"A dimensão deste problema e o perigo potencial para a vida humana tornaram-se evidentes com a pandemia da covid-19 e forçou as partes interessadas a procurar soluções mais criativas, eficazes e colaborativas”, adianta o manual de combate à desinformação em saúde e doenças não transmissíveis da OMS, da autoria dos portugueses Francisco Goiana-da-Silva, Francisco de Abreu Duarte e João Marecos.

Este tipo de doenças, como as do foro cardíaco, cancro, diabetes, obesidade e patologias respiratórias, são responsáveis por quase 90% de todas as mortes na região europeia da OMS, abrangendo 53 países da Europa e da Ásia Central, grande parte das quais evitáveis.

O documento é o resultado de três conferências organizadas pela OMS - a Agência Lusa participou numa dessas reuniões - sobre o tema e pretende ser um manual para ajudar a construir um conjunto de ferramentas e iniciativas políticas de combate à desinformação na área da saúde.

“Apesar dos constantes avisos de diferentes autoridades públicas nacionais e internacionais, a desinformação em saúde continua a aumentar”, alerta o documento, avançando que, de acordo com um inquérito de 2018, metade dos residentes da União Europeia procuraram informação sobre saúde ‘online’ em 2017, um número que quase duplicou desde 2008.

“Isto aponta para uma tendência crescente em que os jovens cada vez mais digitalmente literatos procuram diagnósticos, ajuda e aconselhamento através de pesquisas na internet e ferramentas de autoajuda, e também dependem de artigos da internet como fontes fiáveis de informação sobre saúde”, salienta o manual.

A OMS salienta ainda que, embora haja vários aspetos positivos no aumento do acesso à informação, isso pode levar a resultados muitas vezes preocupantes, assistindo-se a uma “infodemia” que deve ser combatida através de uma estratégia comum e alinhada de todas as partes.

De acordo com o documento, a pandemia de covid-19 representa, assim, uma “grande oportunidade para testar a forma como as diferentes partes interessadas se podem unir para combater” a desinformação em saúde.

Isto numa altura em que “cada vez mais indivíduos obtêm as suas informações de saúde de locais digitais”, como motores de busca ou plataformas de redes sociais, muitas vezes com informações incorretas e imprecisas, que podem levar a consequências como um estilo de vida prejudicial, automedicação, abandono de tratamento médico ou diagnósticos errados.

O documento aponta o exemplo de vários relatos de uma potencial ligação entre o autismo e a vacinação contra o sarampo, papeira e rubéola que ainda podem ser encontrados `online´, apesar de ter sido provada a sua falsidade por numerosos estudos científicos.

O manual lembra ainda que a internet reduziu drasticamente os custos de acesso à informação de saúde, tendo multiplicado fontes e acesso barato ou acessível a conselhos especializados, facilitados pela adoção generalizada de smartphones, que “podem ser encontrados atualmente em mais de três mil milhões de bolsos em todo o mundo”, além de outros equipamentos eletrónicos.

“A desinformação – que existe há séculos – tornou-se mais abundante e os seus efeitos mais impactantes devido à poderosa combinação de comunicação instantânea desintermediada e a uma nova capacidade de amplificar conteúdos à escala global”, refere o documento, ao indicar que o exemplo dos 25% dos vídeos mais vistos no YouTube sobre a pandemia “conterem informações enganosas”.

O manual sublinha também que as fontes de “desinformação são muitas vezes complexas e multicamadas”, mas apresenta “alguns padrões” que ajudam a que seja rastreada até às suas fontes primárias.

“Um estudo do Center for Countering Digital Hate concluiu que 65% das informações falsas sobre as vacinas covid-19 partilhadas nas principais plataformas de redes sociais podem ser rastreadas até apenas 12 fontes”, refere o documento, ao salientar que “vender `likes´ é também um negócio rentável”.

Entre os principais desafios, o manual identificou os “drasticamente baixos” níveis de literacia em saúde, a baixa capacidade de avaliar a credibilidade das fontes de informação e o facto de ser “muito mais fácil produzir informações falsas do que informações de saúde factualmente precisas, que muitas vezes requer estudo, investigação, confirmação e revisão”.

“Embora todas as classes sociais sejam afetadas pela desinformação, as evidências sugerem que os jovens, os grupos minoritários e aqueles com baixos rendimentos e níveis de educação podem estar mais expostos e vulneráveis à desinformação”, adianta.

Para combater essa desinformação, o manual propõe, baseando-se na “profunda mudança” nessa luta durante a pandemia, uma cooperação entre as autoridades públicas, a indústria (incluindo os meios de comunicação social e as empresas e plataformas das redes sociais) e a sociedade civil (através de organizações não-governamentais e a nível individual).

À comunidade científica, cabe fornecer a estas entidades os roteiros e as evidências necessárias a esse combate, refere o documento.

O projeto do Manual de Combate à Desinformação em Saúde, que começou em 2019, vai ser apresentado nas próximas semanas ao público num evento da OMS em colaboração com a Google/Youtube.