Nem todos gostamos de queijo a ponto de lhe endereçarmos a dedicatória do nosso primeiro livro - a menos que a obra seja sobre queijo - juntando-lhe as palavras “nunca mais te abandonarei”. Caroline Dooner, escritora, contadora de histórias e “antiga adepta de dietas ioió”, fê-lo.

Caroline não é nutricionista, tão pouco médica ou dietista. O que a traz para esta conversa e para o livro que escreveu, “A dieta do que se f*da” (edição Chá das Cinco), é a experiência de alguém que viveu uma trintena de dietas de perda de peso, encaixadas numa década de ciclos obsessivos, crónicos e infelizes de restrições alimentares.

Uma entrevista que assenta como luva na data [6 de maio] em que, mundialmente, se celebra o Dia Internacional Sem Dieta. Não a data que nos impele a quebrar todas as regras, antes para repensarmos a alimentação variada e equilibrada. Numa palavra, sensata.

No desfiar de dietas de perda de peso de Caroline cabem algumas quase desconhecidas. Quem se lembraria das dietas Atkins, de South Beach, de resistência à insulina, ou de Rosedale? Foi, contudo, a tão familiar dieta Paleo que levou a norte-americana a procurar os porquês para a sua busca incessante.

Para Dooner, uma das respostas para falharmos – ou, mais precisamente, julgarmos falhar - nas dietas está na própria restrição alimentar que nos empurra para uma relação obsessiva com o que comemos. Se falhamos, a culpa é nossa, não da dieta, pensamos. E seguimos para a próxima “amiga” na perda de peso.

De acordo com a autora, “sair do ciclo de restrição e compulsão pode ajudar-nos a atingir aquele ´lugar` onde a alimentação não é um drama”.

após mais de 30 dietas de emagrecimento
"As dietas estão diretamente relacionadas com o sentimento crescente de descontrolo da alimentação", defende Caroline Dooner. créditos: Caroline Dooner

A Caroline tem uma longa história de dietas de perda de peso. Afirmou que tinha uma relação abusiva com essas dietas. Porquê?

O mais perturbador das dietas é que as restrições alimentares, acabam por nos causar descontrolo frente aos alimentos. Quando, inevitavelmente, "falhamos" na dieta, em vez de percebermos que estamos a lidar com um conceito ineficaz, culpamo-nos. Durante muito tempo, encarei a minha obsessão com a comida como um sinal. O de que precisava de fazer uma dieta ainda mais difícil ou encontrar uma dieta nova e melhor. Assim, repetia o mesmo caminho e culpava-me sempre.

Em que momento é que a Caroline diz “que se lixe a dieta?”

Foi depois de seguir a dieta Paleo, provavelmente, a minha trigésima dieta. Na época perguntei-me porque fazia aquilo a mim mesma. Naquele momento, ficou muito claro que a minha obsessão por dietas de perda de peso afetava a minha compulsão. Ao mesmo tempo, a minha obsessão com o peso estava na raiz de tudo. "Que se lixe" tornou-se no mantra que recitava, recordando-me que todas as regras das dietas que aprendi ao longo dos anos não foram úteis.

O mais perturbador das dietas é que as restrições alimentares, acabam por nos causar descontrolo frente aos alimentos

Porque destina o livro que publicou, “A dieta do que se f*da” principalmente ao público feminino?

Grande parte dos meus leitores [Caroline gere o site The Fuck Diet] é do sexo feminino. Mas isso não significa que a minha mensagem não se destine também aos homens. Os efeitos que referi relacionados com a restrição de alimentos têm consequências iguais para todos, torna-nos ainda mais apegados à comida.

Qual o primeiro passo a dar para excluirmos as dietas restritivas das nossas vidas?

Pare de se restringir e “ouça” o seu apetite. Mas, antes, informe-se sobre o que as dietas nos provocam.

Conseguimos controlar a fome?

Controlamos a fome se nos alimentarmos. Isso é o que devemos esperar para "controlar a fome".

A Caroline liga a sua dieta à espiritualidade. Podemos alcançar os objetivos que nos aponta mesmo que não sejamos pessoas espirituais?

Sim, claro. "Que se lixe" é uma espécie de frase espiritual, semelhante a "deixa-te ir". Mas tudo o que realmente precisamos para curarmos este relacionamento obsessivo com a comida é querermos o melhor para nós e estarmos dispostos a confiar nos nossos corpos.

Diz-nos que o nosso corpo é muito inteligente. Como se explica, então, que em certos casos comamos compulsivamente, mais do que o aconselhado? Não terá o nosso corpo algo a aprender?

Temos de avaliar alguns aspetos associados a esta sua pergunta, como a restrição dos alimentos, ou o acumularmos um histórico de dietas, ou sentirmos culpa por comermos e pensarmos se deveríamos estar de dieta. Tudo isto faz-nos comedores compulsivos. O nosso corpo prepara-nos para comermos quando sentimos restrição, mesmo que tal se passe apenas nas nossas mentes. Portanto, um dos passos realmente importantes para diminuir o laço com a alimentação compulsiva é parar de fazer dieta. Na verdade, ajuda a tornar os alimentos numa "droga" menos eficaz.

Além disso, podemos usar a comida como estabilizador emocional ou como distração para o que não queremos enfrentar. Neste caso, o importante é focarmo-nos nas causas subjacentes à resposta baseada na comida, ou qualquer outro vício.  Mas, mesmo neste caso, é importante observar que a comida não é "o problema", é apenas um sintoma.

Os nossos mecanismos básicos de sobrevivência não destinarão todas as dietas a falharem?

Como referi, a restrição destina-nos à compulsão, o que terá o efeito contrário. Isso só nos leva ao descontrolo e, em muitos casos, acabamos por comer mais do que comeríamos se seguíssemos o nosso apetite.

Muita cultura dietética começou como uma crença dogmática sobre pureza e piedade e controlo sobre os desejos terrenos

Não é apenas a biologia que pesa na obsessão pelas dietas. Existem fatores culturais e sociais que, por exemplo, nos impõem padrões de beleza e os associam ao sucesso. Dou um exemplo: “ser magro é sinónimo de felicidade”, diz-se. Quem cria esses mitos?

Muita cultura dietética começou como uma crença dogmática sobre pureza e piedade e controlo sobre os desejos terrenos. Muito claramente, era o medo do corpo e o medo da comida e da sexualidade. Fazer dieta era até encarado como uma forma de conter a libido, o que é realmente um sinal bastante claro de que a dieta não é saudável, se destrói o desejo sexual. Mas, a magreza tornou-se sinónimo de pureza. Atualmente, ainda assim é. Tratamos as dietas quase como uma religião, é um caminho para a pureza e salvação.

Hoje, esta crença também está associada a mensagens culturais e é usada como estratégia de marketing. Ser magro e bonito é visto como um objetivo das elites. Nunca somos suficientemente bons. Há sempre algo a melhorar. Estas são mensagens que geram muito dinheiro para as indústrias da dieta e da beleza.

Caroline Dooner
"Nunca reparou em como as dietas da moda se tornam uma espécie de culto? Levei muito tempo a ver o paralelismo, porque eu fazia parte do culto", conta-nos Caroline no seu livro. créditos: Caroline Dooner

No seu livro, relata-nos o sofrimento afligido ao nosso corpo com as dietas e faz uma comparação com uma experiência de quase-fome que decorreu há décadas nos Estados Unidos. Pode aprofundar?

O estudo decorreu na Universidade do Minnesota, na década de 1940, com o intuito de estudar os efeitos da fome no corpo humano.  Isto, para perceber como reabilitar pessoas esfomeadas após a Segunda Guerra Mundial. Os voluntários, todos homens, física e mentalmente saudáveis, experimentaram uma dieta de apenas 1600 calorias por dia, durante três meses [o consumo diário deve estar entre as 2000 e as 2500 calorias]. Todos os participantes na experiência ficaram extremamente magros e obcecados por comida. A sua saúde física e mental realmente sofreu. Já no período de reabilitação, consumiam enormes quantidades de calorias. Conhecendo este fenómeno, não seríamos tão duros connosco face ao desejo descontrolado por comida depois das restrições. Na realidade, é um processo normal e necessário na recuperação dessas restrições.

Face a tudo isto, o que é comer com equilíbrio?

Idealmente, se confiássemos no nosso apetite, poderíamos ter uma dieta variada e não pensar constantemente no quanto devíamos comer. Sair do ciclo de restrição e compulsão pode ajudar-nos a atingir aquele “lugar” onde a alimentação não é um drama.

Sal, açúcar, “comida decadente”, a Caroline não abdica deles. Estamos enganados face aos perigos associados a estes alimentos?

Diz-me a experiência que o medo provocado por esses alimentos é desproporcional. Vamos prosperar com uma dieta totalmente doce? Provavelmente não. A questão é que se não se der permissão para comer tudo o que quiser, não irá desejar uma dieta totalmente doce.

No seu livro não nos traz receitas. Tendo de eleger o seu prato preferido, qual escolheria?

Se adicionar queijo a qualquer comida, provavelmente gostarei.