É inegável que olhar para a História a partir dos lugares onde o Homem a engendrou é substancialmente mais interessante do que encontrá-la arrumada em compêndios. Isto sem subtrair a estes o valor que detêm por mérito próprio. Mas, percorrer a calçada de uma aldeia centenária, tocar-lhe nas pedras graníticas que lhe erguem as muralhas, escutar o badalar dos sinos da igreja povoada de lendas, fruir a sombra de um carvalho intemporal torna-nos mais próximos da História; mais sensíveis ao passado que nos fez. Este, o de percorrer os caminhos que a História forjou, foi um dos objetivos que no passado mês de junho reuniu um grupo de dezenas de participantes em mais uma edição do evento “Audi Family Experience”. Mote para juntar, num trio de dias, dezenas de apaixonados pela marca automóvel alemã. Um repto à aventura q.b. de radical sobre quatro rodas, temperado com um roteiro patrimonial e com o convívio entre quem partilha o gosto de conduzir viaturas sob a mesma insígnia.

Na mão de todos os participantes um Roadbook, espécie de guião para nos fazermos à estrada munidos da informação essencial para viajar do ponto A ao ponto B. No caso vertente, para percorrer, a partir do “acampamento base” - a Pousada da Covilhã - algumas centenas de quilómetros nas estradas da Beira Interior, mais concretamente no território raiano que acolhe as “Aldeias Históricas de Portugal”.

Beirã Interior: Percorrer no asfalto com tempo para sentir o património
Entrada na Praça-Forte de Almeida.

Às dezenas de participantes nesta edição em formato familiar do “Audi Family Road Trip” estava reservado um périplo automóvel (com incursões a pé, naturalmente), aberto a todos os modelos, por cinco aldeias que são uma marca passada do esforço de povoamento do território e da primeira linha de defesa da nossa fronteira contra os ímpetos espanhóis e também napoleónicos. Almeida, Castelo Mendo, Belmonte, Sortelha e Monsanto, as paragens assinaladas a X no Roadbook desta aventura. O SAPO Lifestyle juntou-se a esta aventura e visitou quatro destas Aldeias. Como cenário, os maciços imensos das serras da Estrela, da Gardunha e da Marofa, o planalto que se espraia para lá da fronteira com os nossos vizinhos ibéricos, os bosques de carvalhos, castanheiros que povoam esta paisagem interior. Uma paisagem natural consubstanciada na presença humana, hoje escassa, embora bem testemunhada no património milenar tangível e imaterial. Quem percorre estes caminhos dos distritos da Guarda e de Castelo Branco percebe como uma vitória militar do passado viria a assumir os contornos de milagre e, com este, a homenagem sob a forma da construção de uma capela, igreja, ermida. Um património que desde 2007 é apresentado como marca, as “Aldeias Históricas de Portugal”, hoje 12, uma estratégia de desenvolvimento e valorização centrada nos valores da História, Cultura e Património. Mais do que a recuperação de fachadas, telhados e arranjos urbanísticos. Uma salvaguarda do capital humano e económico destas regiões afastadas dos grandes centros populacionais do litoral. Isto mesmo perceberam os participantes na presente iniciativa automóvel. Mais do que percorrer umas quantas dezenas de quilómetros entre as localidades, há que parar, estacionar e sentir-lhes o pulsar, presente e passado.

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Vista a partir das muralhas de Almeida.

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Estrela de 12 pontas em Almeida:

Um Roadbook é importante, apresenta-nos as distâncias, indica-nos os cruzamentos, rotundas, saídas e estradas a tomar. Fá-lo com uma precisão quase milimétrica. Mas não é tudo quando o objetivo é interpretar um território que levou centenas de anos a talhar o seu

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"Roadbook", ferramenta essencial para quem quer seguir o roteiro a preceito.

carácter. Aqui chegados, os participantes deste “Audi Family Experience”, contaram com um outro guia. Este, inestimavelmente mais interativo. Tito Saraiva é um jovem natural de Belmonte, fundador da empresa Beltour e um apaixonado pela região e, mais concretamente, pelas Aldeias Históricas. Foi com Tito que o grupo percorreu, manhã cedo de sábado, a vila de Almeida. Isto depois de 94 quilómetros de estrada, desde os relevos talhados nas alturas da grande Estrela até ao amplo e ventoso planalto que acolhe a fortaleza de Almeida. Valeria cada quilómetro percorrido mesmo que as portas da localidade estivessem fechadas e apenas pudéssemos tomar de assalto com o olhar cada uma das soberbas fragas que compõem o forte. As muralhas do século XVII, formando uma estrela de 12 pontas, estão entre os mais imponentes sistemas defensivos da Europa. Outrora Praça-Forte que zelava pela fronteira, hoje candidata a Património Mundial da UNESCO.

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Jardim já dentro das muralhas de Almeida.

Já intramuros, Tito Saraiva alertou: “reparem nestas marcas talhadas na pedra junto à porta principal da fortaleza [a de São Francisco ou da Cruz]. São entalhes que canteiros envolvidos na construção deixaram na pedra para que, mais tarde, se soubesse quanto tinham a receber”. Uma assinatura com três séculos de quem ali trabalhou na fortificação, exemplo da arquitetura militar barroca. Protegidos pelas muralhas é percetível a inexpugnabilidade da estrutura. Ampara-a um fosso de 12 metros de largura, defendem-na muralhas com dezenas de metros de espessura, 20 salas subterrâneas - as casamatas – protegiam a população. Espaço atualmente convertido em Museu Histórico-Militar. Um sistema outrora autossuficiente com perto de duas dezenas de cisternas, terrenos de cultivo e de criação de animais. “Almeida poderia subsistir meses a um cerco. A fortaleza tinha centenas de canhoeiros e, inclusivamente, uma forja própria [na estrutura que é hoje o Picadeiro D´EL Rey – Centro Hípico]”, sublinhou Tito. Um aparelho defensivo que, contudo, cedeu às terceiras invasões napoleónicas. Uma época de frenesim que contrasta com os silêncios que agora povoam Almeida, concelho com baixa densidade populacional, não mais de 27 habitantes por km2. Dezasseis freguesias que albergam apenas sete mil habitantes. Uma realidade que se percebe intramuros, na ausência de vozes, de trânsito, de bulício. Talvez por isso mesmo soando com mais enfase as palavras oportunas do guia, sempre que passávamos frente a um marco da localidade. “O Quartel das Esquadras, no passado um quartel da infantaria”; “O antigo Convento de Nossa Senhora do Loreto”, “A Casa da Roda dos Expostos, onde em tempos idos, na pequena portinhola, eram deixadas as crianças enjeitadas”; “A Igreja da Misericórdia [séc. XVII]”; “a rua principal com as suas casas brasonadas”. Um périplo pela vila que levou os visitantes até ao Baluarte de Santa Marta, o ponto mais alto da fortaleza, de vista ampla sobre uma linha de horizonte que se fixa num plano.

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Largo do Pelourinho em Castelo Mendo.

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Já se avista Castelo Mendo:

Roadbook novamente nas mãos. O ar fresco da manhã beirã substituído pelo ambiente climatizado do automóvel. A pouco mais de 20 minutos de Almeida levanta-se na planura outra Aldeia Histórica, Castelo Mendo. Dezoito quilómetros de estrada fácil, desafogada de trânsito, embora estreita, espartilhada por muros delimitando as propriedades. Terreiro largo à entrada de uma aldeia que conta apenas com 87 habitantes (dados de 2011). “Faça-se a comparação. Em meados do século XIX tinha mais de 4500”, refere Tito Saraiva, à medida que a “família Audi” subia as ruas que desembocam no castelo, uma estrutura medieval. Percebe-se a antiguidade da fortaleza e de como conta a história da expansão do território que é agora Portugal. Data do século XII e XIII e nasceu com o repovoamento dos territórios muçulmanos anexados ao reino português. Simultaneamente cumpria a função defensiva face aos vizinhos reinos cristãos de Leão e Castela. Ainda em Castelo Mendo, Tito alertou para a particularidade do Pelourinho, “com sete metros da base ao topo, um dos mais altos das Aldeias Históricas. O símbolo máximo do poder judicial utilizado para castigos leves. Aqui, a pessoa era trazida da prisão e submetida a escárnio. Era, depois, levada para a cabeça da forca, à entrada da aldeia. O corpo ficava, por vezes, em exposição várias semanas”. Tempos difíceis, também ricos em narrativas de amores impossíveis. Castelo Mendo tem a sua, a de Mendo e Menda e uma união não concretizada entre um nobre e uma bela mulher do povo.

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Frontaria de casa em Castelo Mendo.

De Castelo Mendo a Belmonte são 57,5 quilómetros bem contados. Competia, como em todas as partidas, colocar o conta-quilómetros a zero Uma vez mais, estrada de condução escorreita. Como nos referiu Gustavo Pereira, Diretor de Marketing da Audi Portugal, a ideia subjacente a esta reunião foi a de “criar um momento de convívio de cariz mais familiar, envolvendo também as crianças. Foi a primeira vez que programámos esta iniciativa com este formato. Normalmente assume contornos mais radicais. Estamos a agendar uma nova ação para setembro de 2017 – ver final da reportagem”. Belmonte assenhorando-se no horizonte compete com as grandes alturas da Serra da Estrela, assomando em fundo. Aos pés do penhasco o prenúncio da Cova da Beira, fértil vale correndo para Oeste até ao Fundão. Região de fruta generosa, nomeadamente a cereja e o pêssego.

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Um dos trechos de estrada percorrido neste “Audi Family Road Trip”. Aqui, próximo a Sortelha. Skill Driving

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De Belmonte a Sortelha:

Às viaturas deste “Audi Family Experience” foi traçado o destino até às alturas. Depois de 53 quilómetros de estrada, uma ascensão até ao coração de Belmonte, vila indissociável da comunidade judaica, ali com presença desde 1297. Uma comunidade que se adaptou, encontrou estratégias de sobrevivência, mantendo-se no nosso país desde a expulsão que foi imposta por D. Manuel I em 1496. É com as palavras de Tito Saraiva, frente ao Museu à Descoberta do Novo Mundo [antigo Solar dos Cabrais], que entrámos na vida de Belmonte. Fizemo-lo com a história de um dos mais ilustres filhos deste concelho atualmente com 3500 habitantes. Pedro Álvares Cabral (1467), descobridor do Brasil, em 1500, “tinha um carácter conflituoso. Por aqui ficou até aos 14 ou 15 anos, altura em que é chamado à Corte de D. Afonso V, que queria formar uma elite. Cabral acaba por ir para o Norte de África com o irmão e aí fica oito anos. Revela-se um líder”. A história subsequente é, genericamente conhecida: uma armada de 13 naus para explorar o recém-descoberto caminho marítimo para a Índia, um desvio náutico de algumas léguas a ocidente e, a 22 de Abril, Cabral e a sua frota avistam terra. Isso mesmo se lê próximo à estátua do navegador em Belmonte: “neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra…a Terra de Vera Cruz”. Palavras de descoberta, inspiradoras para quem queira conhecer os seis museus da vila beirã, o Núcleo Museológico do Castelo de Belmonte (estrutura do século XIII); Igreja de Santiago/Panteão dos Cabrais, Museu Judaico, Ecomuseu do Zêzere, Museu do Azeite e Museu dos Descobrimentos.

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Vista a partir de Belmonte. Em fundo as serranias que anunciam o maciço central da Estrela. Próximo, a Cova da Beira, fértil vale.

Uma descoberta que também se faz a céu aberto, numa caminhada plácida pelo antigo bairro judaico, numa subida até ao castelo. Frente a este uma singela cruz de Pau Brasil homenageia a primeira missa celebrada naquele território.

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Castelo de Belmonte.

Nos silêncios de Sortelha:

“Belmonte/Sortelha. 17,7 km. Colocar o conta Km a zero na saída do parque”. Assim líamos as instruções do Roadbook para a etapa seguinte. Nova incursão até próximo à linha de fronteira. Paisagem dramática, como se deuses tivessem arrastado e lançado aos campos penedos, fragas e pedregulhos. Estrada de contornos épicos, não tanto pela dificuldade, mais pelo entorno natural. Sortelha assome no cimo do monte. Sempre escondida até à última curva, quando lhe avistamos os contornos em pedra. Uma gigantesca muralha abraçando o casario e de onde irrompe a Torre de Menagem do castelo. Esta, uma das mais bem preservadas entre as Aldeias Históricas. É Tito quem traça o Bilhete de Identidade de Sortelha. “Vila medieval com o primeiro foral atribuído em 1228. Teve uma forte componente militar. Ao perdê-la a população saiu de dentro das muralhas e instalou-se nos arrabaldes”. Um facto que explica a invejável preservação de toda esta malha urbana. Um burgo pétreo, acomodando-se em torno do castelo. Ruas amplas de casas mimosas desembocando no Largo do Pelourinho. Ali, destaca-se a Casa da Câmara e Cadeia (século XVI), a Varanda de Pilatos, a Casa do Governador de Sortelha (Século XV). Uma visita que não pode dispensar uma paragem no Largo do Corro, amplo terreiro aberto à entrada nascente da Vila e onde se ergue um Lódão, árvore secular. Também ai destaca-se uma Fonte de mergulho medieval ou quinhentista.

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Paisagem em torno de Sortelha.

Tito alertou-nos para a imponente “Torre do Facho, marco comunicante no passado com Belmonte, mais a norte e Monsanto, a sul. Quando havia a emergência de anunciar uma invasão inimiga fazia-se fumo no cimo da torre, durante o dia e fogo, à noite”. É também com o jovem guia que fomos alertados para um pormenor à entrada da vila. Na pedra, junto à Porta Nova, alguns entalhes. “Representam a Vara e o Covado, duas antigas unidades de medida utilizadas pelos comerciantes que adentravam a localidade para se dirigirem ao mercado”. Sortelha vale pelo património, mas também pelo prazer de percorrer ruas acomodadas nas sombras das muralhas. Calçadas onde pouco mais ecoa do que os passos do visitante. Uma vez mais há despovoamento. Esta freguesia do concelho do Sabugal conta com 444 habitantes. Em 1849 eram mais de 6 mil habitantes.

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Castelo de Sortelha.

Aventura em setembro

Para setembro, entre 22 e 24, está reservada nova expedição. “Audi Offroad Experience”. Um desafio que convida os participantes a participar numa ação offroad. Uma viagem no tempo, aos anos de 1950 e à linha de fronteira por onde passava o contrabando entre Portugal e Espanha. “Não terá carga às costas e cavalos só os do seu Audi. Vai percorrer os caminhos, atalhos e carreiros traçados no mapa da raia pelos passos das gentes da terra”, diz-nos a apresentação ao programa, que propõe “atravessar ribeiros, esconder-se entre barrocos de granito, carvalhos, pinheiros e giestas espalhados pela paisagem”. O relevo do terreno e os declives acentuados prometem por os carros à prova. Isto num percurso que contempla passagens na Guarda, Pinhel, Figueira de Castelo Rodrigo, Barca d´Alva, Ciudad Rodrigo (Espanha).