Assumir livremente uma orientação sexual pode não ser tarefa fácil numa cultura ainda tão formatada para uma modalidade de relacionamento tendencialmente heterossexual.

Estudos recentes indicam que cerca de 85% dos adolescentes e jovens adultos/as se assumem como heterossexuais, mas destacam que a percentagem de raparigas/mulheres heterossexuais é inferior à dos rapazes/homens.

Ainda que estejamos a caminhar para uma mudança de paradigma, são diversos os constrangimentos que condicionam a forma como as pessoas experienciam e exprimem a sua sexualidade. Mas uma coisa é certa, a maior parte das pessoas têm uma orientação sexual, inclusivamente aquelas com Perturbações do Espetro do Autismo (PEA). Estas também se sentem atraídas sexualmente e querem envolver-se em relacionamentos íntimos, românticos e sexuais.

Falar em orientação sexual nas PEA é um desafio ainda maior e mais complexo

As dificuldades de comunicação e de compreensão da comunicação não-verbal, a subjetividade na identificação de sentimentos do próprio e dos outros, a noção de compromisso e limites na relação e até mesmo a dificuldade em ter em conta o outro e diversas perspetivas são verdadeiras desvantagens, no mundo dos relacionamentos sociais e sexuais.

Assim, reconhecer e assumir uma orientação sexual poderá ser ainda mais difícil para estes indivíduos. Contudo, há cada vez mais estudos a abordar estas temáticas, o que demonstra que muitos adolescentes, jovens e adultos com PEA reconhecem as suas necessidades íntimas e sexuais, assim como os seus interesses.

Vários estudos sugerem que a atração sexual nos indivíduos com PEA é diferente da atração sentida pela população em geral, uma vez que estes não são tão influenciados pelas normas sexuais e poderão apresentar aquilo que eles nomearam de “cegueira de género” (isto é, não associam os comportamentos, estilos, maneiras de estar ao género). Isto significa, portanto, que valorizam mais as características de personalidade e a relação que o outro estabelece consigo.

Outros estudos confirmaram, também, que existem mais homens e mulheres homossexuais e bissexuais com PEA, comparativamente a adultos sem PEA, e entre homens e mulheres identificaram taxas mais elevadas de raparigas/mulheres bissexuais com PEA, comparativamente às raparigas/mulheres sem PEA.

A nossa experiência clínica vai ao encontro destes resultados, na medida em que mais raparigas/mulheres se assumem como bissexuais ou homossexuais, comparativamente aos rapazes/homens. Estas demonstram também mais interesse em abordar estas temáticas, tomando a iniciativa de falar sobre as mesmas, não só com o objetivo de partilhar a sua orientação sexual, paixões ou experiências, como também para exporem as suas dúvidas e receios.

Na consulta, muitas raparigas/mulheres com PEA partilham interesse em verem conteúdos/séries onde há casais bissexuais ou homossexuais e, na maior parte dos casos, identificam-se mais com estas personagens do que com as outras.

Uma adolescente partilhava, há umas semanas, que se identificava com um rapaz, porque este era o único homossexual da série. Acrescentou, de seguida, que já se sentiu atraída por um rapaz e que uns tempos mais tarde se sentiu atraída por uma rapariga.

Referiu, também, estar preocupada com o seu casamento, pois não sabe se, nessa altura, irá estar apaixonada por um rapaz ou por uma rapariga e destaca o seu receio de que essa diferença possa provocar algum impacto na sua família ou sociedade.

As dúvidas e anseios que as jovens com PEA nos trazem, podem ainda ter uma base mais elementar

Podem estar simplesmente relacionadas com a dificuldade em identificar sinais de que o outro poderá estar interessado ou até mesmo a flirtar com elas. Se pensarmos no quão complexas podem ser as relações de amizade no feminino, percebemos que facilmente se poderão confundir com algo mais íntimo.

É muito frequente vermos amigas a passear de mãos dadas, a acarinharem-se mutuamente e até mesmo os beijos são frequentes. A este respeito, uma jovem de 15 anos partilhava, em consulta, a sua dificuldade em interpretar estes sinais, que para ela eram absolutamente dicotómicos.

Certo é, que face a esta limitação, não conseguia avançar na relação com outra adolescente, por medo de se expor e de não ser correspondida ou ridicularizada.

Tanto a evidência científica como a experiência clínica demonstram que a sexualidade é importante para os indivíduos com PEA.

Portanto, esta é uma área que não deve ser esquecida e que merece ser abordada pela família e pelos profissionais que os acompanham, tendo em conta que as PEA apresentam manifestações diferentes no feminino e no masculino.

Autoras do artigo: Ana Simão (Psicóloga Clínica),  Carla Oliveira (Psicóloga Clínica) e  Liliana Moreira (Psicóloga Clínica).