Sempre que existe um dia dedicado a pessoas ou causas, significa indubitavelmente, que é necessário despertar a atenção para uma preocupação da comunidade. É assim com o Dia da Criança, é assim com o Dia da Mulher e também é assim, com o Dia Internacional do Idoso. De facto, este dia foi criado em 1991, pela Organização das Nações Unidas e tem exatamente o objetivo de sensibilizar a sociedade para a necessidade de proteger e cuidar das pessoas idosas.

Sempre que o IPPPI faz uma apresentação pública surge inevitavelmente a questão: “o que consideram ser um idoso? A partir de que idade se é idoso? Pois bem, do ponto de vista social e numa perfectiva de quem olha para as pessoas, independentemente da idade, na sua relação com a sociedade, não é uma reposta fácil. Segundo o Prof. António Gentil Martins (in prefácio de “IPPPI, o Nascimento de uma Instituição”) “é impossível definir objetivamente o que é um idoso”. Existe uma padronização de idade, socialmente aceite e com implicações objetivas em muitos aspetos administrativos da nossa vida – 65 anos. Talvez seja bom recordar que este marco dos 65 anos subsiste desde o Séc. XIX, quando em 1883, Bismark idealizou um Estado Social, numa altura em que era raríssimo ultrapassar os 70 anos. Para se perceber melhor o quanto este dogma precisa urgentemente de ser repensado, segundo dados da “pordata” em 1960 a esperança média de vida à nascença era de 66,4 anos (mulher), em 2021 é de 83,5 anos (mulher). Curiosamente, a “pordata” também nos apresenta um estudo sobre a esperança média de vida após os 65 anos, em 1974 era de 14 anos (mulher) e em 2021 é de 21 anos, é apenas um estudo estatístico cuja intenção e alcance social estão por se perceber, mas que, mais uma vez utiliza o marco dos 65 anos.

No entanto, este dogma instituído e aceite, não seria obrigatoriamente negativo, se tivesse unicamente uma tradução de privilégios sociais adquiridos em função do reconhecimento de uma longa carreira de contribuições para a sociedade, contudo, este carimbo – 65 anos – parece transportar imediatamente a pessoa para um estigma onde a perceção social desta pessoa, com 65 anos ou mais, passa a ser de subtração instantânea de todo o seu ser nas mais variadas dimensões da sua vida. Consideramos mesmo que a atual sociedade está perante um paradigma não assumido e encapotado, de uma concreta desvalorização da pessoa idosa que resulta, não raras vezes, em atos, ações e atitudes que retiram a dignidade à pessoa idosa.

Urge uma intervenção sistémica e sistemática na transformação deste atual paradigma social de desvalorização da pessoa idosa, para uma consciência coletiva do real valor dos nossos idosos e por consequência, caminharmos para uma cultura social de cuidado e proteção a este grupo etário. Na verdade, são pessoas com vulnerabilidades físicas, emocionais, sociais e económicas e por essa razão, facilmente expostas a adversidades de várias naturezas. É certo que hoje existem muitas intervenções sociais relacionadas com o “envelhecimento” e com a promoção do “envelhecimento ativo”. Parece quase uma moda que fica bem nas prioridades de organização internacionais, fica bem no discurso político público, bem como nos planos de ação das instituições de carácter social.

Não obstante essas boas intenções, não se vislumbra uma consciência coletiva para um olhar valorativo para com os nossos idosos. Sustentamos esta nossa perceção no que lamentavelmente continuamos a constatar, com maior ou menor visibilidade: abandono, desinteresse e em casos extremos, maus cuidados e maus-tratos, como são exemplo, as recentes notícias de situações de verdadeiro horror sub-humano nalgumas instituições.

Perante estes acontecimentos, a indiferença, resignação e pior ainda, quase aceitação, são absolutamente inadmissíveis e intoleráveis numa sociedade que se pretende justa, equitativa e inclusiva.

Recentemente (2012-2020) na qualidade de profissional de saúde, com responsabilidade de Direção de uma Unidade de Cuidados Continuados da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (uma resposta social e de saúde com tutela direta do estado), confrontei-me com várias situações de violação clara dos Artigos 12º e 17º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ou seja, o direito à proteção contra a invasão da sua privacidade e do lar e o direito à não privação arbitrária da propriedade. Naquela entidade, e muito provavelmente noutras similares, com alguma frequência, deparamo-nos com casos de pessoas que, pelo simples facto, de terem sido internadas num hospital e transitarem para uma unidade de internamento temporário para recuperação na RNCCI, perdiam as suas casas e viam os seus bens serem espoliados.

Estas pessoas, limitadas na sua autonomia, fragilizadas socioeconomicamente, por necessitarem de apoio de alguém, esse “alguém” (familiares, vizinhos) acham-se no direito de invadir e espoliar, sem qualquer respeito pela dignidade de uma pessoa, que por ser idosa e frágil não tem outra solução senão submeter-se à vontade e usurpação alheia, como preço a pagar pela ajuda de que necessitam. Logicamente, todos os casos identificados foram sinalizados às Entidades com responsabilidade de tutela da RNCCI assim como ao Ministério Público.

Mas aqui, a grande questão que queremos propor à reflexão coletiva não se trata tanto da capacidade de resposta das entidades com responsabi

lidade na regulação social. Podemos discutir a eficácia da Justiça e das entidades com dever de tutela? Sim, poderíamos. Mas não é essa a problemática que está na nossa visão.
O objeto da nossa intervenção está a montante: na promoção de uma cultura de reconhecimento, valorização e proteção da dignidade da pessoa idosa, no respeito pelo contexto e percursos de vida vividos, como um importante contributo à construção de uma sociedade melhor. Este é um desiderato complexo e exigente, numa cultura social que continua a reproduzir atitudes e comportamentos depreciativos para com as pessoas idosas.

Importa despertar esta consciência individual e coletiva, porque a responsabilidade é de todos e de cada um, e a mudança começa em nós.