Poucos serão os indivíduos que têm um saldo positivo no banco do sono. A maioria das pessoas deve horas à cama, dívida essa que proporcionará uma quantidade equivalente ou superior de problemas de saúde. "Todos nós nos sentimos mal quando não dormimos bem, por isso não é difícil imaginar quão mal ficaríamos se o sono fosse cronicamente perturbado", adverte W. Chris Winter, neurologista norte-americano, autor do livro "Dormir bem para viver melhor".

De facto, hoje sabe-se que várias patologias, como a obesidade, a diabetes, a ansiedade e até a depressão, resultam, em parte, das horas que ficaram por dormir. Além disso, as próprias disfunções do sono podem aparecer ou ser agravadas porque a cabeça não descansa na almofada as horas suficientes. A origem do problema é conhecida. A nossa herança genética pode desempenhar um papel importante nalgumas perturbações do sono, adverte mesmo.

"Condições como a síndrome das pernas inquietas e, em muitos casos de narcolepsia, podem conduzir a uma maior propensão para a insónia", alerta o especialista do sono. De acordo com W. Chris Winter, autor do livro publicado em Portugal pela editora Albatroz, a falta de descanso levam a outros problemas. "Os genes associados ao tamanho da língua ou aos padrões de distribuição de peso podem, inclusivamente, levar à apneia do sono", alerta o neurologista.

Ainda assim, cada vez mais estudos científicos, nacionais e internacionais, confirmam que o nosso estilo de vida, muito mais agitado hoje do que era há apenas meio século, tem uma elevadíssima quota-parte de responsabilidade na falta de sono registada nas sociedades ocidentais. Com os hábitos alimentares pouco saudáveis que temos e com a utilização crescente da tecnologia à noite que fazemos, difícil seria não sofrermos, depois, de distúrbios do sono.

Os desequilíbrios endógenos que a falta de sono gera

A falta e a má qualidade do sono são simultaneamente fatores de stresse e consequências do frenesim em que andamos no dia a dia. Segundo Sérgio Veloso, biólogo especializado em metabolismo celular e nutrição clínica, isso pode provocar alterações significativas no nosso sistema. "Desde a própria regulação energética, ao ritmo cardíaco, e aumento da inflamação", sublinha. Ao nível metabólico, o stresse contribui para o aumento da produção de hormonas.

Uma delas é o cortisol, que está ligado a "uma maior propensão para acumular gordura na zona abdominal e resistência à insulina", refere Sérgio Veloso. A pessoa desenvolve um apetite por alimentos com elevado teor de açúcar, sal e gorduras saturadas, "uma espécie de fome compulsiva", diz. Um comportamento que inconscientemente procura compensar o stresse e a falta de sono e descanso, através desta dieta pobre em nutrientes e rica em fontes de prazer.

"Quanto menos horas passarmos a dormir, mais horas estamos disponíveis para comer", nota Sérgio Veloso. O que se traduz num aumento dos casos de diabetes tipo 2 e de obesidade. Além de inúmeros estudos internacionais que o atestam, são também muitos os profissionais de saúde que associam a falta de descanso noturno a uma maior propensão para a obesidade, uma das maiores epidemias do último século, como alertam especialistas em todo o mundo.

Estabilidade mental em risco com a falta de descanso

Se passamos a semana numa tensão enorme, com uma lista interminável de tarefas por fazer e, a seguir, ainda acrescentamos preocupações pessoais à pressão que nos é colocada ou que colocamos sobre os nossos próprios ombros, é natural que tenhamos dificuldade em adormecer, em dormir o suficiente e em sentirmos que efetivamente descansámos. Porquê? O biólogo português esclarece tem uma explicação para isso que nos deve fazer repensar a nossa vida.

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"O aumento do cortisol faz diminuir a segregação de serotonina, um neurotransmissor de bem-estar e precursor de melatonina", adverte. Sérgio Veloso alerta ainda para o facto de, como consequência desse fenómeno, "aumentarem os estados depressivos" na sociedade e de se verificar também "uma maior letargia e sensação de cansaço ao longo do dia", refere. Este especialista está, contudo, longe de ser o único a alertar para esta situação. A privação de sono vai deteriorando as capacidades de atenção e de concentração, podendo, a longo-prazo, afetar negativamente os processos cognitivos e a memória.

W. Chris Winter diz mesmo que "pode mudar o nosso comportamento e a personalidade". Nas palavras do neurologista americano, passamos a ter uma "maior propensão para o risco, menor capacidade para ler as emoções dos outros e torna-mo-nos menos pacientes, mais distraídos e ficamos furiosos mais rápido". Tudo isto vai piorando com à medida que o tempo passa, mas, ainda assim, é "suficientemente lento para que os efeitos sejam difíceis de perceber", diz.

O imperativo de harmonizar necessidades

Precisamos de dormir mais e melhor. Acontece que isso exige um compromisso muito grande por parte do indivíduo para mudar o seu estilo de vida e os hábitos alimentares. As suas obrigações profissionais, incumbências familiares e deveres sociais não se podem sobrepor às horas que deve estar na cama. "A pessoa deve priorizar o sono na sua rotina", frisa Sérgio Veloso. W. Chris Winter concorda e dá mesmo uma justificação plausível para que assim seja.

"Melhorar a forma como dormimos eleva dramaticamente o nosso humor e melhora o funcionamento cognitivo. Isso aumenta a autossegurança e torna-nos mais produtivos. Fisicamente são inúmeras as melhorias que vemos. A saúde cardiovascular, o funcionamento imunológico e o controlo dos níveis de açúcar no sangue melhoram. Há uma perda de peso. Verificam-se menos ataques cardíacos e acidentes vasculares cerebrais", assegura ainda.

Como dormir mais e melhor

Oito horas de sono é o que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que um adulto durma, por noite. Contudo, W. Chris Winter explica que esse número não se aplica a todos os indivíduos. É um número que tentamos alcançar porque, "há uns anos, os dados sugeriam que os jovens adultos dormiam uma média de 7,5 horas durante a semana e 8,5 ao fim de semana", justifica. Tão importante como o número de horas que dormimos é a qualidade do sono.

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Para conseguir melhorá-la, deve fazer uma alimentação rica em proteínas e pobre em gorduras e açúcar, praticar uma atividade física regularmente evitando desportos intensos no período noturno, ajustar a temperatura da casa de forma a estar entre os 16º C e os 22º C e fazer uma boa higiene do sono. Sérgio Veloso sugere que realize "atividades que provoquem relaxamento", como ler um livro ou uma revista, fazer bordados e/ou conversar. Também deve libertar o quarto do máximo de distrações possível, passando a deixar os aparelhos eletrónicos como a televisão, o computador, o tablet e o smartphone noutra divisão da casa.

"A luz artificial suprime a produção de melatonina, que leva à indução de sono", informa o especialista. As contas por pagar e a roupa por dobrar não devem estar espalhados pelo quarto. Só vão criar ruído visual e adicionar pontos na lista de afazeres domésticos. O neurologista W. Chris Winter confirma ainda que, "ao removermos os itens que possam prejudicar o sono, estamos a enviar uma mensagem claro ao cérebro de que o sono vai acontecer neste lugar".