Ninguém duvida do impacto que o ambiente que nos rodeia tem nas nossas vidas. Basta pensar em todas as vezes que nos sentimos desconfortáveis num local sujo e desarrumado, ou como olhamos de forma pouco positiva para uma divisão atafulhada de objetos, com pouca ou nenhuma luz.

Para a arquiteta Paula Margarido com a ajuda do Feng Shui, “tudo se pode alinhar de maneira a alcançar o que desejamos. Aplicar corretamente os princípios desta técnica milenar chinesa na nossa casa contribui positivamente para todos os setores da nossa vida, desde o campo amoroso até às finanças pessoais”. Partindo destes princípios, Paula Margarida escreveu o livro Feng Shui: Harmonia em Casa e na Vida (edição Manuscrito), um guia prático que revela ao autor como algumas mudanças podem fazer a diferença.

Dos muitos conselhos que encontramos nesta obra, há a reter alguns exemplos: A porta da rua deve estar sempre limpa para atrair bênçãos e prosperidade. Na cozinha, o fogão deve estar sempre funcional. Porquê? Tendo uma enorme importância para a prosperidade e riqueza da família, deve ser usado com frequência. As secretárias redondas ou ovais favorecem as profissões mais criativas. A cama deve ficar sempre posicionada de forma que a pessoa veja a porta, sem ter os pés virados para esta.

De Feng Shui: Harmonia em Casa e na Vida publicamos o excerto abaixo:

Comece a destralhar

Importa referir que este processo é diferente de organizar e de arrumar. Tem muito mais que ver com purgar os espaços de tudo o que é desnecessário para abrir espaço a uma casa preenchida apenas com coisas que amamos, respeitamos e que nos trazem boas vibrações e memórias. Mesmo que isso signifique reduzir tudo ao essencial.

Há quem diga que somos aquilo que comemos. Eu acredito que somos também o espaço em que vivemos. Por isso é tão importante mantermos apenas aquilo que é essencial e livrarmo-nos de tudo aquilo com que já não nos identificamos. Não é uma tarefa fácil ou algo que se faça num dia, mas é um primeiro passo indispensável. Existem algumas dicas e métodos que podem facilitar o processo. Antes de mais, é preciso identificar a tralha e só depois passar à ação. Proponho uma lista muito simples de tudo o que deve deitar fora:

  1. coisas que nunca utilizou ou de que não gosta (tralha comum);
  2. objetos que não sejam seus e/ou que suscitam memórias infelizes (tralha simbólica);
  3. objetos que lhe sugam a energia e causam desgaste (tralha energética);
  4. questões inacabadas ou por resolver que pesam no seu inconsciente (tralha mental e emocional).

Por exemplo, para dar lugar a uma relação amorosa saudável, é especialmente importante dar atenção aos três últimos pontos. Objetos de ex-namorados que ainda tenha (tralha simbólica), presentes ou fotografias de uma relação passada (tralha energética), bem como questões emocionais por resolver ou relações drenantes (tralha mental e emocional), são coisas que deve eliminar o quanto antes, de maneira a curar o Chi da sua casa. Por vezes, estes três tipos de tralha concentram-se num mesmo objeto, que se torna, então, verdadeiramente tóxico. É preciso força para nos libertarmos, mas é preciso perceber que só quando o fizermos é que podemos abrir um novo capítulo, ser cocriadores de uma nova história.

Paula Margarido
Paula Margarido. créditos: Nuno Antunes

Este tipo de tralha não só nos prende ao passado, como pode ter consequências físicas muito reais no nosso bem-estar. Suga-nos a energia, faz-nos sentir cansados e apáticos, contribuindo para a procrastinação, para o afastamento social e, até mesmo, em casos mais graves, levar à depressão.

Tudo à nossa volta, especialmente o ambiente em casa, espelha o nosso mundo interno, e vice-versa. Tudo está interligado. Se vermos apenas caos e desarrumação, isso vai, inevitavelmente, refletir-se na nossa saúde emocional.

Nós, humanos, temos tendência para complicar as coisas sem necessidade. Mas a verdade é que a felicidade é feita de coisas simples e acredito igualmente que uma casa mais simples é uma casa mais feliz. Simplificar e praticar o desapego não significa que tenhamos de viver como monges budistas, mantendo apenas o estritamente necessário e despojados de qualquer conforto. Mas não tenho qualquer dúvida de que para alcançar a felicidade, no nosso íntimo e no espaço que habitamos, será necessário abdicar do consumo excessivo de tralha supérflua que a sociedade de hoje nos impõe. Como escreve Paulo Coelho num dos livros mais lidos do mundo, O Alquimista: «As coisas simples são as mais extraordinárias, e só os sábios conseguem vê-las.»

Trabalhar o desapego emocional

No fundo, destralhar é praticar o desapego. Algo muito importante se pretendemos deixar o passado para trás e atrair para o nosso futuro novas energias, quebrando padrões antigos. Costumo dizer aos meus clientes para pensarem nisto da seguinte maneira: cada objeto está ligado a si por um fio invisível. Por isso, temos de determinar se o objeto nos faz feliz ou se nos drena (se evoca memórias infelizes).

Cada um carrega em si memórias de como e onde adquiriu o objeto, de quem lho ofereceu ou do anterior proprietário. Cada objeto tem em si associado uma história, negativa ou positiva, e é fundamental livrarmo-nos dos que contam histórias negativas. No caso de antigos relacionamentos, ainda que se mantenha amizade e guardem memórias felizes, aconselho sempre a destralhar tudo o que lhe lembre essa pessoa; sobretudo se o seu objetivo for atrair um novo amor.

Sei que às vezes pode parecer fácil falar e difícil de praticar. Há muitos anos, recebi de um ex-namorado um par de brincos de contas de Viana, em ouro. Sendo que apenas posso utilizar brincos em ouro e a nossa relação terminou de forma amigável, tinha bastante estima por eles, mas, ainda assim, sentia que já não fazia sentido guardar um presente de uma relação que tinha chegado ao fim.

Além disso, sentia que era um caso típico de «em casa de ferreiro, espeto de pau». Não era coerente aconselhar repetidamente os meus clientes e alunos a destralhar tudo o que os prendesse ao passado e depois não fazer o mesmo na minha vida pessoal. Então, decidi livrar-me dos brincos, só faltava saber como.

Quis o acaso (ou não) que num dia, em que me desloquei ao Porto para um workshop, dei de caras com um quiosque de venda de ouro num centro comercial, no qual uma das funcionárias me abordou. Por sorte, tinha os brincos guardados na carteira e disse que sim, sem pensar duas vezes.

Guardo ou deixo ir?

Sempre que estiver na dúvida sobre se deve manter ou deitar fora algum objeto, coloque a si mesmo as seguintes perguntas:

1 – Uso este objeto com frequência?
2 – Preciso deste objeto?
3 – Transmite-me sentimentos positivos?
4 – Representa aquilo que sou atualmente?
5 – Se o perdesse, substituiria por um exatamente igual?
6 – Se mudasse de casa, quereria levá-lo comigo?
7 – (Caso esteja estragado) Vale a pena restaurar?

Se respondeu «sim» a uma ou mais perguntas, guarde o objeto em questão. Caso não seja algo de que precise ou que use com frequência, mas que tenha valor sentimental, pode optar por guardar numa caixa numa arrecadação.
Se respondeu «não» a uma ou todas as perguntas e se o objeto não tiver valor sentimental, pode doá-lo, vendê-lo ou reciclá-lo.
Se estiver estragado e sem conserto, deve ir para a pilha do lixo.

Imediatamente, senti um alívio tremendo por saber que já não teria de voltar a olhar para eles. Incomodavam-me e seguramente afetavam de forma negativa o fluxo de energia na minha casa. Parece que a vida se encarrega de nos enviar sinais que nos guiam na direção certa, basta estarmos atentos e disponíveis para os seguir.

Nas minhas consultas, já tive oportunidade de observar inúmeras situações de clientes que se prendiam a objetos do passado, sem consciência de como isso estava a impactar o presente. Lembro-me de uma cliente em particular que, apesar de desejar refazer a sua vida amorosa, mantinha o buquê do seu anterior casamento emoldurado em frente à cama. Ou outra, igualmente divorciada, mas incapaz de se desfazer das fotografias do casamento que continuavam emolduradas na sala de jantar.

Nestes casos, o mais importante é ouvir sem julgamentos, e dar-lhes espaço para darem início ao processo de desapego ao ritmo em que se sentirem confortáveis, prestando apoio sempre que acharem necessário. Isto torna-se ainda mais delicado em situações de luto.

Mas o processo de desapego nunca se dá por terminado. Devemos trabalhar o desapego emocional diariamente, de forma a termos casas que sejam o espelho das nossas ambições atuais e das energias que queremos atrair para o futuro. A geração dos nossos pais foi educada a guardar as coisas para alguma eventualidade, a cultivar uma mentalidade de «nunca se sabe se vai ser preciso!» Eu, pelo contrário, cada vez mais vivo de modo a manter apenas o essencial, garantindo que, um dia que já cá não esteja, o meu filho não tenha de passar pelo mesmo processo que eu após a morte da minha mãe. Guardo os itens essenciais para o meu dia a dia, recordações com grande valor sentimental e os objetos necessários para me sentir bem no espaço que habito e a incentivar um fluxo positivo de energia Chi. O resto deixo ir. Aprender a viver com menos é libertador. Isso não significa que não valoriza o passado ou as memórias que viveu, mas sim que escolhe, conscientemente, focar-se no presente e no futuro.

Feng Shui
créditos: Manuscrito

O processo de destralhar

Lá porque nos desfazemos de coisas que já não interessam, não quer dizer que não possamos, nos casos em que assim faz sentido, substituir por outras que nos transmitem sentimentos positivos. Destralhar é também criar espaço livre para que coisas novas entrem na sua vida. É por isso que recomendo sempre manter espaço vazio no roupeiro, na estante ou nas mesas.

Este conceito pode igualmente servir de analogia para a atração de novas relações. Se não criar espaço na sua vida para uma nova pessoa e conexão, dificilmente conseguirá começar um novo relacionamento. Mesmo na própria dinâmica das relações, é essencial criar espaço para que esta cresça de forma saudável, sem tralha física ou emocional a atrapalhar.

No Feng Shui, criar espaço significa, literalmente, deixar espaços vazios por preencher. Gavetas a abarrotar ou armários cheios de roupa, a rebentar pelas costuras, dificilmente deixarão espaço para que uma pessoa nova entre na sua vida, para partilhar tudo.

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Por isso, para as pessoas que procuram um companheiro ou companheira, recomendo sempre que, depois de destralhar, deixem espaço para acolher o outro nas suas vidas. Isto significa deixar uma gaveta vazia, algumas prateleiras livres e espaço no armário, onde o futuro companheiro ou companheira poderá ter as suas coisas. Ao criar este espaço, está a enviar ao Universo a mensagem de que está pronto para um novo relacionamento. É incrível, mas quando o fazemos, estamos realmente a mostrar que estamos disponíveis para partilhar a nossa casa.

Após destralhar a sua casa, a saúde melhora, a criatividade cresce, a motivação aumenta e os relacionamentos florescem. Vai ver que as diferenças se manifestam de imediato. Convido-o a fazer um pequeno exercício que será uma ajuda preciosa para iniciar este processo.

Um caso real

Nos catorze anos que passaram, desde que comecei a fazer estas consultas, já lidei com situações muito difíceis. Vários clientes, depois da morte de um parceiro, têm dificuldade em destralhar as roupas e pertences, algo que inevitavelmente os impede de fazer o luto e refazer as suas vidas. Contudo, o caso que mais me marcou até hoje foi o de uma senhora que conheci num workshop cuja filha se tinha suicidado.

Desde o dia em que tomou a decisão fatal de saltar da ponte 25 de Abril, o quarto da filha mantinha-se intacto. As roupas e fardas da Marinha que guardava religiosamente, como se nenhum tempo tivesse passado desde esse trágico dia, pareciam dar a entender que a filha se tinha meramente ausentado, para uma viagem no estrangeiro ou outra situação temporária, e que, brevemente, voltaria para encontrar tudo como estava.

Ora, como o leitor sabe, sou mãe e não consigo sequer imaginar a dor de perder um filho, especialmente desta maneira. Mas a minha sensibilidade para absorver as energias que me rodeiam permitiu-me, pelo menos, entender a carga energética extremamente pesada que este quarto estava a exercer sobre esta mãe.

Medi as minhas palavras com o cuidado e a empatia indispensáveis numa situação como esta e aconselhei-a a arejar o espaço, abrir a porta e as janelas, de maneira a deixar entrar a luz. Aos poucos, tomando o tempo que achasse necessário, podia então começar a limpar e empacotar os pertences da filha, guardando apenas objetos de valor emocional elevado.

Só depois é que conseguiria encontrar um novo propósito para este espaço. Neste caso, aconselhei-a a transformá-lo num quarto de visitas ou num escritório, para que pudesse ser novamente habitado e, aos poucos, renovar a energia estagnada que aqui se tinha acumulado. É também aconselhável fazer uma pequena limpeza energética com incenso ou defumação de sálvia branca para ajudar no processo. Bem sei o quão intenso e doloroso pode ser desfazer de objetos de pessoas que já faleceram, por isso é que aconselho sempre a que seja feito na presença de alguém que possa prestar o apoio emocional necessário.

Quando a minha mãe faleceu em 2017, tenho a certeza de que não teria sido capaz de esvaziar a sua casa rapidamente sem a ajuda preciosa da minha empregada que, pela sua natureza prática e despachada, impediu que me rendesse à tristeza e à inércia. Mas é um processo absolutamente necessário para dar início ao luto, e permitir que a vida continue sem amarras ao passado. Quando a energia deixa de fluir, a vida deixa de progredir.