Tenha o leitor alguma paciência, este primeiro parágrafo arrisca-se a ser uma salganhada, mas com um objetivo final pois, contas feitas, não queremos ser as ovelhas ranhosas da escrita, tornando este texto um catrapázio de leitura fastidiosa. Pelo contrário, queremos que o leitor tenha uma estadia aprazível nestas linhas, sem se degladiar com palavras aborrecidas. Mea culpa por aquilo que aqui fazemos, mas não somos os únicos responsáveis.

Está feito, ultrapassámos o primeiro parágrafo. Estranhou a prosa? Um tanto rebuscada. Terá o leitor posto os olhos nos itálicos? Em comum a todas as palavras em itálico o facto de não estarem bem escritas, ou estando bem redigidas, encontrarem-se fora do seu real contexto. Vamos perceber o que correu mal.

Não diga ovelha ranhosa, use ovelha ronhosa

Na origem da palavra ronhosa está a ronha, doença contagiosa, semelhante à sarna que ataca alguns animais, nomeadamente ovelhas. Desta forma, os animais contagiados são afastados do restante rebanho por serem indesejáveis. Daí a natural ligação entre a expressão ovelha ronhosa e o animal não desejado no rebanho.

Ranhoso também é termo que pode ser usado como depreciativo – de mau caráter, manhoso - mas não na formulação ovelha ronhosa.

Não diga salganhada, use salgalhada

Diz-nos, a propósito de salgalhada, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa: “Mistura de coisas heterogéneas, confusão, trapalhada, mixórdia”.

Ainda sobre salgalhada, conta-nos o portal Ciberdúvidas da Língua Portuguesa que “a etimologia que provém de salgar + -alho + -ada”. Sandra Duarte Tavares, mestre em Linguística Portuguesa, acrescenta, no mesmo portal, que “a troca de um lh por um nh, que se deveu — presumo eu — a um maior conforto fónico, deu origem a uma nova palavra”.

Não diga que a sala é solarenga, use soalheira

Não raro ouvimos e lemos a referência a uma sala solarenga para, desta forma, a classificarmos como um espaço luminoso, claro, banhado pelo Sol. Se queremos usar o termo corretamente, que se aplique solarenga à casa, mas enquanto solar, ou seja edifício nobre, de grandes dimensões. Soalheiro, diz-nos o Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, refere “exposto ao sol, quente. Lugar onde dá o sol”. Logo, uma sala soalheira.

Queira o leitor estender a aplicação da palavra soalheiro a outros contextos e pode vê-la como “reunião de pessoas ociosas, geralmente sentadas ao sol para falar da vida alheia”, ainda de acordo com o Dicionário citado.

Não use degladiar, use digladiar

Experimente em contexto de conversa aplicar o termo digladiador. De pronto, alguém presente, irá retorquir e proferir com a certeza das muitas vezes escutada a palavra gladiador. Pode o leitor ripostar. Digladiador tem lugar cativo nos dicionários. “Aquele de digladia. Esgrimista; combatente”. Do exposto percebemos que é correto usar o termo Digladia, nunca degladia.

Digladiar tem origem no latim digladiari.

Eu digladiei, Tu digladiaste, Ele digladiou; querendo dar alguns exemplos deste verbo aplicado no pretérito perfeito do indicativo.

Se vai pernoitar não use estadia, use preferencialmente estada

A este propósito serve-nos de referência o dicionarista Fernando Venâncio Peixoto da Fonseca (1922-2010) citado no portal Ciberdúvidas da Língua Portuguesa: “Estadia […] é mais moderna porque é formada de estada com o sufixo -ia. Mas, como quase todas as palavras sinónimas, há casos em que uma é preferível à outra; estadia, por exemplo, é normalmente a única empregada como termo da marinha mercante (“É de uma semana a estadia do paquete no porto de Lisboa”.), enquanto estada aplica-se ao tempo de permanência de uma pessoa num lugar (´Durante a sua estada no Porto, João ficou alojado em casa de amigos`)”.

“É verdade que o uso indistinto de ambas as palavras diluiu a diferença semântica, mas não se recomenda a quem preze a propriedade vocabular da nossa língua”.

Não use catrapázio, use cartapácio

Quantas vezes ouviu, ou leu, que “o livro é um ´catrapázio´”? Normalmente em tom pejorativo face ao volume em causa, “uma maçada com tantas páginas para ler”. Independentemente de olharmos para o número robusto de páginas com enfado ou entusiamo, saiba o leitor que o termo a usar é cartapácio.

Diz-nos sobre a palavra o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa: “Livro grande a antigo; alfarrábio, calhamaço”. Também pode usar o termo como significado de “carta (´mensagem´) muito grande. Catrapázio não o vai encontrar em nenhum dicionário ou biblioteca.

Não use “mal e porcamente”, use “mal e parcamente”

“Hoje pagaram-me o ordenado. ´Mal e porcamente` como eu esperava”. Não pondo em causa a precariedade (sim, mais correto do que precaridade) laboral expressa na frase, devia o locutor não se socorrer da qualidade suína do pagamento, antes da frugalidade do mesmo. A expressão correta é “mal e parcamente”, com origem em parco, “moderado nas comidas e nas despesas; frugal”, como nos relata o Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora.

Dado parcamente não ser palavra de uso corrente popular, o termo acabou por ter substituição em porcamente, “indecentemente; mal e muito mal, de modo muito imperfeito (de porco + mente).

Use mea culpa, mas use-a bem

Não raro alguém faz mea culpa e assume a sua parte no dolo ou prejuízo sobre outros ou coisas. Quem faz a sua mea culpa, terá de assumi-la por inteiro. Não vá o leitor pela fonética. Explica-nos a este propósito Paulo J. S. Barata mestre, em Estudos Portugueses Interdisciplinares, na página Ciberdúvidas da Língua Portuguesa: “mea culpa é uma locução latina que significa ´minha culpa` ou ´por minha culpa` e não, obviamente,  meia culpa". A expressão provém da Confissão, oração que integra a liturgia da Igreja Católica, através da qual os crentes reconhecem os seus pecados perante Deus e a Igreja, e pedem à Virgem Maria, aos anjos e santos, e aos irmãos de fé, a intercessão divina para o perdão dos mesmos”.