A ciência é feita de abertura, discussão e partilha de dados. É a liberdade para a crítica construtiva e o trabalho em equipa, que fazem avançar o conhecimento. A liberdade para investigar, criticar e partilhar é mantida e incentivada pelo poder político, com mandato da população. É portanto, com enorme preocupação, que observamos a crescente onda censória nos Estados Unidos da América, e que por mimetização, pode expandir-se para outros quadrantes. Este fenómeno não é apenas um problema académico ou de liberdade de expressão, mas uma verdadeira ameaça à saúde pública e à saúde global, com consequências potencialmente devastadoras para a população.
A pandemia expôs de forma crua como são frágeis os vasos comunicantes entre ciência, política e sociedade. Não foi apenas nos EUA que informações importantes e cruciais sobre a transmissão do vírus, eficácia das vacinas e as medidas de saúde pública, foram distorcidas, minimizadas ou abertamente contestadas por agendas políticas populistas. Os movimentos negacionistas demonstraram o quão fácil é para interesses ocultos alimentados pelo lucro ou agendas partidárias extremistas, rapidamente crescerem e causarem danos incalculáveis ao bem estar coletivo.
A administração Trump colocou um negacionista da ciência e das vacinas como responsável máximo pela saúde. Debaixo do lema “fazer a América saudável”, o seguro público perdeu o maior financiamento de sempre, deixando perto de 14 milhões de pessoas sem acesso a cuidados de saúde. Políticas de transparência foram suspensas e recomendações sobre cuidados preventivos foram abandonadas. A ideologia faz mal à saúde!
Mas não se tratam apenas das estranhas decisões políticas, mas também da censura e corte de fundos para projetos de investigação que não se alinham com a ideologia da extrema direita. Investigação sobre alterações climáticas e saúde, desigualdades em saúde, relações entre a saúde e o género e etnia, são restringidas ou mesmo canceladas. O que compromete gravemente a liberdade de investigação e a transparência da ciência.
A censura cria comunidades menos preparadas para os desafios do presente e do futuro, de forma assimétrica. Serão sempre os mais desfavorecidos que irão sofrer mais com as doenças reemergentes ou com fenómenos climáticos extremos. Sem liberdade, não teremos comunidades coesas e seguras. Com censura, estaremos todos, especialmente as pessoas com menor rendimento, mais expostas e vulneráveis a futuras emergências de saúde pública ou ambientais.
Este decair da qualidade da democracia irá emprestar legitimidade para que outros regimes autoritários aumentem a sua supressão da dissidência, censura ao diálogo político e científico. A erosão das normas científicas americanas provocará impactos mundiais, com danos na cooperação internacional, na saúde global e nos esforços para erradicar doenças como a poliomielite.
A saúde vive e prospera em democracia, pois a informação circula livremente e os cidadãos podem participar na formulação e avaliação de políticas públicas. Para garantir a equidade no acesso aos cuidados de saúde, seja no combate ao racismo ou na resposta a crises climáticas que afetam desproporcionalmente os mais vulneráveis, é fundamental que as políticas sejam informadas pela melhor ciência disponível, sem filtros ou distorções.
Perante um eclipse democrático no continente americano, a Europa no geral, e Portugal em particular, devem reafirmar o seu compromisso com a liberdade, livre troca de informação e investigação, sem esquecer os contributos indispensáveis para com a saúde global.
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