Elimina rugas num abrir e fechar de olhos, ajuda a combater o excesso de suor, perfila-se como uma possível solução para as enxaquecas e, de acordo com as últimas investigações, a toxina botulínica, vulgo botox, pode também ser uma boa estratégia antidepressiva. Uma investigação levada a cabo por uma equipa de cientistas indianos e alemães, divulgada pelo Journal of Psychiatric Practice no início de 2018, também defende esta tese.

Os especialistas chegaram a essa conclusão depois de injetar esta substância, ao longo de três semanas, na glabela, o espaço entre as sobrancelhas, ligeiramente saliente e geralmente sem pelos, de um grupo de voluntários composto por 23 homens e 19 mulheres, a maioria com depressão crónica e resistência aos tratamentos antidepressivos a que foram submetidos ao longo dos anos. Os resultados foram surpreendentes.

Praticamente todas as pessoas envolvidas na experiência, que decorreu em contexto real, não se tratando de um ensaio clínico, registaram melhorias e cerca de 27% dos deprimidos apresentaram mesmo uma redução nas escalas que avaliam a gravidade da depressão. "Estes resultados sugerem que a injeção de botox na glabela pode também ser eficaz no tratamento da depressão severa", afirma Sanjay Chugh, neuropsiquiatra indiano.

O que outros estudos já tinham descoberto 

Que o botox se converteu num fenómeno social, ninguém duvida! A verdade é que foi tão longe no terreno da estética que se converteu num autêntico tratamento de referência. Mas tudo indica que a poderosa influência da toxina botulínica se está a estender a outras áreas, até aqui à partida improváveis, como a da psicologia, como atestam muitos dos estudos e das experiências científicas que têm vindo a ser feitas.

Os especialistas constataram, desde há muito tempo, que qualquer melhoria no aspecto físico pode influenciar positivamente o ânimo, já que, na maioria dos casos, provoca um aumento da autoestima. Mas, no caso do botox, estas implicações sobre a psique podem ir mais além, como se tem vindo a comprovar. Há alguns anos, o jornal norte-americano The Herald Journal publicou o caso de uma mulher chamada Kathleen Delano.

Esta americana tinha sido vítima de depressão durante anos e, depois de se ter submetido a psicoterapia e a uma série de medicação antidepressiva, não sentia melhorias. No entanto, após recorrer a um tratamento de cinco injecções de botox na glabela, comprovou que, passadas oito semanas, os seus sintomas depressivos tinham desaparecido. "Comecei a notar algumas mudanças", revelou publicamente na altura.

"Vi-me a fazer coisas que não fazia há imenso tempo. Senti que tinha rompido as malhas da depressão e que tinha ânimo para sair e voltar a ver pessoas", revelava. A experiência desta mulher serviu de ponto de partida para uma curiosa investigação levada a cabo por Eric Finzi, director do Centro Cosmético Chevy Chase, em Maryland, nos Estados Unidos da América, publicada na revista Dermatologic Surgery.

O objetivo do estudo foi determinar até que ponto mudar a expressão de alguns traços faciais (neste caso, a zona entre as sobrancelhas) podia ter impacto nas desordens depressivas e atuar como um estimulante natural do ânimo. A investigação foi realizada com 10 pacientes clinicamente deprimidos, com idades compreendidas entre os 36 e os 63 anos, que nunca tinham sido tratados com botox antes.

Botox começou a ser utilizado há 15 anos
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Ao longo de várias semanas em que decorreu este tratamento experimental, foram-lhes administradas, de forma progressiva, injeções desta substância.

Dois meses após o tratamento, voltou a avaliar-se o estado das suas depressões e constatou-se, surpreendentemente, que nove dos 10 pacientes não mostravam sintomas depressivos e que, para além disso, tinham sentido melhorias importantes no seu ânimo e no seu estado de espírito.

Os resultados deste estudo demonstraram inclusive que naquelas pessoas que não procuravam uma melhoria da sua imagem, a principal motivação que move as pessoas que se submetem a injeções de botox nas diferentes partes do mundo, esta substância tinha produzido uma redução drástica dos sintomas de depressão.

As críticas dos especialistas

Já Charles Darwin, pai da teoria da evolução, dizia que os músculos da expressão facial e os movimentos da pele podem contribuir para o nosso estado de ânimo e influenciar as nossas emoções. Desde então, os cientistas têm teorizado acerca das mudanças importantes que as expressões faciais podem provocar na química cerebral, comprovando que um simples sorriso, mesmo que seja forçado, pode fazer com que nos sintamos melhor.

Tendo em conta, por exemplo, que ter uma glabela muito marcada é sinónimo de uma pessoa que costuma estar irritada ou de mau humor ou que as rugas na testa revelam uma preocupação constante e uma angústia recorrente, o facto de se recorrer a métodos como o botox para eliminar estes traços explica o seu efeito sobre a psique o relaxamento do traço traz também consigo uma maior ligeireza anímica.

Terapia de futuro ou nem por isso?

A partir dos resultados obtidos nesta investigação, Alistair Carruthers, presidente da Sociedade Americana de Cirurgia Dermatológica, referiu que com eles se abria um novo caminho que poderia dar andamento a novas investigações que determinassem o hipotético papel que o botox pode ter no tratamento da depressão, papel que, hoje em dia, é preciso reconhecer , ainda é, apesar de tudo, embrionário.

Os resultados de um estudo realizado sobre apenas 10 pacientes não são, de todo, conclusivos, houve quem apontasse. Outros especialistas em saúde mental mostram-se mais críticos no que diz respeito a este tipo de tratamento, afirmando que doenças como a depressão deveriam ser sempre tratadas com terapias com evidência científica e advertem sobre o risco de recorrer reiteradamente ao botox como evasão, sem que os pacientes recebam a medicação adequada.

Na opinião do psicólogo clínico Fernando Magalhães, não é provável que a aplicação de botox tenha benefícios no tratamento de estados depressivos, isto porque "o estado depressivo melhora com a mudança de padrões ou hábitos de pensamento irracionais e de comportamentos disfuncionais". "Um estado depressivo pode ter inúmeras causas e fatores ambientais, relacionais e até biológicas", acrescenta.

"Um tratamento estético poderá melhorar o humor, mas por pouco tempo, porque as causas subjacentes principais não foram adequadamente tratadas", acrescenta ainda o especialista. Quanto aos estudos referidos, o especialista do Centro Clínico e Educacional da Boavista opina que "um estudo nada significa". "São precisas várias investigações e uma amostra significativa de pessoas para se chegar a uma conclusão científica válida da relação entre botox e melhoria na depressão", defende.

Às voltas com a autoestima

Enquanto esperamos que surjam mais evidências científicas que corroborem o potencial anti-depressivo do botox, a verdade é que a melhoria estética que produz eleva indubitavelmente os níveis de autoestima. O âmago da questão é estabelecer o limite a partir do qual o botox deixa de ser considerado uma ferramenta para uma pessoa gostar mais de si e para começar a desenvolver uma dependência, transformando-o num único depositário da autoaceitação.

"Em termos de efeitos psicológicos, a investigação tem demonstrado que apenas uma pequena percentagem de pessoas, cerca de 10%, fica menos preocupada ou ansiosa, a longo prazo, depois de recorrer a um tratamento estético. Muitas das pessoas com preocupações estéticas excessivas têm expetativas muito altas ou até irrealistas sobre um tratamento ou cirurgia, esperando que o seu aspeto fique perfeito", diz.

Essa é, pelo menos, a pretensão de milhares em todo o mundo. "Existe até uma probabilidade de fazerem mais tratamentos, pois a busca da ilusão, da perfeição, que nunca se atinge, pode ser desencadeada por uma primeira intervenção", acrescenta ainda o especialista português. "Pode haver uma satisfação depois do tratamento mas tende a ser momentânea", adverte Fernando Lima Magalhães.

Os perigos de valorizar excessivamente a imagem

Para além disso, o psicólogo clínico explica ainda que "o que distingue uma preocupação excessiva, irracional e patológica com o aspeto físico é um grau significativo de stresse, ansiedade ou disfunção, como deixar de funcionar e/ou de fazer aquilo que se faz habitualmente). Existe uma fasquia ou um padrão excessivamente elevado que acredita que deve cumprir, materializado por frases como não posso ter rugas visíveis", refere.

"E há também uma condição rígida para se sentir bem, materializada em pensamentos como se não tivesse rugas, seria feliz e aceite. Usar recorrentemente tratamentos estéticos para manter um humor positivo pode ser o resultado desta preocupação excessiva", alerta. "Se alguém deixa de socializar ou de trabalhar porque se preocupa bastante com as rugas, isto significa um prejuízo no seu funcionamento", sublinha.

"E, provavelmente, algum transtorno psicológico", adverte ainda Fernando Lima Magalhães. Uma situação mais comum do que, à partida, se poderia pensar. "É ótimo que as pessoas façam aquilo que as faz sentirem-se melhor mas isto não deveria implicar a dependência de atingir, permanentemente, uma expetativa sobre um certo aspeto físico», afirma também o psicólogo clínico português, habituado a lidar com o problema.

Texto: Madalena Alçada Baptista com Luis Batista Gonçalves (edição digital)