes passos reside, se não no respeito ao próximo e no brio pela profissão, nas consequências gravosas possíveis para a exploração de uma pessoa sem saúde mental. Estes casos, que originam tanto bruaá em quem observa, tantas vezes transformando-se em vídeos virais, pela possível bizarria da situação, podem ter como resultado a que a pessoa que se viu partilhada e gozada, não saiba lidar emocionalmente com essa situação, vendo o seu quadro clínico agravar-se ou mesmo terminar tragicamente em suicídio. Devemos refletir sobre o que representa estar a expor uma pessoa que, de forma explícita e clara, não se apresenta capaz e compensada psicologicamente para discursar ou ser entrevistada.

Temos acompanhado um crescente interesse sobre a saúde mental, sem necessariamente implicar uma saudável consciencialização sobre a mesma. A prevenção passa por aumentar o conhecimento público sobre doença mental e por saber como podemos intervir ao nível de reduzir o risco do seu aparecimento, com hábitos saudáveis, bem como de gerir o máximo possível de fatores ansiogénicos. É imprescindível estar alerta e ciente sobre o que representa uma doença mental, de modo a, atempadamente, procurar ajuda profissional ou a reencaminhar alguém próximo em quem se identifique essa necessidade.

Destaco ainda, do Código Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, a clarificação de que “o jornalista deve recusar as práticas jornalísticas que violentem a sua consciência” e lanço a questão, sobre se valorizar a saúde mental, que não está garantida em nenhum de nós, não representará o esteio dessa essencial máxima.

Por Isabel Filipe, Psicóloga Clínica e autora do blogue Agir e Sentir.