Para quem não está a par, "La Casa de Papel" é uma série de sucesso que consiste na realização do maior assalto do século. El Profesor recruta oito pessoas (com habilidades e características diferentes) e dá-lhes nomes de cidades internacionais, a fim de manterem o anonimato durante o ambicioso plano. O objectivo seria infiltrarem-se na Casa da Moeda de Espanha, para que pudessem imprimir 2,4 biliões de euros, um processo que demoraria onze dias. Durante este tempo, teriam de lidar com sessenta e sete reféns e com as forças da polícia de elite.

Dei comigo a pensar no desastre que seria se isto fosse feito em Portugal. Começava logo mal porque El Profesor não aparecia para organizar as coisas porque, muito provavelmente, teria sido colocado numa escola muito distante da origem do plano, pelo que começavam logo sem a orientação do cabecilha. Quanto às oito pessoas recrutadas, no mínimo quatro não apareciam porque estavam de baixa. Com isto, o plano começava apenas com quatro pessoas e, com os atrasos e erros informáticos existentes no país, muito provavelmente só conseguiriam reunir-se todos para o assalto uma semana após o combinado. Quanto aos nomes, ao invés de cidades internacionais, seriam terras portuguesas: o Ovar, o Tancos, o Felgueiras e o Oeiras.

Empenhou-se em assustar tudo e todos, mas não conseguiu. Mal arrombou a porta, não viu ninguém. Estavam todos em greve

Em Portugal, o plano não podia ser tão ambicioso como na série, porque envolvia trabalho e exigiriam logo horas extra. Além de que não poderiam fazer todos parte do mesmo assalto, porque metiam-se na conversa e o trabalho não aparecia feito. Assim sendo, decidiram dividir-se: o Ovar barricava-se na CP, o Tancos barricava-se na MEO, o Felgueiras na Conservatória do Registo Civil e o Oeiras nas Finanças.

O Ovar decidiu entrar com tudo na CP, porque queria fazer uma entrada ameaçadora. Levou pistolas, granadas e bombinhas de mau cheiro. Empenhou-se em assustar tudo e todos, mas não conseguiu. Mal arrombou a porta, não viu ninguém. Estavam todos em greve. Ficou sem boleia para ir para cima, pelo que ligou a um amigo sucateiro da sua zona, que corrompeu um taxista e o trouxe para casa. Foi apanhado a meio do caminho, devido aos desacatos causados e ao porte de arma ilegal.

O Tancos barricou-se na MEO, com o intuito de os fazer cumprir com os contratos de fornecimento de internet a quem a pagou e, acima de tudo, garantir que quando dizem que a assistência técnica aparece em casa do cliente entre as 14 horas e as 16 horas, esta aparece mesmo. Entrou nas instalações com uma meia na cabeça, tentou sacar a arma do cinto... E esta tinha desaparecido. Foi rapidamente imobilizado por populares que, de imediato, chamaram a polícia, procedendo à sua detenção. Quando chegou ao posto mais próximo e foi revistado, já tinha a arma no sítio de onde a tinha tentado tirar anteriormente. Até hoje não consegue explicar este problema com o seu armamento.

O Felgueiras tentou barricar-se na Conservatória do Registo Civil, com o intuito de tirar o passaporte no dia, sem desculpas, sem filas e sem o sistema ir abaixo. É que nunca se sabe quando é que pode ser necessário fazer uma viagem de urgência para o Brasil. Os trabalhadores da Conservatória do Registo Civil agradeceram muito a preferência do Felgueiras por se querer barricar naquele estabelecimento, mas pediram para voltar no dia seguinte, porque saíam às 16 horas. Teriam muito gosto em poder ajudá-lo a barricar-se ali, mas aconselharam-no a ter atenção ao horário de expediente. Contudo, se fosse muito urgente e tivesse mesmo de se barricar naquele dia, aconselhavam-no a ir à Loja do Cidadão, porque fechava mais tarde. O Felgueiras ainda tirou um saco azul e tentou aliciá-los com umas poupanças, para o ajudarem a fazê-lo naquele dia e evitar andar de um lado para o outro. Eles sentiram aquilo como ultrajante e chamaram a polícia por tentativa de suborno, pelo que foi detido.

Já o Oeiras tentou barricar-se nas finanças, porque estava farto de estar a recibos verdes

Já o Oeiras tentou barricar-se nas finanças, porque estava farto de estar a recibos verdes. Exigiu que lhe preenchessem o IRS e fez refém um funcionário, para lhe validar as facturas no portal. Esteve horas lá fechado, mas ninguém lhe soube resolver os problemas porque, aparentemente, todos percebiam menos do assunto do que o Oeiras. Aconselharam-lhe, no entanto, um autarca do seu concelho que, ao que parece, tem-se safado muito bem e sempre a seu favor. Foi preso uns anos mais tarde, por fuga ao fisco.

Se "La Casa de Papel" fosse gravada em Portugal, teria pouca acção porque acabavam todos presos no primeiro episódio. O enredo começava era no cárcere, com os avanços e os recuos no processo para, no final, serem todos libertados com termo de identidade e residência.