Em 2014, o jovem André Leonardo fez a mochila e partiu mundo fora. A viagem levou o açoriano, nascido na Ilha Terceira, a 23 países em vários continentes. No roteiro de intenções do viajante, o de encontrar em diferentes geografias homens e mulheres que fazem o mundo acontecer. Em comum a todos estes negócios, o facto de nascerem à escala local e de trazerem histórias de resiliência e perseverança.

Seis anos volvidos, o professor do ISCTE voltou à estrada. Desta feita, André fez caminho dentro do retângulo português e ilhas. O resultado do seu encontro com o empreendedorismo nacional nasceu o livro “Faz Acontecer - Portugal” (edição Oficina do Livro).

Nas páginas da sua segunda obra não vamos encontrar apenas um mundo de startups tecnológicas. Há mar, agricultura, ecologia, alojamento local, restauração; alfaces em Rio Maior, tatuagens em Viseu, uma barbearia na Ilha Terceira e voluntariado em Lisboa. Dez histórias no feminino e masculino de pessoas que partilham com o autor o mesmo aforismo: “se ficarmos sentados a aguardar que o país e o mundo nos convidem a fazer o que quer que seja, a vida passa”.

Entre as muitas lições que o mundo “entregou” ao autor e docente, fica a que recebeu de um empreendedor norte-americano: errar não faz do individuo “um falhado”, antes mais próximo de alcançar o objetivo numa próxima tentativa. De acordo com André Leonardo, “nesta perspetiva, falhar no mundo dos negócios faz parte do processo”.  Contudo, como nos recorda, “para fazer acontecer é preciso estratégia, know-how e capacidade para nos adaptarmos às mudanças e transformarmos um momento difícil numa história de sucesso”.

O André Leonardo foi eleito em 2016 como um dos “sete jovens que estão a transformar o mundo”. É um reconhecimento de peso. Que caminho gostaria que levasse o mundo que está a ajudar a transformar?

Quando recebi este prémio pensei que um amigo estava a brincar comigo. Quando percebi que era verdade, parei para pensar e, no fundo, o que sinto é que estou a fazer coisas de que gosto muito e faço-o porque acredito que podem trazer um impacto positivo para o meu país e comunidade. Se isso é mudar o mundo, então, talvez não seja preciso fazer muito para o mudar. Basta fazermos o que nos apaixona e colocar alma nas coisas. E, talvez, seja por aqui que gostava de ver o mundo a caminhar: de alguma forma, um mundo que age mais com o coração, com mais empatia, responsabilidade e consciência.

André Leonardo fez a mochila e partiu país fora à procura das histórias dos nossos fazedores
Em palco, André Leonardo motiva para o empreendedorismo. créditos: Faz Acontecer

Visitou 23 países em busca de empreendedores. Estávamos em 2014. Passaram seis anos, distanciou-se emocionalmente de uma viagem que foi dura. Tendo hoje de fazer uma síntese dessas semanas o que nos diria?

A volta ao mundo foi um ano duro, sozinho, com uma câmara de filmar e mochila às costas a falar com pessoas inspiradoras, que não desistem e que fazem acontecer. Na época, era um miúdo dos Açores que estudava em Lisboa, tinha a namorada no Porto e tinha ido a duas queimas das fitas a Coimbra. Sair para uma aventura destas, com um orçamento estupidamente baixo, foi uma loucura que me obrigou a dormir muitas vezes em estações de comboios, autocarros, aeroportos, procurar grupos de couchsurfing e até a dormir na rua. Comi mais vezes atum em lata do que as que gostaria, emagreci quase dez quilos durante a viagem, fui assaltado e passei por sustos que nunca contei a ninguém. Curiosamente, repetia tudo.

Todos os sacrifícios que passei foram a ponte para ver o mundo como ele realmente é, sem filtros, e para me levar a conhecer empreendedores inspiradores desde os bairros tecnológicos de Tóquio ou Silicon Valley, até aos bairros de lata no Quénia. Aprendizagens e memórias para a vida com gente que me demonstrou que independentemente do teu ponto de partida e das tuas condições, com as decisões certas, muita paixão, trabalho e estratégia, é possível fazeres acontecer aquilo a que te propões. Foi uma aventura inspiradora.

Regressar a Portugal, depois de um ano onde diariamente conhecia gente nova, aprendia com gente inspiradora que não desiste, foi - para ser simpático - duríssimo

O André é um motivador, mas também teve de percorrer o seu caminho, física e emocionalmente. Também se sentiu frustrado. Porquê?

Não sei se sou inspirador ou não, mas humano sou. E como qualquer humano, tenho os meus altos e baixos. A vida é feita disso. Quem disser que a sua vida são só rosas ou é um sortudo ou então é mentiroso. Não podemos é deixar que os momentos menos bons nos definam e, de facto, quando cheguei da volta ao mundo vinha cheio de inspiração, mas aos poucos fui-me “afogando” num mar de anseios.

Olhando em retrospetiva, acredito que me preparei para dar a volta ao mundo, mas não me preparei para voltar a casa. Regressar a Portugal depois de um ano onde diariamente conhecia gente nova, aprendia com gente inspiradora que não desiste, foi - para ser simpático - duríssimo. Passei por algo que muitos atletas que vão aos jogos olímpicos passam. Depois de um propósito e objetivos tão fortes, parecia que a minha alma tinha perdido o sentido. Sentia-me incompreendido e completamente deslocado do contexto que me rodeava. E atenção, o contexto estava exatamente igual, eu é que tinha mudado. Invadiu-me um vazio, próprio de quem não sabe o que vem aí, nem o que quer. Aliás, nada que pudesse imaginar fazer me preenchia. Certo dia e numa busca desesperada por uma luz, decidi comprar umas botas, comprei um bilhete de avião e fui fazer o Caminho de Santiago. Que decisão.

Tendo viajado pelo mundo à procura de boas ideias de negócios, publica agora um livro inspirado em fazedores nacionais. Não raro, diz-se que somos pouco empreendedores. Tendo esta experiência internacional por comparação o que nos pode dizer?

Ser empreendedor é fazer acontecer, é uma atitude, uma forma de estar. Não é (só) criar negócios, até porque podemos ser intraempreendedores, fazendo acontecer e criando valor dentro de uma organização. Dito isto, tenho conhecido gente que faz acontecer em todas as realidades por onde tenho passado. E Portugal não é exceção.

Noto nos jovens a quem dou aulas na universidade que estes estão mais despertos para o empreendedorismo como solução de carreira, estão mais propensos a aceitar o risco e a dar o passo. Adicionalmente, a comunidade empreendedora tem aumentado a cada esquina. Poucas serão as cidades que não têm incubadoras e/ou organização eventos sobre a temática. Para dar um breve exemplo, em determinadas partes de África e Sudoeste Asiático, realidades mais desafiantes, ser empreendedor não é uma opção pois em muitos casos é mesmo uma obrigação e questão de sobrevivência - “ou fazemos ou fazemos, se não fizermos não comemos”, como me disseram no Quénia. Ali, não há tempo para grandes benchmarks, análises SWOT e definir KPI’s. Ali, entre a ideia e a ação é um milésimo de segundo.

faz acontecer
Luís Salmin na sua exploração de alfaces em Rio Maior créditos: Faz Acontecer/Oficina do Livro

André, este seu mundo português de fazedores não é o das startups tecnológicas. Há mar, agricultura, ecologia, alojamento local, restauração. Menosprezamos estes “acontecedores” para nos deslumbrarmos com o digital?

Não querendo fugir à pergunta, diria que, pelo menos, parece-me que esta gente que tem mantido o país de pé em sectores talvez mais tradicionais tem tido menos palco. Compreendo que seja mais sexy fazer eventos tecnológicos para milhares de pessoas, mas não nos esqueçamos dos territórios de média e baixa densidade - que constituem uma enorme percentagem do nosso país - com gente trabalhadora, que não se resigna, que mantém as suas vilas e cidades vivas, empregando população e criando valor. Sem eles, por exemplo, os fenómenos da desertificação seriam ainda mais catastróficos. Felizmente para nós, Portugal tem empreendedores absolutamente fantásticos um pouco por todo o lado e que se têm tornado modelos a seguir por todos. Num momento delicado como este que Portugal e o mundo atravessam o meu livro dá precisamente a conhecer algumas das pessoas mais inspiradoras que conheci e que demonstram que onde quer que nós estejamos, caso exista vontade, alma e estratégia é possível fazer acontecer Portugal.

Compreendo que seja mais sexy fazer eventos tecnológicos para milhares de pessoas, mas não nos esqueçamos dos territórios de média e baixa densidade

Porque nos diz que o seu novo livro não é para CEO e empreendedores? Um fazedor não é um empreendedor? ou encontra outro sentido nesta palavra…

Eu acredito que o livro é para todos os que querem mais na e da vida, independentemente da sua idade, nível de escolaridade, profissão, posição e estágio. É para todos os que querem fazer acontecer.

O Leonardo adverte, a abrir o seu livro, que não se trata apenas de uma compilação de narrativas de pessoas que perseguem um sonho, também um kit de ferramentas para fazer acontecer. Sucintamente, que ferramentas temos de guardar nesta caixa?

Para além de histórias inspiradoras, partilho uma série de lemas que as pessoas que fazem acontecer utilizam. São formas de ver a vida que acredito que ajudarão os leitores a estarem mais próximos de atingir aquilo a que se propõem. Adicionalmente, e ao longo dos anos, fui criando e aprimorando aquilo a que chamo o “Modelo Faz Acontecer”. E fi-lo, confesso, primeiramente para mim. Trata-se de um esquema verdadeiramente simples, mas que se tem revelado poderoso e que utilizo sempre que estou a “magicar” algo novo. Permite refletir sobre quem somos, definir para onde queremos ir enquanto indivíduos identificando claramente o que nos faz sentido, definir objetivos e, por fim, criar um plano claro que nos mostre a cada momento onde estamos e para onde ir. Já o ensinei a milhares de pessoas nas minhas formações e palestras com resultados muito giros. Este modelo está também explicado no livro passo a passo para que sirva de apoio a todos aqueles que querem fazer acontecer.

André Leonardo fez a mochila e partiu país fora à procura das histórias dos nossos fazedores
Em 2020, André lançou o seu segundo livro, "Faz Acontecer - Portugal". créditos: Faz Acontecer/Oficina do Livro

De pouco vale termos as ferramentas se não as usamos. Vivemos num país que nos convida a usar as ferramentas?

Bem, essa é uma pergunta complexa a que prefiro dar uma resposta algo simples. Eu acredito - e comprovado pelas diversas histórias que estão no livro - que nos compete a nós ir atrás daquilo que queremos. Claro que o contexto nos condiciona e pode ajudar mais ou menos, mas a responsabilidade, acredito eu, está em nós. Temos de querer direitos, mas também de não esquecer os nossos deveres. E, para fazer acontecer, ser pró-ativos, é preciso a cada problema que nos aparece, encontrar ativamente uma solução. Se ficarmos sentados à espera de que o país e o mundo nos convidem a fazer o que quer que seja, a vida passa. E eu pessoalmente quero aproveitar o tempo que cá estou para fazer as coisas que me apaixonam. Julgo que teremos mais resultados se chamarmos a cada um de nós a responsabilidade do que queremos atingir.

Se ficarmos sentados à espera de que o país e o mundo nos convidem a fazer o que quer que seja, a vida passa.

O ensino em Portugal capacita-nos e estimula-nos a tornarmo-nos empreendedores?

Há, claramente, espaço para melhorar, especialmente no ensino dos soft skills que são precisamente aquilo que nos estimula a ser empreendedores. Competências pessoais, interpessoais e instrumentais, são algo que tem sido deixado um pouco ao acaso e à capacidade dos educadores de estimularem ou não estas competências. Ora, parece-me que sendo estas características, pelo menos, tão importantes para o futuro dos jovens como os hard skills, acredito existir aqui uma falha. Por isso mesmo, criei a Academia Faz Acontecer, projeto de ensino não formal para jovens do ensino secundário que desenvolve competências pessoais e profissionais que, certamente, os farão distinguir-se no futuro. Temos vindo a aperfeiçoar a metodologia de ensino e a expandir a Academia para localizações como Cascais, Sabugal, Chamusca ou Açores. Temos tido resultados entusiasmantes.

Inclui dez histórias no seu livro. Relatos vividos, recolhidos na primeira pessoa. Quer, sucintamente, apresentar-nos os “seus” fazedores?

Todas as dez histórias que aqui estão são altamente inspiradoras e todas elas me marcaram por alguma razão. Afinal, todos eles me fazem acreditar que se eles conseguem, qualquer um de nós consegue, assim haja esforço, trabalho e dedicação.

Contar, por exemplo, a história do Luís Salmin que, até aos 18 anos, não queria estudar, antes sair à noite e estar com amigos. O pai ameaçou-o com a rua se não estudasse. O Luís inscreveu-se num curso profissional de agricultura apenas para se “acalmar”. Usou uns terrenos da família para um trabalho escolar onde plantou alfaces. Ganhou o gosto e hoje é um dos maiores produtores de alfaces e melão em Portugal. Fatura mais de dez milhões de euros por ano e emprega dezenas de pessoas em Rio Maior. Era alguém que tinha uma base de arranque muito desafiante, mas que demonstra que o que temos na vida não depende das nossas condições, mas sim das nossas decisões.

Competências pessoais, interpessoais e instrumentais, são algo que tem sido deixado um pouco ao acaso e à capacidade dos educadores de estimularem ou não estas competências.

Há negócios fadados a falharem, nos quais não deveríamos apostar?

Acredito que os erros fazem parte do processo. Sobre este assunto, recordo-me sempre de uma conversa que tive nos Estados Unidos, em Silicon Valley, com Bill Reichert, empreendedor em série, que, entre vários altos e baixos e empresas, deu início em 1998 à Garage Technology Ventures. Nos EUA, errar é visto de uma forma completamente diferente. Quando alguém erra efetivamente, esse empreendedor não é visto como alguém que “não sabe fazer nada”, que “não percebe nada do assunto” ou que é “um falhado”, o pensamento é precisamente o inverso, e passo a citar o que o Bill me disse: "aqui o que pensamos é que ele quase que conseguiu! Esteve perto e será agora mais experiente e estará mais próximo de conseguir numa próxima vez. Especialmente muito mais, do que alguém que nunca tentou!". Dito isto, falhar no mundo dos negócios faz parte do processo. Questão diferente relaciona-se com o tipo de erros que se podem cometer. Para fazer acontecer é preciso ter atitude e vontade, sim, mas também é preciso estratégia e know-how. Sem isso, a probabilidade de se errar em temas relativamente simples é grande. São erros que podem ser evitados.

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João Rocha e a sua barbearia na Ilha Terceira, Açores. créditos: Faz Acontecer/Oficina do Livro

Em sentido inverso, há negócios infalíveis, ou pessoas que conseguem fazer da adversidade uma história de sucesso?

Não há negócios infalíveis porque existem sempre fatores que não controlamos. Veja-se por exemplo, a COVID-19 que, de forma inesperada, altera por completo os comportamentos humanos, as necessidades e, em consequência, toda a economia. O que existe sim - e alguém que faz acontecer tem isso - é a capacidade para nos adaptarmos às mudanças e transformarmos um momento difícil numa história de sucesso. Isso sim.

Fazer acontecer é preciso ter atitude e vontade, sim, mas também é preciso estratégia e know-how.

Em relação à pergunta anterior, caso a resposta seja afirmativa, pode dar-nos um exemplo?

O João Correia, empreendedor que incluí no meu livro e que fundou uma das únicas empresas do mundo especializadas no transporte de animais marinhos vivos, necessitava na sua atividade de luvas, máscaras e outro material de proteção individual. Com a redução abrupta de atividade da empresa e em simultâneo com a população portuguesa a procurar material de proteção, o João adaptou-se, utilizou os seus contactos com fornecedores já estabelecidos e o seu conhecimento logístico para abrir um setor de negócio na empresa de venda de material de proteção individual. Fá-lo chegar a bons preços e de forma rápida aos seus clientes. Como dizia Darwin, “não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças".

O Leonardo já tem a mochila preparada para uma nova jornada?

Tenho sempre. Sabe que nesta coisa que é a vida, gosto de me dedicar àquilo que acredito valer o meu tempo. Hoje dou aulas de Empreendedorismo no ISCTE-IUL, mas a volta ao mundo acabou por gerar muitos “sonhos”, pelo que tenho neste momento duas grandes aventuras [empresas]. A Faz Acontecer, que procura inspirar e capacitar todos aqueles que querem fazer acontecer e a Academia Faz Acontecer, com muita formação corporativa em Portugal e no estrangeiro. Temos um programa de televisão que dá a conhecer gente que faz acontecer.

Para além disso, e como na volta ao mundo fui recebido por muita gente, sempre tive o sonho de um dia ter na minha terra um espaço diferenciado para receber viajantes que, tal como eu, andam a conhecer o mundo. Depois de juntar os recursos necessários, encontrar “o” lugar, idealizar todos os pormenores e passar pelo processo de obra, estou só a aguardar os licenciamentos para abrir o “Mid-Atlantic Hostel”. Trata-se de um hostel boutique com uma vista magnifica para a baía de Angra. Estou muito contente por depois de ter ido ao mundo, trazer agora o mundo de volta a casa.