O que causa dor nas costas? 

A “dor nas costas” é um sintoma extremamente comum, que pode ocorrer em todas as idades e tem causas bastante diversas.

As “costas” correspondem à região posterior do tronco, que é composta por:

  1. região dorsal, entre o pescoço e a região onde terminam as costelas;
  2. região lombar, entre a zona onde terminam as costelas e a região onde começa a bacia;
  3. região sagrada, zona abaixo da região lombar.

Quando pensamos em dor nas “costas”, podemos pensar automaticamente na dor na coluna vertebral. Do ponto de vista anatómico, a coluna vertebral é composta por 5 zonas: a coluna cervical, vulgarmente referida como o pescoço, a coluna dorsal, lombar e sagrada, já referidas anteriormente, e a coluna coccígea, a região terminal inferior da coluna.

A dor nas “costas, pode, como vimos, ter origem em regiões anatómicas diferentes. Em cada uma delas, existem estruturas anatómicas que podem dar origem a dor, por exemplo: na região lombar alta podemos ter dor com origem a nível dos rins, porque os mesmos estão localizados na profundidade da região abdominal, muito proximamente à coluna vertebral.

Pode igualmente ter origem nos músculos e tendões (dor muscular). São exemplos disto o caso muito frequente da lombalgia de esforço (dor na região lombar com características mecânicas), da dor postural ou da dor de sobrecarga relacionada com o exercício físico. Por outro lado, a dor pode ter origem na própria estrutura intrínseca da coluna vertebral, nomeadamente a nível do osso (dor óssea), como é o exemplo da ocorrência de uma fratura, de tumores que provocam destruição do osso ou até mesmo infecções que envolvem a parte óssea da coluna.

Outra fonte de dor importante é o disco intervertebral, em que a sua destruição, seja ela aguda, como vemos em alguns casos de rotura discal, ou crónica, como ocorre universalmente com o envelhecimento da estrutura orgânica do disco, pode provocar dor. A lesão do disco intervertebral pode, em algumas situações, provocar uma migração do seu núcleo para o exterior do disco, originando aquilo que conhecemos por hérnia discal. Ao migrar para dentro do canal vertebral, o material herniado do disco pode provocar dor local ou, mais tipicamente, dor ciática, quando existe uma irradiação distal da dor pelo membro.

As pequenas articulações da coluna, conhecidas por articulações facetárias, são igualmente sede de processos de desgaste/artrose e podem provocar dor (dor facetária).

Em casos menos frequentes, podemos também ter dor nas “costas” no contexto de algumas doenças reumáticas, ocorrendo quando a inflamação afeta a estrutura articular ou tendinosa (inserção dos músculos no osso) dos vários segmentos da coluna vertebral.

Em suma, a comum dor nas “costas” é um termo muito genérico que pode estar localizada em diferentes regiões do dorso e ter origem em diferentes estruturas anatómicas, com causas diversas. Em muitos casos, não é possível definir uma causa concreta de dor nas costas, designando-se, nestes casos, por dor inespecífica.

Será que o teletrabalho e a falta de exercício físico representam riscos para a saúde da coluna vertebral?

O ano de 2020 e grande parte de 2021 foram afetados pelas restrições e alterações do ritmo de vida profissional da população mundial, devido à pandemia SARS-CoV-2. Trabalhar a partir de casa passou a ser uma realidade para a qual foi necessário uma adaptação de grande parte da população.

A adaptação do espaço do lar, naturalmente mais vocacionado para o lazer e descanso, a uma realidade profissional não é, em muitos casos, uma mudança fácil. Num escritório, os profissionais despendem muitas horas seguidas a trabalhar à secretaria ou ao computador. Os espaços empresariais estão normalmente apetrechados com condições de conforto e ergonomia que não existem em casa. Não é raro a cadeira da mesa de jantar, da mesa da cozinha ou o sofá serem utilizados para substituir a cadeira confortável e regulável do escritório, o que implica uma sobrecarga postural significativa. E a prova é que muitas das consultas realizadas refletiram esta adaptação forçada do espaço de casa a um ambiente profissional improvisado. Em muitas famílias ocorreu a partilha de casa como local de teletrabalho, incluindo igualmente a tele-escola dos filhos. Foi um período conturbado de grande exigência física e psicológica para as famílias. Paralelamente, assistimos ao encerramento dos ginásios, o que levou muitas pessoas a quebrarem a sua rotina de exercício.

O teletrabalho generalizou-se e passou a ser uma realidade que estará para ficar. É importante que esta adaptação se faça de forma consciente pelos empregadores e, igualmente, pelas populações.

Sabemos que os estilos de vida ativos, com treino físico que estimule o controlo postural, o controlo do peso corporal, a mobilidade articular e a dinâmica muscular, a par da qualidade do conforto dos espaços laborais e de uma carga horária de trabalho equilibrada são fatores decisivos para o bem estar geral e da coluna vertebral. A quebra destes padrões de qualidade constituem fatores de risco para o desenvolvimento de sintomas relacionados com a sobrecarga da coluna vertebral.

Quando sentimos dores nas costas devemos repousar e parar de praticar atividade física?

A ocorrência de dor deve ser interpretada como um sinal de alerta para algo que pode não estar bem, mas nem sempre obriga a evitar a realização de exercício.

A dor vertebral relacionada com a prática de exercício deve levantar suspeita quando ocorre repetidamente em contexto específico de alguma atividade física, persiste para além da prática de determinado exercício e desencadeia sintomas adicionais, como por exemplo: dores de cabeça, dor irradiada aos membros superiores ou inferiores ou sintomas neurológicos, como o aparecimento de formigueiros ou perda de força em algum território muscular dos membros. Neste contexto, é importante considerar a existência de doenças/problemas médicos associados. Na osteoporose, por exemplo, existe um risco aumentado de fratura; numa situação de défice imunitário, por outro lado, existe um risco aumentado de infecção.

Por fim, o sedentarismo é um fator promotor de disfunção e desenvolvimento de dores na coluna vertebral. Neste contexto, podemos mesmo dizer que a presença de dor nas costas deve ser um sinal de alerta para se iniciar atividade física.

Nuno Lança, médico ortopedista e cirurgião de coluna vertebral
Nuno Lança, médico ortopedista e cirurgião de coluna vertebral

Em caso de dor lombar, devemos aplicar calor ou gelo?

Importa esclarecer qual a função analgésica e anti-inflamatória da aplicação de calor ou frio. Genericamente, o gelo tem uma ação física anti-inflamatória porque promove a constrição dos vasos sanguíneos, o que faz diminuir a circulação local de moléculas inflamatórias e promove a diminuição da temperatura local. O gelo promove diminuição da dor de origem inflamatória, como é o caso da inflamação de tendões (tendinites) ou da lesão de tecidos após um traumatismo direto.

Por outro lado, o calor tem uma ação relaxante sobretudo no músculo e igualmente sobre os vasos sanguíneos, promovendo o relaxamento muscular e aumentando o aporte de sangue localmente. O calor tem um efeito favorável em situações de contraturas musculares e de sobrecarga/fadiga muscular.

Como explicado, a escolha do frio ou calor depende da situação clínica, podendo, em alguns casos ser benéfico a utilização de ambas as opções em alternância.

De que forma devemos levantar e manusear objetos pesados, de modo a protegermos as nossas costas?

Objetos pesados e não habitualmente manuseados não devem ser levantados por pessoas não treinadas, porque podem, previsivelmente, provocar lesões de sobrecarga, sejam elas fraturas, roturas discais ou simplesmente contraturas musculares por sobresolicitação. De qualquer forma, mesmo indivíduos treinados e habituados a manusear pesos elevados podem sofrer lesões por sobrecarga, como vemos algumas vezes em desportistas.

Em geral, podemos proteger as nossas costas evitando pegar em objetos pesados que estão no chão, o que obriga a forças exigentes da musculatura vertebral. Devemos pegar em objetos que estão no chão fletindo as articulações do tornozelo, joelhos e ancas, para que o esforço da elevação do objeto juntamente com o nosso tronco seja partilhado por múltiplos grupos musculares, o que divide a quantidade de esforço realizado pelos músculos e pelas articulações envolvidas. Pegar em objetos pesados a partir do chão apenas com o tronco fletido deve ser evitado.

Em situações particulares, como objetos muito pesados e em situações laborais, devemos utilizar auxiliares de carga, como cintas e dispositivos automatizados, ou pegar nesses pesos com a ajuda de terceiros.

A forma como utilizamos o nosso smartphone ou tablet pode estar relacionada com a dor que sentimos nas nossas costas? 

Pode, no sentido em que pode promover posturas mais prolongadas com sobre-solicitação muscular em posições de hipermobilidade das articulações. Exemplos disto são a flexão do pescoço, a flexão da coluna lombar ou estar deitado no sofá ou na cama em posições incorretas. Devemos limitar estes períodos posturalmente exigentes durante o dia-a-dia e ter cuidado com a ergonomia no nosso local de trabalho e em casa.

Sabe quais são os cuidados que devemos ter ao utilizar estes equipamentos?

Os cuidados gerais são: utilizá-los por períodos limitados no tempo; evitar posturas incorretas de forma prolongada; estar sentado de forma correta e com ajuste da altura da cadeira com o plano da mesa/secretária; optar, em caso de necessidade de trabalho mais prolongado, por períodos à secretária, com a utilização de monitores maiores e bem alinhados com a posição sentada e com o plano da visão.

À secretária, que cuidados devemos adotar relativamente à nossa postura?

Devemos utilizar cadeiras confortáveis, evitar tempo prolongado na posição sentada, ajustar a altura da cadeira de forma a que possamos estar com os joelhos e ancas fletidos a 90º e em que o apoio dos antebraços no plano da mesa/secretária seja possível com mínima flexão da coluna.

A flexão lombar, sobretudo por períodos prolongados, promove um aumento da pressão no interior do disco intervertebral o que constitui um fenómeno de sobrecarga com aumento do risco de rotura e desgaste. A báscula da bacia com relaxamento da lordose fisiológica da coluna lombar facilita igualmente que o apoio da carga na posição sentada se desloque posteriormente para a coluna sacro-coccígea e promova dor nesta localização, sobretudo em superfícies menos almofadadas.

Quem tem dores nas costas deve procurar que especialidade médica?

A dor nas costas é uma das principais razões para ida ao médico, sobretudo na população profissionalmente ativa. A prevalência de dor nas costas (lombar) durante a vida de um indivíduo pode chegar aos 84%, o que significa que em alguma fase da vida quase todos podemos vir a ter algum episódio de dor vertebral.

Genericamente, deve ser cumprida a hierarquia da especificidade dos recursos de saúde. Um indivíduo com dor nas costas deve recorrer inicialmente aos cuidados de saúde primários (Centro de Saúde, Médico de Família), onde pode obter esclarecimentos sobre as causas mais comuns da dor e recomendações de tratamento ou de prevenção do desenvolvimento destas queixas. Em casos específicos, o Médico de Família poderá iniciar um estudo complementar com a realização de exames de imagem, quase sempre necessários para o estudo de dores nas costas com sinais de alarme.

Em alguns casos, podemos consultar a Especialidade de Medicina Desportiva ou Fisiatria, que também poderão dar um apoio muito abrangente para a patologia da coluna, sobretudo em indivíduos desportistas. A consulta de Reumatologia pode estar indicada em alguns casos específicos de dor inflamatória, sobretudo em doentes com doenças reumatológicas, como é o caso da Artrite Reumatoide ou a Espondilite Anquilosante.

A avaliação em sede de consulta de Cirurgia da Coluna, realizada pelas especialidades cirúrgicas de Ortopedia e Neurocirurgia, deve ser reservada a casos específicos de presença de dor prolongada, associada a sintomas de alarme, nomeadamente: mecanismos traumáticos; dor de difícil controlo com medicação ou exercício físico; perda de peso ou febre não esclarecidos; comorbilidades médicas, como osteoporose, doenças inflamatórias da coluna, neoplasias e tumores e imunodeficiência; dor de características radiculares, como a dor irradiada aos membros; presença de alterações da força ou sensibilidade; dor vertebral em crianças/adolescentes ou em indivíduos com mais de 50 anos; dor de aparecimento noturno e que interrompe o sono; doentes já estudados e referenciados por especialidades médicas. A consulta de Cirurgia da Coluna, realizada por Ortopedia e Neurocirurgia,  é vocacionada especificamente para a avaliação da necessidade de realizar tratamento cirúrgico.

Qual a proporção de casos de dores nas costas que implicam intervenção do cirurgião de coluna (Ortopedista ou Neurocirurgião)?

A dor nas costas é uma queixa clínica, como já referido anteriormente, muito prevalente e frequente ao longo da vida de um indivíduo. É mais frequente na idade adulta e, em geral, não requer cuidados cirúrgicos. A dor nas costas de características inespecíficas é, em geral, auto-limitada e na maior parte dos casos resolve-se com medidas conservadoras até às 4-6 semanas.

Em casos menos frequentes, que não é possível quantificar, pode vir a ser necessário uma cirurgia. Esta indicação depende muito do caso e deve geralmente ser considerada uma opção de recurso final, deve obedecer a critérios muitos apertados de decisão e ser sempre uma decisão partilhada entre o cirurgião e o doente. Pelos riscos associados, que naturalmente dependem do tipo e da magnitude da cirurgia de que o doente possa precisar, a indicação operatória não depende exclusivamente da patologia da coluna que o doente apresenta, mas sim do doente como um todo, da sua aptidão para um tratamento cirúrgico e do sucesso previsível e expectável para determinado tipo de tratamento.

Na minha prática clínica, poderia estimar que menos de 10% dos doentes que observo necessitam de cirurgia.

A reeducação postural global é uma boa técnica para ajudar a corrigir alguns erros? Porquê? Existem outras?

Qualquer técnica que tenha em consideração a anatomia normal, a fisiologia da função muscular e a boa interpretação da fisiologia do movimento e da biomecânica do aparelho locomotor pode, em alguma altura, ser uma opção válida para o tratamento das dores nas costas, sobretudo em relação a queixas de dor relacionadas com as alterações do equilíbrio muscular, sobrecarga muscular e insercional ou com alterações do equilíbrio estrutural da coluna vertebral.

Diria que o treino postural deveria ser considerado uma disciplina obrigatória na organização de um plano de treino para qualquer indivíduo, independentemente da idade, e adaptado a cada pessoa. O equilíbrio postural é um fator chave do bem estar da coluna vertebral e deve ser trabalhado diariamente.

Em complemento, não podemos negligenciar outras disciplinas, como o treino de mobilidade articular, da flexibilidade, de força, particularmente o adaptado à função habitual de um indivíduo do ponto de vista profissional, e ainda o de resistência cardiovascular.

A campanha “Olhe pelas suas costas”, lançada em 2009, é uma iniciativa que visa sensibilizar a população para a problemática das dores nas costas, alertar para as suas consequências na vida pessoal e profissional dos portugueses e educar sobre as formas de prevenção e tratamento existentes. A iniciativa tem a chancela da Sociedade Portuguesa de Patologia da Coluna Vertebral, da Associação Para o Estudo da Dor, da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, da Sociedade Portuguesa de Neurocirurgia, da Sociedade Portuguesa de Medicina Física e de Reabilitação e da Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia e conta com o apoio da Medtronic.

Nuno Lança, médico ortopedista e cirurgião de coluna vertebral no Hospital de Santa Maria e no Hospital Cuf Descobertas - Centro de Ortopedia e Traumatologia. É ainda Fellow of the European Board of Orthopaedics and Traumatology e representante da campanha "Olhe Pelas Suas Costas".