As cefaleias estão entre as doenças mais comuns do sistema nervoso, afetando cerca de 50% da população mundial. Cefaleias em mais de 15 dias por mês é prevalente em 1,7% a 4% da população adulta. A prevalência da enxaqueca é de cerca de 8% a 15% da população, sendo mais frequente do que doenças como a asma ou a diabetes.

De acordo com o Global Burden of Disease Study 2017, as cefaleias foram consideradas a segunda causa de anos vividos com incapacidade na população portuguesa dos 5 aos 49 anos, sendo a enxaqueca, em si mesmo, a sexta causa a nível mundial. As crises de enxaqueca severas estão ainda classificadas pela Organização Mundial de Saúde como uma das doenças mais incapacitantes do mundo, comparável à demência, quadriplegia e psicose ativa.

De acordo com a Sociedade Portuguesa de Neuropediatria, as cefaleias são uma queixa frequente na criança, e no adolescente, e são a principal causa de absentismo escolar.

Existem várias maneiras de classificar as cefaleias, uma das mais utilizadas pelos médicos que seguem estas crianças é a Classificação Internacional de Cefaleias, que tem critérios bem definidos.

Nesta, as cefaleias são divididas em primárias (são doenças em si mesmas, ou seja, não estão relacionadas com outras doenças) e secundárias (relacionadas com problemas de saúde, ou seja, são sintomas de outras doenças).

As cefaleias primárias mais frequentes na criança são a enxaqueca e a cefaleia de tensão. As cefaleias secundárias mais frequentes na criança são as relacionadas com os quadros febris associados a infeções víricas. A prevalência das cefaleias varia de acordo com os estudos e com o tipo de cefaleia.

Podem atingir os 3-8% nas crianças com 3 ou mais anos de idade, 19,5% nas crianças com 5 anos e 37-51% aos 7 anos, com maior frequência nos rapazes antes da puberdade e nas raparigas depois da puberdade. Na faixa etária dos 13-15 pode atingir os 70-80%.

A enxaqueca varia entre 7-11% (sendo mais prevalente na adolescência). Cerca de 5% dos adolescentes tiveram enxaqueca e 15% tiveram cefaleias de tensão.

Em relação às causas das cefaleias na criança e adolescente, na enxaqueca parecem estar relacionadas com alterações no cérebro e causas genéticas, uma vez que a maioria das crianças com enxaqueca tem outros familiares com o mesmo problema. Se ambos os pais tiverem história de enxaqueca há 70% de probabilidade de um filho desenvolver enxaqueca. Se só um dos pais tiver, o risco desce para 25%-50%.

Relativamente às cefaleias de tensão as principais causas são situações de stress a nível escolar ou familiar, depressões, etc.

No grupo das cefaleias secundárias as causas podem ser várias, mas as mais frequentes na criança e adolescente são as relacionadas com quadros febris víricos (constipações, gripes), ou outras causas como sinusite, faringite, otite…

A enxaqueca caracteriza-se por crises recorrentes de dores de cabeça, acompanhadas por:

- Mal-estar;
- Olheiras e palidez;
- Falta de apetite;
- Enjoos ou mesmo vómitos;
- Dificuldade em tolerar a luz e o ruído;
- Dificuldade de concentração;
- Vontade de se deitar e ficar quieto ou mesmo dormir.

As dores podem ser fortes e geralmente ocorrem na testa ou em toda a cabeça, são de curta duração (horas) e passam com o sono ou com um analgésico.

O diagnóstico é clínico, o que significa que um médico treinado consegue identificar de que tipo de dor de cabeça se trata.

Três em cada 4 crianças com enxaqueca têm um caso idêntico na família, seja nos pais, irmãos ou familiares mais afastados.

A enxaqueca é uma doença crónica e incurável. Ou seja, estas crianças vão, provavelmente, ter sintomas toda a vida.

No entanto, o facto de algumas crianças começarem muito novas não implica, necessariamente, que a doença seja mais grave do que se apenas surgisse na vida adulta.

A gravidade da enxaqueca é, sobretudo, medida pelo sofrimento e incapacidade que causam as crises. Um dia com enxaqueca grave é equivalente a um dia perdido, que se repete ciclicamente a uma dada frequência.

O tratamento deve ser ajustado conforme a incapacidade e sofrimento. Em 85% dos casos nas crianças, as seguintes medidas são o suficiente para controlar a doença:

- Medidas simples de estilo de vida;
- Um analgésico, em caso de crise.
- Nos casos mais complexos pode ser necessário tomar medicação específica em períodos ou tratamentos, para diminuir a frequência das crises. Esta medicação, denominada preventiva, é útil para aliviar o sofrimento e essencial para prevenir uma possível complicação que ocorre com mais facilidade em indivíduos com crises muito frequentes: o abuso de analgésicos.
- Nas crianças que têm história familiar de enxaqueca, é relativamente comum uma forma rara de enxaqueca nos adultos: A enxaqueca abdominal.

A enxaqueca abdominal é uma variante da enxaqueca normal em que a dor se localiza na região do umbigo. Normalmente, a enxaqueca abdominal é intensa e súbita, sem sintomas premonitórios, podendo ser desencadeada pelos mesmos fatores que desencadeiam a forma habitual da enxaqueca.

Os sintomas mais comuns da enxaqueca abdominal são:

- Dor gástrica grave;
- Cólica abdominal;
- Náuseas e vómitos;
- Palidez e falta de apetite.

A dor abdominal pode durar apenas cerca de 1 hora ou estar presente durante alguns dias. O relato detalhado dos episódios de dor observados por quem cuida da criança e a história familiar são aspetos fundamentais para um diagnóstico correto.

O tratamento da enxaqueca abdominal nas crianças é complexo. Além de não existir ainda um tratamento específico, muitos medicamentos usados na forma habitual da enxaqueca, não podem ser usados nas crianças. Assim, assume particular importância a identificação e controlo dos fatores que desencadeiam esta forma de enxaqueca.

No caso das crianças serem diagnosticadas com enxaqueca e já estiverem em idade escolar, é muito importante que o professor esteja a par da situação e informado de quais as medidas que deve adotar quando a criança estiver em crise: A criança deve ter a possibilidade de descansar num local calmo e com pouca luz, que lhe possibilite relaxar e dormir. Também a medicação prescrita pelo médico assistente deverá ser dada aquando do início da crise, uma vez que atrasar a toma da medicação só vai piorar os sintomas.

A melhor forma de lidar com uma criança com enxaqueca é instituir rotinas, pois as rotinas são fatores muito importantes para prevenir as crises:

- Ter rotinas de sono como deitar e acordar sempre às mesmas horas e tendo havido o número de horas de sono necessárias para o bem-estar da criança;
- Ter rotinas de alimentação, como ter refeições a horas certas e com um intervalo máximo de 3h, pois estar muito tempo sem comer é um fator desencadeante de enxaqueca;
- Manter a hidratação;
- Fazer exercício físico;
- Manter uma alimentação saudável;
- Não passar demasiadas horas em frente a ecrãs (PC, TV, telemóvel);
- Ter momentos calmos e de relaxamento, bem como ter tempo para brincar, são importantes para prevenir as crises. Não ter demasiadas atividades extracurriculares nem ter pressão excessiva para ser “a melhor” em tudo também são fatores importantes que ajudam à estabilidade da criança.

Alguns sinais de alerta de que a criança vai ter uma crise podem ser observados pelos pais, pois muitas vezes ocorrem manifestações tais como:

- Cansaço sem razão aparente;
- Bocejar de forma insistente;
- Dores musculares;
- Palidez;
- A criança mostra-se mais prostrada ou mais irritada;
- A criança mostra apetência súbita por certos alimentos.

Fazer um diário das enxaquecas em que se regista o número de crises, sintomas, alimentos ingeridos, informação sobre esforço físico, horas de sono e até o tipo de tempo (chuva, calor, etc.), é bastante importante para ajudar a controlar as crises, evitando os desencadeantes, e também para ajudar o médico a decidir qual será a terapêutica mais adequada.

As cefaleias e enxaquecas podem ser assustadoras para as crianças e deixá-las ansiosas, com medo da próxima crise, ou seja, as enxaquecas podem ser um fator de stresse para a criança e também para os pais, que se sentem muitas vezes perdidos e sem saber o que fazer e a quem recorrer.

A MiGRA Portugal, Associação Portuguesa de Doentes com Enxaqueca e Cefaleias, pode ser uma boa ajuda pois dispõe de informação que ajudará os pais a compreenderem o que se passa, permite a partilha de experiências entre pais e crianças com doença e incentivará os pais a procurarem ajuda especializada.

A minha primeira enxaqueca ocorreu quando eu tinha 8 anos de idade e nunca mais me esqueci dela. Sei onde estava e até o que tinha vestido. Lembro-me da dor intensa, da cabeça a latejar, das náuseas, das luzes e dos ruídos me parecerem exacerbados.

Depois de adulta, nas minhas pesquisas sobre enxaqueca, descobri que a minha primeira enxaqueca talvez nem tenha sido essa porque me lembro de ser mais pequena e me queixar insistentemente de dores de barriga junto ao umbigo. Penso, por isso, que comecei por ter enxaquecas abdominais teria talvez uns 5 anos e só 3 anos mais tarde tive então a primeira enxaqueca com dor de cabeça - Isabel Pireza, da MiGRA Portugal

Texto de: Isabel Pireza, da MiGRA Portugal (Associação Portuguesa de Doentes com Enxaqueca e Cefaleias)