Captar a vida nos apartamentos do emblemático edifício nova-iorquino - onde já viveram figuras como Bob Dylan, Patti Smith, Dylan Thomas, Janis Joplin - despertou o interesse da fotógrafa e professora na Universidade de Nova Iorque, a ponto de criar livros sobre o tema, como “15 Anos Chelsea Hotel”.

Ao longo dos anos, fotografou as vivências individuais dos amigos e vizinhos, residentes e ocasionais, ela própria residente no quarto 1008, o mesmo onde o escritor e inventor Arthur C. Clarke escreveu o romance de ficção científica "2001 Odisseia no Espaço", no início dos anos 1950, que o realizador Stanley Kubrick viria a transpor para filme.

Em entrevista à agência Lusa, Rita Barros falou da "luta violenta" para manter a sua casa, depois dos novos donos terem comprado o hotel residencial em 2007, e tentado expulsar os inquilinos para o remodelar a partir de 2011.

"Foi uma luta muito feia. Eu e outros conseguimos ficar, muitos não. O prédio foi renovado, e é outra realidade que não tem nada a ver com aquela que eu conheci muito bem. Continuo a ter a minha casa, e essa parte é muito importante. Poder manter este espaço privado, em que se fecha a porta e nos sentimos protegidos pelas paredes", descreveu a artista, contactada por telefone.

Os novos donos adotaram "uma política de pôr tudo na rua", disse Rita Barros, que lutou até este ano, nos tribunais, pela sua casa, tal como os vizinhos, cujas histórias acompanhou. A sua é uma história vitoriosa, mas não a de muitos outros.

"Está a acontecer por todo o mundo. Portanto, a história repete-se. Eu tive a sorte de estar rodeada de pessoas que me apoiaram. Sozinha não conseguia. Não teria capacidade de lidar com a maldade diária e constante. Consegui sobreviver a isto tudo", disse a artista, que este verão foi selecionada para expor no Royal Academy Summer Show, em Londres, onde apresentou trípticos sobre o tema de recontextualizar a ideia da casa através das paredes.

"Ouvi histórias horríveis de pessoas imigrantes que não perceberam a situação e saíram, não resistiram ao assédio", relatou, acrescentando que foi fazendo em imagens que colocava na rede social Facebook, um género de diário do que ía acontecendo. Um relato de forma direta ou mais metafórica, acabando por criar séries de imagens que usou em tribunal.

Rita Barros documentou todo o processo: "Apresentei as fotografias em tribunal como prova de que não era mentira e que tudo aquilo estava a acontecer".

"Há essa função fantástica da fotografia, de estabelecer os factos", que usou em seu favor, a partir do momento em que sentiu que estava a "lidar com o ser humano no seu pior".

"Mentalmente também foi muito bom, ajudou-me", disse à Lusa. "Eu fiz fotografias que têm a ver com essa luta, até emocional, de tentar entender o que se está a passar, o absurdo das situações, o partirem-me as paredes. A fotografia, nesse sentido, é muito boa porque ajuda emocionalmente a lidar com o que se tem de enfrentar", recordou a fotógrafa nascida em Lisboa, em 1957.

Em novembro, a Imprensa Nacional lançou um livro dedicado à sua obra – inserido na Coleção Ph, sobre a fotografia portuguesa contemporânea - que percorre o trabalho da autora desde os anos 1980 até à atualidade, e inclui algumas das séries consideradas icónicas, como “The last cigarette” (2004) e “Presence of Absence” (2005-2006), e outras inéditas como “Flowers” (2023).

"Sempre vi [o mundo] através da imagem fixa. Fotografia é algo que eu tenho no sangue, ou nos olhos. E é uma maneira de ver o mundo, de perceber o mundo, e entra em diferentes projetos e dinâmicas", afirmou à Lusa.

Rita Barros - cuja primeira exposição se realizou em 1987 no PS1 Contemporary Arts Center em Nova Iorque, e que possui um arquivo de paisagens urbanas e retratos de escritores, músicos e artistas, representado pela Getty Images, regularmente publicado internacionalmente em jornais e revistas - tem acompanhado as mudanças globais, e os seus projetos mostram "uma fotografia muito vivida, não conceptual".

"A minha fotografia é muito mais uma vivência, e retrata situações que estou a pensar ou a elaborar, a procurar solução para problemas. É a perspetiva de quem vê. Isso é importante e vai mudando, com o que vai acontecendo", descreveu, apontando que teve a sorte de ter pessoas à sua volta que a apoiaram, porque acreditam no seu trabalho.

A série "Room 1008: The Last Days" foi exibida em 2021 numa exposição no Centro Cultural de Cascais, organizada pela Fundação D. Luís I e a Câmara Municipal de Cascais, no âmbito da programação do Bairro dos Museus.

Fotografias de plásticos a cobrir mesas e cadeiras, objetos pessoais retirados dos lugares habituais, livros empacotados, mostram a melancolia de uma despedida da forma original de um edifício centenário que acolheu vidas de famosos e desconhecidos que por ali passaram ao longo de décadas.

Nessa mostra também foram exibidos um livro de artista de 12 metros que ocupou duas paredes, e um conjunto de pequenos vídeos realizados durante dois anos de confinamentos em Nova Iorque, onde conseguiu sair de casa para filmar esse ambiente.

Questionada sobre novos projetos, agora que deu por vencida a luta para manter a sua casa, Rita Barros disse que está a ser ponderada uma exposição dos seus livros de artista, numa seleção dos 80 que criou ao longo de vinte anos, e dos quais apenas expôs alguns, pontualmente.

"São títulos únicos e sobre cada um há edições de três ou quatro ou seis, vai variando. Geralmente guardo uma cópia, mas são todos originais, feitos à mão, têm todos fotografias coladas, não são cópias impressas. Por serem feitos à mão, há sempre pequenos erros, e eu gosto desses pormenores, de não serem completamente perfeitos. O erro faz parte de fazer as coisas à mão. Eu gosto disso", apontou a fotógrafa que tem um mestrado em "Art in Media: Studio Art" pela Universidade de Nova Iorque/Centro Internacional de Fotografia, onde é professora.

A sua obra tem sido exposta regularmente em várias mostras e instituições como a Fundação Eugénio de Almeida, em Évora, a Cadeia da Relação do Porto, os Encontros de Fotografia de Coimbra, o Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, no Brasil, o Museu de Serralves, a Royal Academy of Arts em Londres, e o Museu de Arte Contemporânea de Madrid, entre outras instituições.

Sobre a sua ligação a Portugal, disse que continua a ser forte e constante, porque passa cerca de três a quatro meses por ano no país de origem, sobretudo em Lisboa: "Eu sinto-me uma pessoa dos dois lados, mas acabo por estar mais em Nova Iorque porque dou aulas. Tenho dupla nacionalidade. Sempre tive muito contacto com Portugal. É uma riqueza ter essa liberdade", avaliou.

Relativamente à cena das artes visuais, Rita Barros considera que "há fotógrafos excelentes e imenso talento em Portugal, com muitos pequenos eventos ligados à fotografia, exposições em vários espaços e uma atividade que fascina sempre, sobretudo em Lisboa, que é muitas vezes feita com muito poucos meios".

"Em Nova Iorque não há essa energia de querer fazer e mostrar, mesmo não havendo muito dinheiro. Aqui [Nova Iorque] há toda uma estrutura muito mais comercial, porque é um grande centro de troca, de venda, de luxo, de publicidade, e é o que mais importa aqui. Há menos esse lado genuíno. São atitudes diferentes em relação ao que se mostra e como", disse a fotógrafa que mostrou pela primeira vez imagens da série "Room 1008" no Porto 2001, Capital Europeia da Cultura.

Sobre a fotografia a nível global, considera que agora "existe quase em função do Instagram e das redes sociais, e perde-se muito com esse lado, porque é quase tudo cópia da cópia".

"São poucos os que conseguem fazer algo original. A maioria acaba por fazer o mesmo do mesmo. Há as possibilidades do telemóvel, muita banalização da imagem, e todos acabam por fazer a mesma coisa. É como ter-se um écran branco. O centro da imagem acaba sempre por ser a compra e venda de alguma coisa de algum 'influencer'", lamentou.

O Wilfredo Lam Contemporary Art Museum, em Havana, Cuba, Photo Espanha, Museu de Arte Contemporanea de Madrid, Paris Photo, Fundação Gulbenkian em Paris, são outros locais onde Rita Barros tem exposto, estando representada em várias coleções de arte portuguesas e estrangeiras, como as do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Coleção do Novo Banco, do Centro Português de Fotografia e da New York Public Library.