Dei por mim a refletir na postura que os profissionais forenses devem ter pelo cidadão que é parte num processo judicial no decurso de uma audiência de discussão e julgamento. Será que devemos considerar adequado que um advogado, um magistrado do Ministério Público ou um Juiz de Direito expresse as suas emoções durante uma audiência e, em particular, na presença das partes envolvidas?!

Esta questão ganha ainda maior relevância quando se está a discutir qual o regime a definir quanto ao exercício da parentalidade em que os dois progenitores lutam por ficar com a residência dos filhos menores, mas um deles está acusado de crimes de violência doméstica em relação aos filhos e em relação ao outro/a progenitor/a dos mesmos.

Imaginemos que a determinada altura é questionada a uma testemunha a reação percecionada num dos filhos menores perante um momento supostamente aprazível vivenciado com o progenitor agressor -acusado de violência doméstica- e que a testemunha diz que a criança ficou aparentemente contente, mas não contou à mãe.

Imaginemos ainda que como comentário solto que se ouve nesse julgamento é precisamente o do juiz do processo que, a sorrir, diz “a criança é esperta” e que em ato imediato todos os que estão na sala de audiência desatam na rir na presença da mãe, vítima, que naquele preciso momento levanta a cabeça, com as lágrimas a cair pelo rosto, e diz em tom alto: “eu exijo respeito, este homem está acusado de violência doméstica”.

Suponhamos agora que esta situação, que não resultou da minha imaginação, mas antes de um caso real que me levou a sentir vergonha alheia, se passava consigo e que era vítima de violência doméstica. Consideraria como correta uma situação como a exposta?

A questão que se coloca é sem dúvida a de saber até que ponto os tribunais, que são o bastião da democracia, do local a que todos nós, cidadãos, podemos e devemos recorrer para lutarmos pelos nossos direitos, devem também ser o local onde se dá o exemplo do respeito pelos outros.

Os tribunais são ou não o local onde deve imperar o respeito pelo próximo e onde se deve ter uma especial sensibilidade e adequação com as vítimas de violência doméstica?!

O que parece é que quando uma vítima de violência doméstica é rotulada como praticante de alienação parental em relação aos filhos menores, não há acusação do Ministério Público nem testemunhas que lhe possam valer.

Primeiramente, as vítimas têm de apresentar indícios da sua verdade ao tribunal, já que a presunção da sua verdade é manifestamente insuficiente perante o princípio da presunção de inocência nos processos-crime, o que lhes é penoso face à situação de fragilidade em que se encontram e que nem sempre alcançam.

Mas, mesmo quando as vítimas de violência doméstica conseguem almejar uma acusação do Ministério Público, para efeito dos processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, subsiste a ideia impregnada de que as vítimas de violência doméstica afastam os filhos do progenitor e que não permitem o seu salutar convívio. Da mesma forma que, as crianças continuam a não ser reconhecidas como vítimas dos progenitores agressores.

Os comentários como o acima citado refletem precisamente o argumento falacioso da alienação parental com o ínsito argumento do conflito de lealdade que a criança sente em relação à vítima, tendencialmente a progenitora.

Não importará perceber as circunstâncias do caso concreto e sem se permitir que haja lugar a comentários e risos absolutamente humilhantes em relação a quem já é vítima?! E independentemente do que resulta ou não provado em audiência, não é suporto manter-se o respeito, a igualdade de tratamento das partes envolvidas e a total inexistência de opiniões e expressões que denotem o pensamento já pré-concebido a respeito do caso concreto?!

Esta é, sem dúvida, mais uma forma de qualquer vítima de violência doméstica ser também vítima do sistema e que não é de todo aceitável numa sociedade democrática que se diz respeitadora dos direitos humanos das mulheres e crianças e tem até um regime jurídico específico para a prevenção e combate à violência doméstica.

Quando nos perguntamos por que motivo existe uma descrença dos cidadãos na Justiça devemos, podemos concluir com certeza que esta é uma das fortes razões para tal sentimento.

Um artigo de opinião da Advogada Ana Leonor Marciano, especialista em Direitos Humanos, violência de género, violência doméstica, Direitos das crianças.