Como pediatra tinha uma noção um pouco rudimentar dos métodos de transporte de bebés. Tinha a noção simplificadora que o mais importante de tudo – e não me interpretem mal, continua a ser um aspecto da maior importância – seria o sistema de segurança para o transporte no automóvel (para mais sobre segurança rodoviária e cadeirinhas para carro – ver aqui).

No entanto, há muito para dizer sobre os métodos de transporte de bebés: Babywearing? Slings? Meh Dais? Marsúpios? Mochilas?

Nos dias de hoje, em que o ritmo de vida é mais rápido, que se faz o elogio acéfalo do multi-tasking, consigo compreender perfeitamente a beleza de um sistema de transporte que permita que o adulto cuidador fique com as mãos livres.

O babywearing (ou o acto de “vestir” o bebé) parece prático e funcional, sobretudo nas grandes cidades em que as acessibilidades não são as melhores e que os passeios são frequentemente estreitos, ou ocupados, e não permitem a passagem de um carrinho de bebé com facilidade.

Por outro lado, o facto dos porta-bebés (assim designados de forma genérica, já abordarei os diferentes tipos) serem uma espécie de colo sem braços, tem algumas hipotéticas vantagens: os bebés estão junto da mãe (ou outro cuidador), sentem-se mais seguros, mais apoiados e como tal, mais calmos. Tem um papel na modulação neurobiológica do bebé, favorecendo o desenvolvimento da vinculação, bem como dos mecanismos de auto-regulação do bebé. Esta vantagem na proximidade foi estudada em relação ao colo dito “convencional” ou seja, com apoio dos braços.

Como devem de imaginar, não existem estudos específicos sobre o babywearing, pelo que estas vantagens são extrapolações de estudos que aferem o poder do colo. Tendo em conta este papel de consolo e redução do choro do bebé, a estratégia do babywearing surge muitas vezes recomendada para os bebés mais irritáveis, podendo constituir uma fonte de alívio para os pais e/ou cuidadores.

O babywearing também é frequentemente apontado como um facilitador da amamentação. Aqui a argumentação é simples e advém da proximidade entre o bebé e a mãe: quanto maior a proximidade, mais oxitocina circula e mais facilitado é o reflexo de ejeção do leite, facilitando a amamentação, sobretudo nos bebés muito pequeninos que têm dificuldade na sucção.

Outro aspeto que não posso deixar de referir é a questão de posição dos membros inferiores: idealmente, num porta-bebés, o bebé deverá ficar na posição de jockey, em que a anca e os membros inferiores desenham um M. Esta posição é bastante advogada para a terapêutica da doença congénita da anca (DCA): bebés com DCA são frequentemente colocados em imobilizadores de gesso que recriam exatamente esta posição, mas de forma rígida.

Qual a origem da doença congénita da anca?

Sabemos que em sociedades em que é prática comum o transporte de bebés em panos, a incidência de DCA é bastante baixa. Se é pelos panos, se é pela genética, aqui temos uma questão relevante que convém ser desmistificada. A DCA é uma patologia com um carácter familiar (ou genético) muito importante. Não se "desenvolve" DCA porque o bebé ficou mal posicionado no porta-bebés... Obviamente que, em crianças suscetíveis (meninas, com história familiar de DCA), pode ser uma ótima estratégia ao complementar o seguimento adequado em ortopedia pediátrica. Porque realmente, apesar de fazer sentido fazer um bom posicionamento da anca, não existem estudos científicos que aconselhem o uso de determinado tipo de porta-bebés para prevenir ou tratar a DCA.

Agora que abordei sumariamente os principais benefícios do babywearing, vamos então esmiuçar o porquê de determinadas escolhas e a evolução ao longo da idade. Temos disponíveis wraps, slings tradicionais, slings de argolas, Meh Dais, porta-bebés semi-estruturados e porta-bebés estruturados ou marsúpios. Para imagens e recomendações destes diferentes transportadores veja aqui.

A escolha de cada um destes tipos de porta-bebés vai depender muito da facilidade com que a mãe ou pai ou cuidador consegue colocar o bebé dentro e fora do porta-bebés. Isto dito de forma muito direta: há quem se oriente melhor com o pano, porque é mais confortável, há quem se ajeite melhor com o porta-bebés semi estruturado, porque sente maior confiança no sistema de fivelas... Há no entanto algumas características gerais que devem ser tidas em conta: até aos 3-4 meses é imprescindível que o porta-bebés possa providenciar algum tipo de apoio à nuca do bebé. Para bebés pequenos, a escolha de um pano elástico pode perfeitamente conseguir isso, porque cinge o bebé pela nuca, à mãe, no entanto, para bebés mais pesados, pode não ser fácil conseguir um bom apoio cefálico e nesses casos é mesmo aconselhável optar por sistema de transporte com apoio cervical.

Os bebés são habitualmente transportados com a cara para dentro. Porquê?

Porque é muito difícil ter bons porta-bebés (existem alguns modelos em algumas marcas) que mantenham a criança sentada em posição de jockey virada para a frente. Habitualmente, transporte nas costas (ainda assim com a cara para o corpo do adulto) só se recomenda a partir dos 9 meses. Também se compreende que é a partir desta idade qua a criança se interessa mais pelo mundo envolvente.

Até este ponto do texto, a opção de praticar babywearing parece ser uma questão puramente opcional: irá depender da vontade dos pais em explorarem estes métodos de transporte. Há benefícios hipotéticos que vêm da lógica da proximidade – maior vinculação, maior facilidade na amamentação, redução do choro do bebé -  e do posicionamento do bebé – em relação à posição da anca; no entanto, o tipo e características do porta-bebés têm que ser devidamente avaliadas.

No entanto, o que surge na literatura científica sobre o assunto é um bocadinho diferente: se pesquisarmos a expressão Babywearing na PubMed (a maior base de dados de artigos científicos disponível online), vamos perceber que surge uma enorme quantidade de relatos de casos de asfixia associados ao uso destes métodos de transporte. Existem adicionalmente alguns estudos sobre a marcha dos portadores de bebés, como sofre alterações e como o transporte dos bebés pode desencadear lesões osteo-musculares. No entanto, não sejamos ingénuos: qual é a mãe que não tem dor nas costas de carregar um pequeno bebé texugo ao colo?

Assim, no que diz respeito ao babywearing, o que parece ser mais relevante é a questão da segurança no que toca ao risco de asfixia. Os artigos científicos sobre o assunto sendo sobretudo relatos de casos com estudo posterior com autópsia, não conseguem sempre perceber de forma concreta o mecanismo da asfixia: foi o pescoço que ficou dobrado? Foi uma das pregas do pano que tapou a cara do bebé? Foi um engasgamento durante a amamentação no sling? Daí que a tónica sobre slings e marsúpios não seja propriamente o tipo de dispositivo ou modalidade de transporte escolhida, mas sobretudo as regras de segurança para o fazer.

Risco de asfixia

O risco de asfixia tem duas origens bem definidas: o posicionamento do pescoço em flexão, que se prende com o facto do bebé mais pequenino não ter tónus para segurar a sua cabeça e poder ficar com o pescoço dobrado para a frente e como tal bloquear a via aérea; a oclusão da via aérea pelo mecanismo de transporte em si: quer porque o bebé está excessivamente reclinado ou porque tem algum obstáculo junto da face a acaba por ocluir o nariz e a boca.

Quais são então as regras de segurança que terá que ter em conta sempre que experimentar um porta-bebés?

  1. Tem que ser justo

O transportador tem que ser justo de tal forma que o bebé esteja contido de encontro ao corpo do adulto. Se não estiver justo, o bebé vai escorregar e encaracolar, levando à tal postura em flexão que falei e podendo comprometer a ventilação.

Uma forma simples de perceber isto é, depois do bebé colocado no porta-bebés, inclinar-se para a frente (apoiando a cabeça do bebé): é suposto o bebé estar contido em bloco e não se afastar de si.

  1. Sempre à vista

Isto significa que a face do bebé tem que estar visível SEMPRE quando se olha para baixo. Nada pode ocluir a face!

  1. À distância de um beijinho

O bebé tem que ser transportado o mais direitinho e para cima possível, de tal forma que seja possível dar um beijinho do cucuruto da cabeça sempre que quizer! Isto é bastante simples de perceber: slings ou panos com os bebés reclinados têm maior risco de asfixia, pelo que se deve sempre escolher um porta-bebés em que o bebé fique efectivamente sentado com a coluna alinhada na vertical.

  1. Afastar o queixo do peito

O bebé tem que estar com a cabeça alinhada, com o queixo livre e afastado do peito e com a face visível.

  1. Apoio para as costas

Os bebés têm que estar suportados de forma a que as costas estejam devidamente apoiadas e direitas. Nada de bebés encaracolados e com a carinha para baixo.

No transportador, no wrap, no sling de argolas, a posição mais adequada é estar naturalmente sentado e bem justo junto a si.

Se o seu porta-bebés de bebé não cumpre estas regras, então, pense sinceramente em escolher outro tipo de porta-bebés.

No entanto, independentemente do tipo de meio de transporte que escolha, há algumas precauções universais:

  • Sempre que se baixar, não deixe de apoiar a cabeça do bebé, por muito justinho que ele esteja, a cabeça num bebé é extremamente pesada e tem que ser apoiada.
  • Cuidado com comer e beber alimentos quentes com um bebé ao colo. Podem ocorrer queimaduras graves com o derramamento de alimentos sobre o bebé.
  • Cuidado com fornos e ferros de engomar: como não tem a percepção do calor quando usa um bebé à frente, tenha especial cuidado. Passar a ferro está fortemente desaconselhado.
  • Não corra ou salte com o bebé, já que pode causar lesões, sobretudo nos bebés mais pequeninos. Cuidado com as portas, porque frequentemente há acidentes com as ombreiras. Quando descer escadas com o bebé, tenha particular cuidado e prefira usar sempre o corrimão. Todos os cuidados são poucos.
  • Por fim, independentemente dos cuidados de segurança acrescidos, o que temos que ter bem presente é que, independentemente das escolhas dos pais ou cuidadores, há sempre cuidados de segurança a ter. Prova disso são os acidentes que ocorrem nos berços, ao colo convencional, nas cadeiras auto ou mesmo nos carrinhos de passeio.
  • Sobretudo, mais importante que escolher fazer babywearing é escolher algo com o qual se sinta confortável. Seja babywearing, seja carrinho com alcofa, seja colo tradicional. Desde que o bebé esteja em segurança, está tudo bem.

Mesmo dentro do babywearing, há um sério preconceito contra os marsúpios tradicionais, quando na verdade, o que existem são métodos de transporte mais livres, como os panos ou o sling de argolas e métodos mais organizados, como os meh dais, os transportadores semi-estruturados e os marsúpios. Desde que a posição do bebé seja correcta e que cumpra as regras de segurança, pouco importa se é pano ou marsúpio. Por isso, o mais importante mesmo é experimentar: experimentar o babywearing, experimentar os diversos modelos e perceber se cumprem ou não os critérios de segurança. Só isso. Sem complicar.