Doze horas volvidas sobre o anúncio de que recebia a sua primeira estrela Michelin, o chefe de cozinha Diogo Rocha era ainda um homem exultante.  Em viagem desde Sevilha, no país vizinho, onde subiu ao palco para receber o galardão, Diogo Rocha confidenciou ao SAPO Lifestyle que “este reconhecimento internacional para um chefe que trabalha com registo bem português, que acredita na nossa cozinha e origens, num lugar no interior do país que não é associada à alta cozinha, é maravilhoso. Só me ocorre dizer incrível. Como chegar à meta, depois de uma maratona”.

De Bilbao para Viseu, espanhol Josean Alija traz a Portugal a sua cozinha com estrela Michelin

Diogo, um corredor fundista, há anos que era apontado como um forte candidato às almejadas estrelas da restauração. Uma não concretização que, em terras lusas, trazia, a cada novo ano, o travo de injustiça para a cozinha de um homem que, desde que em 2013 assumiu os destinos do restaurante Mesa de Lemos, em Silgueiros, a poucos quilómetros de Viseu, se manteve fiel aos seus princípios.

Rui Paula soma mais uma estrela Michelin. Três restaurantes perdem a estrela. Mas há mais novidades
Rui Paula soma mais uma estrela Michelin. Três restaurantes perdem a estrela. Mas há mais novidades
Ver artigo

Agora, com a atribuição da primeira Estrela, Diogo Rocha assume a expetativa que rodeou as suas últimas semanas: “O facto de recebermos o convite deixa-nos com a expetativa mais elevada. Desde o primeiro contacto até chegar o convite físico há um desgaste emocional. Logo, o subir ao palco, como culminar desse processo, torna-se ainda mais impactante. Há toda uma mística associada e, julgo, a própria Michelin gosta de a manter. Seria triste ir a Sevilha só bater palmas [risos]”.

O jovem chefe vê premiada “a consistência na minha cozinha. Aparentemente teremos levado mais tempo a conquistar a estrela porque o próprio guia Michelin estava a acautelar. Mas mantivemo-nos fiéis à nossa abordagem à cozinha. Acreditamos naquilo que é nosso. Há restaurantes onde se come internacional, mas no nosso Mesa de Lemos sempre defendemos que isso não entrava. Essa é a nossa assinatura”.

Diogo que é desde 2017 embaixador oficial de Viseu para a promoção da gastronomia da cidade, não esquece no momento da vitória “o apoio do Celso Lemos” [proprietário do Grupo Celso de Lemos, dono da Quinta de Lemos], sublinhando que “este prémio será sempre meu e dele”.

“Celso de Lemos sempre me disse que se eu conseguisse servir uma batata, um ovo com um fio de azeite e isso soubesse a céu, o meu objetivo estaria cumprido e essa seria a prova que o cruzamento entre as nossas ideias seria perfeito”, acrescenta.

De acordo com o chefe de cozinha mestre em Sustentabilidade de Turismo na ESHT do Estoril, com especialização em produtos da Serra da Estrela, “tenho sentido nestas últimas horas que esta estrela Michelin é também um prémio regional, de Viseu, cidade que o está a acarinhar, dos colegas da região que estão a publicar nas redes sociais esta conquista e da própria autarquia. Amanhã [22 de novembro] serei recebido no município”.

Sobre a importância da descentralização da atribuição de estrelas Michelin fora de grandes cidades, Diogo afirma que “seremos uma espécie de farol. Contudo, queremos que as pessoas que nos visitem, também o façam aos restaurantes tradicionais. Acabamos por mostrar que, naquele território, temos um feijão, um Queijo da Serra, um cabrito bestial”.

diogo rocha
créditos: RAWSTUDIO

Ainda sobre o produto, questionado a propósito de um prato transversal à sua cozinha, Diogo não hesita em apontar “o bacalhau é um produto português que pode ser trabalhado nos restaurantes de fine dining. É quase inevitável eu não o ter na carta. Define-nos como país. Mas, também temos a matriz local, da Beira Interior. Por exemplo, neste momento temos um prato na carta que praticamente só inclui couve lombarda. Esta é grelhada e assada com caldo de carne de porco. Algo bem guloso. Um prato que alerta para a sustentabilidade e produtos da estação”.

Uma atenção ao produto que Diogo mantém ao longo da sua carreira profissional e que inclui projetos como os restaurantes Terreiro do Paço, Villa Joya e Valle Flor, restauração das Quinta de Cabriz, Quinta do Encontro e Paço dos Cunhas de Santar.

“Colocarmo-nos no patamar mundial também faz com que nos tenhamos de adaptar a novos clientes. Isto sem abdicar do nosso produto. O cliente é hoje uma pessoa mais informada, mais conhecedora, que chega já com uma expetativa. Repare, um cliente que já chegava ao Mesa de Lemos que, embora já premiado, não tinha passado do âmbito nacional, tinha de ter conhecimento. Mas é isso que gostamos. Acho que não há nenhum cozinheiro que não queira clientes exigentes”.

Viseu: Até outubro restaurante Mesa de Lemos também é galeria de arte
Restaurante Mesa de Lemos.

Para além da sua carreira como cozinheiro e também docente, Diogo Rocha lançou-se noutro empreendimento, tendo dado aos escaparates diversos livros. Em dezembro de 2016, publicou o seu primeiro livro, “Hoje Diogo Rocha”, em que demonstra o carinho pela sua região e o amor que tem aos produtos portugueses. Lançou, ainda o livro em inglês “Today Diogo Rocha”. Este foi premiado com o primeiro “1º Prémio Fotografia” para livros sobre gastronomia no concurso organizado pela Portugal CookBook Fair.

Em novembro de 2019 publicou o seu segundo livro “Queijaria do Chef” que a acrescentar às características, método de produção, sugestões de petisco e harmonização com vinho, possui mais de 50 receitas de como usar os melhores queijos portugueses.

Já o restaurante Mesa de Lemos conquistou vários prémios desde que abriu. Venceu o prémio Revelação do Ano na edição de 2015 dos prémios do Guia Boa Cama Boa Mesa do Expresso, na categoria Boa Mesa, e, em 2016, 2017, 2018 e 2019, foi distinguido com o prémio Garfo de Ouro pelo mesmo guia. Em fevereiro de 2017, o Mesa de Lemos foi considerado ainda o Restaurante do Ano pela Revista de Vinhos. Em 2019, finalmente, conquista a sua primeira Estrela do Guia Michelin.

O Edifício de Lemos, onde se insere o restaurante Mesa de Lemos, foi desenhado pelo arquiteto Carvalho de Araújo e nomeado, em 2014, para a short list dos prémios internacionais do ArchDaily, um dos mais prestigiados sites de arquitetura do mundo.