Uma vertente radical do vegetarianismo, à base de comida crua, tem vindo a ganhar um crescente número de adeptos em território nacional. Várias centenas de pessoas em Portugal seguem esta dieta diariamente. Raw food, crudivorismo, alimentação vegetariana crua, crudivegana ou viva. Estas são algumas das muitas designações que esta dieta pode ter. No entanto, todas se referem a um plano alimentar no qual, estranhamente para a maioria, não consta qualquer tipo de alimento cozinhado.

Para além das diversas vantagens para a boa forma e para a saúde apontadas pelos seguidores, ocupa o terceiro lugar no ranking de melhores dietas para a perda de peso elaborada pelo site US News Best Diets, oferece também vários benefícios, tanto para a saúde, uma vez que é rica em enzimas naturais e nutrientes, como para o meio ambiente. Foi já no fim do século XIX que um médico, Maximilian Bircher-Benner, descobriu os benefícios da ingestão de maçãs cruas na cura da sua icterícia.

A partir daí, muitas outras experiências, com outros alimentos, foram sido realizadas e esta dieta foi evoluindo até chegar às inúmeras variações que encontramos hoje em dia. No entanto, este regime alimentar está longe de ser consensual. Um estudo científico publicado em 2009 sugeria que estas dietas veganas favoreceriam o desenvolvimento de diabetes tipo 2. Veja também o artigo que o coloca na pele de um vegano e faça o teste que permite aferir se conhece (mesmo) os benefícios dos vegetais que ingere.

O que é que se pode comer

Os seguidores desta dieta ingerem apenas comida crua. Mas o que se entende por cru? Significa, então, que os alimentos processados, geneticamente modificados e sujeitos a radiação, como quando os aquecemos no micro-ondas, não devem constar na despensa. As melhores opções são fruta e vegetais frescos e rebentos, ingredientes alimentares que, de acordo com a chef Fiona, "funcionam muito bem em saladas e são uma boa forma de aumentar o valor nutricional das refeições".

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A lista inclui ainda bagas e frutos secos como as nozes, as castanhas de caju, as avelãs, as amêndoas, as castanhas-do-maranhão, as nozes-pecãs e os pinhões, bem como as manteigas de frutos secos cruas, além de sementes e cereais, que, embora não sejam muito usados, podem ser demolhados e germinados. As ervas aromáticas também são alimentos indispensáveis para quem é seguidor do crudivorismo. Estão também incluídas gorduras como o azeite virgem extra de extração a frio e o óleo e a manteiga de coco, também eles crus. Todos os alimentos devem ser de origem biológica, livres de herbicidas e pesticidas.

Apesar da escassez de evidências científicas, quem segue esta dieta defende que, uma vez que o calor é responsável pela destruição de muitos dos nutrientes e enzimas naturais presentes nos alimentos, é mais saudável consumi-los crus. Segundo dados do US News Best Diets, entre 75% e 80% do plano alimentar diário de quem segue esta dieta é constituído por plantas não cozinhadas acima dos 42º C.

A versatilidade deste regime

A opção não é tomada de ânimo leve. "A grande maioria das pessoas que decide adotar este tipo de regime já segue um regime vegetariano ou vegan. Estes são dois dos grupos que têm, potencialmente, uma maior facilidade em seguir este tipo de alimentação, pois já estão habituados a ingerir apenas proteína de origem vegetal", esclarece a nutricionista Patrícia Segadães.

No entanto, o crudivorismo tem a vantagem de ser adaptável a vários casos e preferências. Deste modo, muitos não vegetarianos optam por incluir alimentos de origem animal crus, como certos tipos de carne ou peixe e leite e queijo não pasteurizados. Além disso, segundo informações publicadas no site US News Best Diet, quem sofre de intolerância ao glúten também pode optar por seguir esta dieta, pois os alimentos que contêm esta substância são facilmente contornáveis.

O US Best Diet atribui a existência de inúmeras variações ao facto de esta dieta estar assente num conceito e teorização muito vagos, dando azo às mais diversas interpretações. Deste modo, cabe a cada um dos seguidores decidir se irá ou não incluir algum tipo de alimento cozinhado. E, tal como sucede em relação a outros regimes alimentares, também aqui as opiniões e as convicções se dividem.

Perda de peso acelerada

Se o objetivo é a perda de peso de forma rápida, esta dieta é, de acordo com o ranking do US News Best Diets, uma opção a considerar. No entanto, de acordo com a nutricionista, pode não ser linear. "Tudo dependerá do ponto de partida, pois, por si só, a dieta não é sinónimo direto de perda de peso", defende. Grande parte das pessoas que opta pelo crudivorismo ingere apenas metade das calorias, comparando com quem segue uma alimentação cozinhada, mais convencional.

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Isto deve-se ao facto de alimentos pasteurizados, processados e que contenham substâncias como as farinhas, açúcares e sal refinados e cafeína serem proibidos. Deste modo, refeições pré-cozinhadas, fast-food, massas e a maior parte dos sumos e leites à venda em supermercados são alguns dos alimentos que não devem constar na despensa dos adeptos do crudivorismo. A nutricionista acrescenta, ainda, que "o consumo de uma maior quantidade de vegetais, fruta, fibras, gorduras de boa qualidade, entre outros, ajuda ao bom funcionamento do organismo", reitera a médica, que integra o conselho científico da revista Prevenir.

"Em sequência disso, pode levar a uma consequente perda de peso", sublinha ainda a especialista. Além disso, os alimentos que fazem parte desta dieta, nomeadamente as leguminosas, vegetais e cereais, são de digestão lenta, oferecendo, por isso, uma sensação de saciedade prolongada. Uma vez que o vinho não é sujeito a qualquer tipo de processo de aquecimento, pode ser consumido. O mesmo não acontece com a cerveja, que é fervida, e com os licores, que são destilados.

As vantagens (re)conhecidas

Os benefícios desta dieta, segundo a nutricionista, estão ligados a uma maior ingestão de alimentos ricos em enzimas. "Este regime, também chamado alimentação enzimática, facilita o processo de digestão e promove uma menor produção de enzimas por parte do organismo, o que se pode traduzir em mais saúde e vitalidade". Segundo a especialista, "esta dieta é rica em diversos nutrientes fundamentais à nossa saúde".

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"É o casos das vitaminas A, C e E [com um poder antioxidante] e dos fitonutrientes, que auxiliam a um melhor funcionamento celular e clorofila", diz. "Esta substância atua positivamente no processo de equilíbrio ácido-base do sangue [fundamental para o bom funcionamento do organismo]", sublinha ainda. Este regime tem, também, "um poder de hidratação muito elevado, pois a maioria dos alimentos consumidos são ricos em água", refere Patrícia Segadães. "É também de destacar o consumo de gorduras vegetais de excelente qualidade presentes em alimentos como o óleo de coco, o abacate, as sementes e os frutos secos", afirma.

"Por último, o incentivo ao consumo de alimentos biológicos leva a que este regime seja praticamente isento de substâncias artificiais e prejudiciais à saúde", defende ainda a especialista. Um pouco por todo o mundo, são muitos os nutricionistas e os dietistas que também defendem esta tese. Os produtos biológicos são geralmente feios e mais caros. Será que vale mesmo a pena investir neles? Para saber a resposta, clique aqui.

As desvantagens deste tipo de dieta

Apesar de menores, também existem e há que ter noção disso. "Fazer a gestão das doses adequadas de proteína pode não ser tarefa fácil e pode levar ao défice de alguns aminoácidos essenciais ao bom funcionamento do organismo", alerta mesmo a especialista. "É, de igual forma, importante avaliar se a ingestão de vitamina B12 é suficiente para corresponder às necessidades diárias do organismo. Caso contrário, este regime pode provocar danos à saúde", avisa.

Para além disso, o consumo de alguns alimentos crus, na sua forma mais natural, como as leguminosas e alguns vegetais, "pode levar à ingestão de substâncias nefastas como as lecitinas ou fitatos, chamados antinutrientes, que, uma vez que se ligam a alguns nutrientes, impedem a sua correta absorção", esclarece. De acordo com a nutricionista, "pessoas com hipoglicemia ou diabetes devem ser bastante vigiadas se optarem por este tipo de regime".

Se não for feita de forma responsável e cuidada, "a dieta crudívora pode levar ao défice de algumas vitaminas, como B6, B9 e B12 [presentes em elevadas doses em alimentos de origem animal, excluídos neste tipo de regime]", realça a especialista. Patrícia Segadães acrescenta, ainda, que "o défice destas vitaminas está ligado a um valor mais alto de uma substância, a homocisteína, que pode aumentar o risco de doenças cardiovasculares e neurológicas".

A correta preparação dos alimentos é fundamental para o sucesso deste tipo de dieta, como também constataram muitos dos investigadores que têm estudado este tipo de alimentação. Além disso, este regime tem ainda de ser acompanhado de boas doses de criatividade, pois, caso contrário, pode tornar-se pouco variado e monótono. Para saber mais sobre este tipo de alimentação que privilegia os alimentos não confecionados, leia também a dieta dos crus.