Foram cerca de 75.000 assinaturas e alguns meses de espera, mas a petição lançada pela Associação Portuguesa de Fibrose Quística (APFQ), em conjunto com a Associação Nacional de Fibrose Quística (ANFQ), foi discutida na Comissão de Saúde do Parlamento, que deu razão ao pedido de acesso imediato do Kaftrio, um medicamento inovador capaz de melhorar a vida dos doentes, a todos os portugueses com Fibrose Quística (FQ).

O relatório final da avaliação feita na Comissão de Saúde será agora remetido ao presidente da Assembleia da República e à Ministra da Saúde, para eventual medida legislativa ou administrativa.

São 400 os doentes que, em Portugal, são portadores de FQ, encontrando-se estes numa situação desvantajosa face a doentes de outros países europeus, uma vez que o nosso país é dos poucos da União Europeia onde não existe acesso generalizado às terapias inovadoras. Razões que levaram à apresentação da petição que, por sua vez, motivou um pedido de esclarecimentos pelo Parlamento à Ministra da Saúde sobre o tema, sem que o mesmo tenha tido resposta.

A Comissão de Saúde conclui agora que “urge a necessidade de serem alterados os tempos médios de espera para acesso à inovação terapêutica em Portugal”, considerando a relatora do documento final que “todo o tempo de espera burocrático que decorre neste caso específico é sinónimo de perda progressiva e irreversível da capacidade respiratória e progressão da doença”, partilhando a esperança de que “a sua resolução esteja para breve".

Paulo Sousa Martins, presidente da ANFQ, considera que a resposta agora dada à petição confirma “a injustiça que tem sido vivida pelos doentes portugueses há alguns anos. Apesar de estarem disponíveis autorizações de utilização excecionais dos medicamentos, estas são claramente insuficientes, porque normalmente são concedidas num estado muito avançado da doença, já com sequelas irreversíveis. O que é fundamental é que os doentes possam ter acesso à medicação o mais cedo possível, para travar o evoluir da doença. É isso que aqui está em causa”.

Herculano Rocha, presidente da APFQ, acrescenta que o Infarmed em relação a estes medicamentos inovadores sem similares no mercado, perde tempo a fazer “a avaliação fármaco-terapêutica já feita a nível europeu pela EMA, e como tal, deve ser ultrapassada para se concentrar na avaliação fármaco-económica”.

Em audiência Parlamentar na Comissão de Saúde o Presidente do Infarmed deu a entender que é possível os doentes acederem ao medicamento através de AUE. “Os médicos dos Centros de Referência não podem prescrever livremente o Kaftrio, porque por imposição do Infarmed só é elegível para tratamento por AUE o doente que está em fase terminal da doença, estando impedidos de prescrever Kaftrio a doentes elegíveis, para impedir que a sua doença evolua para uma fase crítica com alterações pulmonares irreversíveis. Só com a aprovação do medicamento para todos os doentes elegíveis independentemente da sua situação clínica, será possível colocar os doentes Portugueses com Fibrose Quística em pé de igualdade com os outros cidadãos Europeus”, conclui o mesmo responsável.

A discussão pública à volta do fármaco ganhou força com caso de uma doente de 24 anos, Constança Braddell, que se queixou da demora na aprovação em Portugal do inovador “Kaftrio”, destinado àquela doença genética, hereditária e rara. “Não quero morrer, quero viver”, escreveu a jovem numa mensagem pública numa rede social.

Que doença é esta?

A Fibrose Quística (FQ) é uma doença hereditária rara, que afeta mais de 90.000 pessoas em todo o mundo, aproximadamente 50.000 na Europa e cerca de 400 em Portugal. Manifesta-se logo à nascença, sobretudo ao nível das vias respiratórias, que ficam obstruídas por um muco espesso que é necessário remover por ação de fisioterapia e agentes mucolíticos.

Além destes tratamentos que ajudam a desobstruir as vias respiratórias, as pessoas com FQ têm de receber diariamente outros medicamentos para debelar os seus sintomas: enzimas antes das refeições para digerirem os alimentos (aquilo que todos fazem sem sequer pensar); antibióticos, para fazer face às repetidas infeções pulmonares; vitaminas e outros suplementos alimentares; anti-inflamatórios, para conter a inflamação crónica, além de internamentos prolongados para controlo das crises respiratórias frequentes.

Apesar desta enorme carga terapêutica, a doença vai seguindo o seu curso com perda significativa da função respiratória, que assim se vai deteriorando e que, em última análise, só é mitigada com recurso a um transplante pulmonar.