O estudo foi apresentado no dia 1 de março pelo médico português David Ângelo a convite de uma das mais prestigiantes instituições da especialidade da articulação temporomandibular, a Sociedade Americana de Cirurgiões da Articulação Temporomandibular que realizou o seu congresso anual, de 29 de fevereiro a 3 de março. Esta apresentação surge no âmbito da publicação do referido estudo na revista Journal of Clinical Medicine.

Durante muitos anos, não existiu consenso sobre como tratar as disfunções temporomandibulares em crianças (por um conjunto de situações era recomendável esperar até o doente atingir os 18 anos para algumas intervenções cirúrgicas à articulação temporomandibular de crianças), por receio de poder causar complicações ou possíveis alterações no seu crescimento craniofacial, assim como danos irreversíveis.

A ideia do estudo surgiu pelo médico David Ângelo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (Cirurgia de Cabeça e Pescoço) e cirurgião no Instituto Português da Face, que explica que «comecei a observar uma procura elevada da minha consulta por pais, com crianças com idades entre os 5 e os 14 anos, devido a problemas nas articulações temporomandibulares e queixas de dores fortes. Alguns casos estavam a fazer medicação diária para a dor e algumas crianças já estavam a tomar antidepressivos! Desenhei um estudo, com a minha equipa, para avaliar o impacto de técnicas minimamente invasivas (artrocentese e a artroscopia) na articulação temporomandibular desta população.»

Após aprovação pela comissão de ética, este estudo inédito, teve início a 1 de junho de 2019 (numa duração total de três anos) e incluiu doentes com idade inferior a 18 anos, com patologia da articulação temporomandibular. Dependendo do estado da doença, o cirurgião realizava a artrocentese ou a artroscopia da ATM (duas técnicas minimamente invasivas onde David Ângelo tem já muita experiência em adultos, com excelentes resultados). Foi realizada a avaliação de diferentes parâmetros como a dor, dificuldade na mastigação, tensão muscular, dificuldade na abertura da boca e complicações da intervenção.

O estudo incluiu 26 crianças, todas tratadas de forma rigorosa e metódica, em que 67% fez artrocentese e 33% fez artroscopia, sendo posteriormente seguidas por uma equipa de acompanhamento multidisciplinar. Os resultados alcançados foram muito positivos: verificou-se uma redução significativa da dor no pós-operatório de quase 90%, uma melhoria da função mastigatória de mais de 96% e redução dos estalidos intra-articulares em 89% das crianças.

Não tendo apresentado nenhuma complicação cirúrgica nestes tratamentos, foi também possível reduzir a dor média (de 4.04 antes da intervenção para 0.5 após intervenção) e comprovar ótimos resultados da abertura de boca (de 35.5mm para 43mm após a cirurgia).

A artrocentese e a artroscopia da articulação temporomandibular representaram assim uma opção eficaz e segura para tratar doentes em idade pediátrica com disfunções temporomandibulares intra-articulares, integrando assim mais uma opção nas estratégias disponíveis e oferecendo uma solução minimamente invasiva e efetiva, especialmente quando o tratamento conservador falhar. No entanto, o cirurgião recomenda cuidados especiais, onde só mãos experientes devem fazer esta intervenção em crianças pois há particularidades técnicas que são importantes controlar para os procedimentos serem bem-sucedidos.

A equipa submeteu os resultados à revista internacional “Jornal of Clinical Medicine”, que, reconheceu mérito e a qualidade desta investigação, como sendo o primeiro trabalho a nível mundial a desmistificar o tratamento cirúrgico de forma séria em idades pediátricas.

O estudo prospetivo deu, assim, a conhecer que tanto a artrocentese como a artroscopia da articulação temporomandibular parecem beneficiar doentes em idade pediátrica com disfunções temporomandibulares, diminuindo significativamente a dor, melhorando a abertura máxima de boca, evitando a progressão da doença sem complicações pós-operatórias relevantes.

O mérito foi de tal forma reconhecido, que, após a publicação do artigo na revista (a 24 de janeiro), David Ângelo recebeu um convite pela Sociedade Americana de Cirurgiões da Articulação Temporomandibular para apresentar os resultados deste trabalho nos EUA.

O número de crianças com estes problemas tem vindo a aumentar, provavelmente devido à sobrecarga, ao stress e ansiedade em que vivem atualmente. Com estes resultados, é possível uma intervenção mais “precoce” nesta comunidade, sem ser necessário aguardar até aos 18 anos de idade, garantindo uma melhoria da qualidade de vida destes doentes e evitando complicações da doença.