Ou será que apenas estamos a romantizar a ideia daquilo que deve ser infância, porque não conseguimos criar espaço para a verdadeira infância livre e despreocupada fluir?

A verdade é que se tirarmos um bocadinho do nosso tempo para escutarmos as entrelinhas de ser criança, percebemos que estamos em velocidade relâmpago a ‘atropelar’ a infância e aquilo que de mais bonito a acompanha, sensibilidade, intuição e criatividade.

Definimos padrões expectáveis - principalmente de rendimento académico - e consideramos que todas as crianças devem ter um registo similar, deixando para trás o tempo que cada uma precisa para a aquisição de competências. Acresce que muitas vezes, uma criança aos oito anos, passa oito horas por dia na escola, seguindo-se um sem fim de actividades extracurriculares, tpc’s, jantar e dormir. No fim das contas, o tempo para brincar livremente foi diminuto e a criança acaba por se sentir próxima da exaustão.

Se a esta dinâmica que já se tornou norma para a maioria das crianças, adicionarmos as regras atuais, em que muitas escolas, para proteger a saúde das crianças, reduziram os intervalos, ou simplesmente extinguiram-nos, estamos ainda mais rapidamente a ‘atropelar' a infância. Por um lado, exigimos que aprendam, por outro lado tiramos-lhes algo essencial à aprendizagem, brincar livremente. Se fizermos o exercício de nos colocarmos no lugar de uma criança, percebemos facilmente que retirar os intervalos a uma criança, fazendo maratonas de aulas seguidas intervaladas por apenas 5 minutos - por muito que na essência esteja a proteção da criança -, devia ser considerado um mau trato e tido como um sinal de alerta vermelho contra uma infância saudável.

E é assim que, de distração dos adultos em distração, comprometemos a infância, comprometemos o crescimento e deixamos que as crianças se sintam mais vezes do que todos desejaríamos, cansadas, com uma certa sensação de solidão e desprotegidas. E é neste espaço que a infância se começa a perder e a deixar marcas que mais tarde, mais do que magia, são pequenas cicatrizes, nem sempre fáceis de ultrapassar.

Se queremos continuar a preservar a infância como um lugar mágico, repleto de sensibilidade, imaginação e criatividade, não nos podemos esquecer que entre um novo ano lectivo e a pandemia, não podemos ‘chutar para canto’ as necessidades inerentes a Ser criança. Tomando consciência que, apesar do contexto em que vivemos, o tempo das crianças serem crianças é agora, e, devemos proporcionar-lhes esse tempo. Assim, se queremos que as crianças continuem a ter infância, temos de repensar a escola e tudo aquilo que exigimos e que proporcionamos às crianças, não só em tempos de pandemia, mas pela vida fora.