O Ano Novo é, muitas vezes, uma oportunidade para assinalar o final de um ciclo, frequentemente marcado por eventos desagradáveis ou pela perspetiva de mudança em busca de algo melhor. Comummente, fazer dieta ou perder de peso, fazer mais exercício, deixar de fumar, dedicar menos tempo ao telemóvel ou às tecnologias em geral, cortar nos gastos ou fazer poupanças, dedicar mais tempo a amigos e família, viajar e/ou ler mais são alguns dos objetivos que assumem ou reassumem um papel de destaque nas nossas vidas. Assim, esperamos que com as badaladas da meia-noite do dia 1 seja feita magia, tal e qual um conto de fadas, e tornamo-nos pessoas completamente diferentes, solidamente a caminhar na direção dos objetivos que acompanham as resoluções de Ano Novo e que, inevitavelmente, serão atingidos.

Infelizmente, esta não é a realidade. A pressão e as expectativas que acompanham as nossas resoluções podem ser grandes, assim como os danos daí resultantes. Tendemos a ver os objetivos como se fossem uma meta temporalmente definida, no final de um caminho linear, descurando as irregularidades do trajeto ou os insucessos que acompanham os sucessos. Mas na nossa vida existe pouca linearidade e, quando existe, não é um bom sinal.

Naturalmente, existem diversas estratégias que nos permitem atingir os objetivos, mas talvez uma das mais importantes e, por vezes, complexa, seja a própria definição dos mesmos. Definir ou redefinir um objetivo implica avaliar ou reavaliar as situações e projetá-las no tempo, contudo, o primeiro passo deverá ser questionar-se. Porquê este objetivo? O que terei de fazer mais e fazer menos para o atingir? O que me motiva a persegui-lo? E neste conjunto de questões, sejam relativas à definição ou ao planeamento do objetivo, a motivação desempenha um papel fundamental.

Se as resoluções de Ano Novo resultarem de algum tipo de pressão social em que a motivação resulta da validação externa e não de algo que venha do fundo do nosso coração, completamente conectado e alinhado com os nossos valores, teremos grandes dificuldades em alimentar a nossa auto-estima de maneira significativa e, consequentemente, em perseverar no caminho do objetivo. Não que a validação externa não seja útil ou importante, mas tende a ser insuficiente e poderá não ser consistente com os nossos valores. Como tal, não deverá ocupar uma posição de destaque. Assim, beneficiamos claramente se o foco incidir no nosso valor e nas nossas capacidades de superação e de adaptação.

Por outro lado, a própria definição de objetivos, requer que sejamos realistas, caso contrário, podemos facilmente desmotivar e acabar por desistir, com tudo de negativo que possa acarretar. Portanto, estabelecer objetivos pessoais e individualizados, passíveis de serem atingidos e tendo em conta as nossas metas e aspirações, aumenta a probabilidade de sucesso face a, por exemplo, objetivos definidos por comparação e com base na nossa percepção daquilo que é a vida e o sucesso dos outros.

No mesmo sentido, os objetivos estabelecidos nas resoluções de Ano Novo beneficiam de um planeamento que permita estabelecer etapas, ou seja, criar pequenos objetivos intermédios, preferencialmente incluídos nas nossas rotinas diárias, em que nos possamos focar e canalizar os nossos esforços para algo mais concreto e fácil de atingir, que reduza a dispersão e o desgaste que vários objetivos enormes possam provocar, e que nos motive e possibilite uma melhor aproximação do obejetivo final… Um passo de cada vez. Ainda, cada etapa atingida, permite-nos reavaliar os nossos objectivos, de maneira a melhor se enquadrarem na nossa vida.

Contudo, todo o planeamento e esforço pode não resultar em sucesso. Certamente, iremos passar por momentos de maior dificuldade ou fraqueza, sofrer contratempos e falhar alguns objetivos, total ou parcialmente. Nestes momentos, deveremos ser compreensivos connosco e ter compaixão por nós próprios. Podem ser momentos importantes para reavaliar estratégias e promover algumas alterações que permitam voltarmos o mais depressa possível ao nosso caminho na direcção daquilo que definimos.

O facto de o planeta dar uma volta ao Sol, não nos torna seres diferentes. Essa mudança depende de nós próprios, dos nossos esforços e das nossas conquistas. Podemos apreciar esta viagem na sua plenitude, o que implica sucessos e insucessos, mas que nos vai enriquecendo e aproximando, dia após dia, um pequeno passo de cada vez, dos nossos objetivos e de uma melhor versão de nós próprios.

João Ferreira da Silva - Psicólogo clínico