HealthNews (HN) – O que o motivou, enquanto médico, a escrever uma peça de teatro sobre a Doença de Alzheimer?

João Lopes Dias (JLD) – A criação deste espetáculo surgiu de uma ideia original da encenadora Carla Vasconcelos, que me convidou a escrever o texto. A motivação nasceu da cumplicidade artística que tenho com a equipa criativa e da observação constante do impacto profundo que a Doença de Alzheimer tem na vida das pessoas — não apenas nos doentes, mas também nas suas famílias. Como médico, sou conhecedor dos aspetos clínicos da doença, mas há uma dimensão emocional, relacional e até existencial que pude vivenciar em contexto familiar durante mais de uma década. A escrita surgiu como uma forma de dar voz a essa realidade mais íntima de pacientes e cuidadores e de quem os rodeia. Quis criar um espaço onde a memória, o afeto e a vulnerabilidade pudessem ser olhados de frente, com empatia, mas sem moralismos.

HN – Como é que a peça “O Amor Não Se Esquece, Afonso” reflete as experiências reais de doentes e famílias que se acompanham no Hospital Lusíadas Monsanto?

JLD – O espetáculo é profundamente inspirado na minha história pessoal. Com esse ponto de partida, pretende ser uma homenagem às famílias que, todos os dias, enfrentam esta doença com coragem, resiliência e amor. Maria, Frederico e Guilherme são personagens fictícias, mas os seus dilemas, as suas dores e os seus afetos são reais. É, no fundo, uma tentativa de tornar visível aquilo que muitas vezes é vivido na esfera privada, com grande sacrifício e entrega.

HN – De que forma acredita que a arte pode ajudar a combater o estigma associado às doenças neurocognitivas?

JLD – A arte tem uma capacidade única de tocar as pessoas, de amplificar mensagens, de criar empatia e de abrir espaço para diálogos que nem sempre são fáceis. Ao colocar uma história como esta num palco, conseguimos aproximar o público de uma realidade muitas vezes invisível ou mal compreendida. No fundo, a ideia será utilizar o teatro como veículo de humanização da doença, desfazendo preconceitos e convidando à reflexão.

HN – Quais são os maiores desafios que os doentes com Alzheimer e as suas famílias enfrentam, na sua experiência clínica?

JLD – Eu sou radiologista e tenho um contacto clínico ligeiro com esta doença em particular. Diria, contudo, que os maiores desafios se prendem com o forte impacto na perda de qualidade de vida da pessoa, assim como com a componente emocional sentida por aqueles que são mais próximos desta realidade. A Doença de Alzheimer é uma patologia que vai, aos poucos, retirando a autonomia, a identidade e a ligação ao mundo. Para os doentes, esse processo pode ser confuso e angustiante. Para as famílias, é emocionalmente devastador assistir à transformação de alguém que amam profundamente – e isto posso garantir até mesmo pela minha experiência familiar. A grande luta das famílias é lidar com essa perda progressiva e manter, ao mesmo tempo, uma relação de afeto, dignidade e cuidado. Acrescem a isso o cansaço dos cuidadores, o isolamento, e a falta de recursos ou conhecimento sobre como lidar com situações concretas do dia a dia. Tudo isto torna essencial que se fale, se entenda e se apoie mais estas famílias.

HN – Que mensagem principal espera que o público retire desta peça?

JLD – Espero que o público leve consigo a ideia de que, mesmo quando a memória falha, o amor permanece. Ao mesmo tempo, espero que cada um dos espectadores possa compreender que a Doença de Alzheimer não apaga repentinamente a pessoa — apenas a desafia a comunicar e a existir de outras formas. E, acima de tudo, que se sinta tocado pela urgência de olhar para estas doenças com mais empatia, menos medo e maior responsabilidade coletiva. Pelo feedback que temos recebido diariamente, estas mensagem têm sido bem transmitidas.

HN – Qual tem sido a reação do público, e que impacto espera que a peça tenha durante a sua exibição no Teatro Municipal Mirita Casimiro?

JLD – A resposta do público não poderia ter sido melhor. Temos sentido não só uma forte comoção com a história, mas também uma profunda consciencialização para uma realidade que, apesar de infelizmente estar cada vez mais presente na sociedade, ainda é pouco compreendida na sua totalidade. A nossa intenção sempre foi a de tocar as pessoas, criar empatia e abrir espaço para conversas difíceis — mas necessárias — sobre a Doença de Alzheimer. Se conseguirmos, com esta peça, ajudar a quebrar o estigma e trazer mais compreensão às famílias que vivem esta realidade, já será um grande passo.

HealthNews

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